Rio

Testes para blindar escolas municipais do Rio são concluídos

Prefeitura aguarda entrega de laudos sobre argamassa especial para iniciar licitação
Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, em Acari, onde a jovem Maria Eduarda foi morta Foto: Márcio Alves / Agência O Globo
Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, em Acari, onde a jovem Maria Eduarda foi morta Foto: Márcio Alves / Agência O Globo

RIO - A prefeitura do Rio está perto de tirar do papel o projeto que prevê a blindagem, com argamassa especial, de escolas da rede municipal situadas em áreas de risco . A ideia ganhou força em abril do ano passado, logo após a morte da estudante Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, baleada dentro de um colégio público em Acari, na Zona Norte. Há cerca de duas semanas, foram concluídos, de forma satisfatória, testes realizados por peritos da Polícia Civil com o material a ser utilizado no revestimento das unidades. A prefeitura aguarda apenas o recebimento oficial dos laudos para dar início à licitação que vai escolher a empresa que fornecerá o material para a blindagem.

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Inicialmente, ainda em 2017, divulgou-se que a argamassa seria importada de uma companhia nos Estados Unidos, supostamente a única do mundo a fornecer o material. Duas empresas nacionais, contudo, também estariam aptas a produzi-lo dentro das especificações estabelecidas pelos testes, o que baratearia a fabricação. A escolha final da fornecedora será feita por meio de concorrência.

Procurada, a Polícia Civil não forneceu maiores detalhes sobre a avaliação da argamassa. A Polícia Militar, que também realizou testes a pedido da prefeitura, não se pronunciou. No início de março, porém, o prefeito Marcelo Crivella, durante agenda pública, informou que o material “resistiu a tiros de fuzil a 15 metros” e que a instalação da argamassa começaria “nas próximas semanas”.

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A prefeitura, entretanto, ainda não divulgou prazos nem detalhou quais escolas receberão o revestimento especial em um primeiro momento. Por nota, disse apenas que “aguarda o laudo sobre os testes realizados”. Cesar Benjamin, secretário municipal de Educação, chegou a dizer, no ano passado, que gostaria de blindar as 45 unidades da rede no Complexo da Maré.

— Isso vai ser avaliado caso a caso, conforme o projeto for tomando forma — explicou, agora, o secretário, também sem entrar em maiores detalhes.

Cesar Benjamin, secretário municipal de Educação, chegou a dizer, no ano passado, que gostaria de blindar as 45 unidades da rede no Complexo da Maré (Arquivo) Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Cesar Benjamin, secretário municipal de Educação, chegou a dizer, no ano passado, que gostaria de blindar as 45 unidades da rede no Complexo da Maré (Arquivo) Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

MEDIDA DIVIDE OPINIÕES

Moradora da Rocinha, a artesã e diarista Maria (nome fictício), de 58 anos, diz que aprovaria uma eventual blindagem da escola municipal onde estuda a neta de 9, situada na comunidade: “Eu me sentiria mais segura. Só tem que ser tudo, do piso ao telhado”. Mas, logo depois, duvidou da eficácia da medida:

— O problema não é só a escola, ela precisa chegar e voltar. Não resolve se não tiver segurança no entorno. É que nem pintar a frente da Rocinha: só maquiagem.

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Coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), Dorotéa Frota Santana tem opinião semelhante. Com a experiência de quem trabalhou por 28 anos em escolas da Cidade de Deus, ela avalia a medida como “paliativa”.

— Infelizmente, o poder público não dá conta das questões sociais inerentes às comunidades. Não tem um ponto de cultura, uma praça decente, uma agência bancária, nada. É uma carência quase completa. E vai falar em blindar escola? — questiona.

“O problema não é só a escola, ela precisa chegar e voltar. Não resolve se não tiver segurança no entorno. É que nem pintar a frente da Rocinha: só maquiagem”

Moradora da Rocinha
opina sobre blindagem das escolas

Sob condição de anonimato, o diretor de uma escola municipal na Maré conta que, no início do ano, um tiro atravessou quatro paredes da unidade, à noite. O prédio foi erguido com drywall , material mais barato e frágil, composto por chapas de gesso.

— Não vai resolver o problema da violência, é verdade. Mas, enquanto isso, faz o quê? Deixa a criança morrer dentro da escola? É uma questão de sobrevivência, estamos jogando dados com Deus. As paredes daqui não seguram nem tiro de calibre 22 — desabafou o educador.

Já o pesquisador Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, afirmou que a bibliografia sobre o tema é clara ao apontar que medidas como blindar escolas não são eficazes. No Oriente Médio, onde esse debate é constante, a solução, segundo ele, parte de uma mobilização comunitária em parceria com autoridades de segurança:

— A blindagem pode servir, inicialmente, para dar mais tranquilidade a crianças, responsáveis e educadores. Mas precisaria analisar custo, efetividade do material e prioridades de políticas públicas, para só então concluir se esse paliativo é uma iniciativa cabível. Me parece algo muito mais focado em impactar a opinião pública do que em prover segurança.


Presidente da Associação Anjos de Realengo, Adriana Silveira critica demissão de porteiros e argamassas em escolas
Foto: Mônica Imbuzeiro
Presidente da Associação Anjos de Realengo, Adriana Silveira critica demissão de porteiros e argamassas em escolas Foto: Mônica Imbuzeiro