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Tema da redação do Enem 2019 é 'democratização do acesso ao cinema no Brasil'

Professores consideram o tema mais fácil e abrangente que nos anos anteriores; na semana passada, o MEC assinou uma parceria para disponibilizar 20 filmes nacionais com acessibilidade
SO Rio de Janeiro (RJ) 03/11/2019. Prova do ENEM. Local CEFET-RJ. Na foto entrada para fazer a prova. Foto Marcos Ramos / Agencia O Globo. Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
SO Rio de Janeiro (RJ) 03/11/2019. Prova do ENEM. Local CEFET-RJ. Na foto entrada para fazer a prova. Foto Marcos Ramos / Agencia O Globo. Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

RIO — No primeiro Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aplicado no governo de Jair Bolsonaro, o tema da redação foi "democratização do acesso ao cinema no Brasil".

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O MEC lançou na semana passada um programa para incentivar cinemas acessíveis a surdos, cegos e autistas pelo país.

Na semana passada, o Ministério da Educação (MEC) assinou uma parceria com a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). O evento contou com a presença da primeira-dama da República, Michelle Bolsonaro. No programa, a Fundaj vai disponibilizar 20 filmes nacionais com produção de acessibilidade comunicacional, o que inclui fone com audiodescrição para cegos e pessoas com baixa visão, além de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e legenda para surdos e ensurdecidos.

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Outro ponto do projeto prevê a adaptação de salas de cinema para o público autista. A ideia é que o ambiente tenha som e luzes reduzidos.

Já para os cegos, a proposta é possuir entradas com maquetes em braille. Isso facilitaria a identificação dos lugares e das saídas de emergência.

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O anúncio do tema foi feito pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, pelo Twitter, diretamente de um colégio militar em Palmas (TO). Somente após a publicação de Weintraub o tema foi divulgado nas redes do MEC e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), como tem sido feito nos últimos anos.

No ano passado, antes da posse, Bolsonaro chegou a defender que a prova passasse por uma "avaliação" antes da aplicação, uma vez que o exame, na sua avaliação, "estimulava a briga entre pessoas que pensam diferente".

Tema 'assusta menos'

Para Rafael Pinna, professor de redação do Colégio de A a Z, o tema de redação do Enem 2019 tende a ser mais fácil para os vestibulandos por ter sido mais abrangente do que o dos anos anteriores.

— No ano passado o tema não era sobre redes sociais, mas sim sobre questões relacionadas a algoritmos. Para a maior parte das pessoas era um assunto de menos contato. O deste ano assusta menos — explica Pinna. — Nos últimos dois anos, o tema tinha recorte muito específicos. Em 2018, não era sobre redes sociais, e sim sobre a questão dos algoritimos. Para a maior parte das pessoas era um assunto de menor contato — completou o professor.

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Pinna considera que o aluno deve explicar por que o cinema não está acessível para um público amplo:

— Isso tem a ver com uma questão socioeconômica. A lógica do cinema acaba obedecendo a uma demanda econômica. Na maior parte das vezes, o cinema tem se tornando uma atividade cara. Na tese, o aluno deve perceber que existe uma importância do cinema e explicar que ele não está democratizado.

A professora de redação da Escola Eleva e da Plataforma Eleva Carolina Pavanelli diz que adorou o tema da redação porque o exame nunca havia abordado uma manifestação artística.

— É a primeira vez que o Enem aborda arte. Era pouco provável, o que é muito bom porque todo mundo fica tentando adivinhar e, assim, pega os alunos que realmente estavam preparados para discutir qualquer temática e não só quem estava preparado para um tema específico — afirma a professora, que é, justamente, formada em Cinema.

Carolina Pavanelli diz que a tese depende muito dos textos motivadores, mas considera um caminho possível discutir como levar a arte às diversas classes sociais, já que o cinema, “como muitas manifestações artísticas no Brasil, sempre foram direcionadas a uma elite”. Para ela, o foco deve ser, sobretudo, a questão da democratização.

Quem vai na mesma linha é Thiago Braga, professor de português e redação do Colégio e Curso pH, para quem o debate é importante para romper com a elitização do acesso às artes no país.

— Achei o tema muito importante para realidade do Brasil, que elitiza muito o acesso das artes em geral. A gente precisa discutir esta necessidade das artes. O cinema que tem mais apelo ao público deve ser mais democratizado e o acesso a ele deve ser garantido. O cinema tem o poder de educar, entreter e desalienar — pontua Braga. — Este tema é mais acessível para os alunos, porque eles provavelmente já discutiram sobre a importância das artes no Ensino Médio. E o cinema é uma das artes as quais eles mais tem acesso. É muito importante ver a nossa juventude discutindo um assunto como este.

Para demonstrar a importância do assunto, o docente citou um trecho da música "Comida" da banda Titãs: "A gente não quer só comida / A gente quer comida, diversão e arte".

— Esta música é belíssima, e representa bem este tema da redação. As pessoas não querem só o básico para a sobrevivência, mas querem entender as relações sociais. O cinema tem o poder de educar, de entreter e de desalienar — pontua Braga.

Carolina Achutti, professora de redação do Descomplica, também considera que o tema da redação foi relativamente fácil e acha que é uma forma de suscitar reflexões sociais.

— Esse tema propõe uma discussão voltada para a questão social, já que muitas pessoas não têm acesso a cinemas por questão financeira. É importante também pensar na questão da acessibilidade para pessoas com deficiência — afirma ela.

Juliana Fernandes, professora do Sistema de Ensino COC, acredita que os alunos devem conseguir escrever boas redações:

— Como nos anos anteriores, o tema é social, pedindo um olhar para as outras pessoas, que por questões econômicas, de distância, locomoção ou deficiência, não podem ir ao cinema. Acho que os alunos têm mais base esse ano, porque ir ao cinema faz parte da realidade deles.

Propostas de intervenção

Como tese, a professora Juliana sugere falar das causas desse problema, depois abordar as consequências, conseguindo assim “fazer a argumentação de forma tranquila, com estrutura perfeita”. Na proposta de intervenção, poderia ser sugerido que o governo criasse cinemas gratuitos, ou que fossem realizados festivais com uma programação específica em cidades distantes, por exemplo.

Braga, por sua vez, propõe a menção às parcerias entre o Estado e as empresas privadas.

— Na proposta de intervenção, os alunos devem especificar que o acesso ao cinema deve ser garantido pelo Estado em parceria com as empresas privadas. Eles podem sugerir a redução de preços, a criação de cinemas itinerantes — disse Thiago.

Pinna considera que o candidato deve reconhecer no desenvolvimento a importância do cinema enquanto meio de lazer e formação sociocultural. Já na proposta de intervenção, o estudante pode sugerir leis e parcerias para aquecer o setor e democratizar o acesso ao cinema:

— A primeira intervenção é lei de incentivo. A criação de lugares que sejam mais acessíveis para as pessoas por meio de parceiros público-privado. Isso tudo pode popularizar os ingresso. É importante entender como  essa exclusão socioeconômica pode ser revertida.

No desenvolvimento, Carolina Achutti considera que o aluno pode lembrar que o cinema brasileiro coleciona filmes respeitados, como Central do Brasil e O Auto da Compadecida. Esses títulos poderiam, inclusive, ser citados pelos alunos para fundamentar teses.

— É interessante que ele comente que o cinema tem um papel importante no processo de conscientização social. Além disso, ele é uma forma de levar o nome do Brasil para o exterior — explica a professora.

Já Carolina Pavanelli afirma que, para qualquer proposta de intervenção, é fundamental dialogar com a problemática abordada. Ela ressalta ainda a importância da tangibilidade das propostas.

—  É muito recorrente os estudantes dizerem coisas como “o governo deveria incentivar”, mas isso serve para muita coisa. Tem que ter o cuidado de pensar em propostas efetivas que possam ser colocadas em prática. Claro que nenhum problema proposto no Enem é fácil de resolver, mas tem que ser factível.

Cinco competências

A avaliação da redação do Enem se ampara em cinco competências. A primeira delas trata do domínio da linguagem formal. Na competência dois, a banca de avaliadores analisa a capacidade do candidato de compreender a proposta e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema. Na terceira, os avaliadores observam a capacidade de relacionar opiniões e argumentos a favor de um ponto de vista.

A quarta competência se refere ao conhecimento dos mecanismos linguísticos para construção da argumentação. O último critério avaliado pelo Enem se refere à elaboração de proposta de intervenção para o problema, com respeito aos direitos humanos.

Até o ano passado, o candidato que desrespeitasse os Direitos Humanos na prova de redação do Enem recebia zero. Na última edição, após uma determinação do Supremo Tribunal Federal, o critério passou a não mais zerar a prova, mas ele ainda penaliza, com retirada de pontos.

Temas anteriores

Confira os temas abordados nas redações do Enem nos últimos anos:

O indivíduo frente à ética nacional (2009)

O Trabalho na Construção da Dignidade Humana (2010)

Viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado (2011)

O movimento migratório para o Brasil no século XXI (2012)

Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil (2013)

Publicidade infantil em questão no Brasil (2014)

A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira (2015)

Caminhos para combater o racismo no Brasil (2016)

Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil (2016)

Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil (2017)

Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet (2018)