Opinião

Tecnologia pela educação

Se o corretor não conhecesse a obra em questão, e sem tecnologia que ajude a identificar o plágio na correção, o aluno passaria com boa nota no Enem?

O recente episódio de plágio no Enem evidencia pelo menos dois grandes problemas da educação básica brasileira. O primeiro é que não preparamos nossos jovens para a escrita original, criativa, que compile ideias inéditas. O segundo é que não temos tecnologia suficiente para mapear a falta de originalidade da escrita na principal avaliação do ensino médio brasileiro.

O caso de plágio no Enem aconteceu em Salvador. Um aluno teria copiado a sinopse inteira de um livro na redação, que aparece no segundo dia de provas. O tema sobre o qual os alunos tinham de dissertar era educação para surdos — assunto difícil, como de costume no Enem, e que exige soluções criativas e muita reflexão para inclusão na educação daqueles que, hoje, ainda ficam de fora.

O plágio é a ponta de um iceberg maior e mais profundo do que sequer imaginamos. Nossos alunos não são treinados para desenvolver ideias criativas, para pensar em soluções e para concatenar as propostas em frases e parágrafos que façam sentido e que convençam o leitor. Sem essa habilidade, considerada essencial para o século XXI pela maioria dos especialistas, muitos acabam se valendo da cópia de trechos ou de textos inteiros.

Por sorte, um dos corretores da prova com plágio tinha lido recentemente a obra copiada e, provavelmente, se recordava de trechos. Deve ter consultado a internet e chegou ao veredicto: era uma cópia. É assim que a maioria dos professores no país ainda identifica trechos de plágio nos trabalhos dos alunos. Esforçam-se, muitas vezes inutilmente, para tentar trazer da memória trechos que possam ter sido copiados; buscam na internet partes do texto que estão exageradamente bem escritas, que destoam do restante do material ou que parecem ter sido traduzidas. Nesse esforço exaustivo, algumas vezes encontram a cópia, outras não.

Se o corretor não tivesse conhecimento da obra em questão, e sem tecnologia que ajude a identificar o plágio na correção do Enem, o aluno de Salvador teria passado com boa nota? O governo já usa tecnologia na correção das questões da prova — é a chamada TRI, que identifica o padrão do aluno e dá menos pontos para questões que foram “chutadas”, por exemplo. Assim, a nota no Enem nunca é proporcional ao número de acertos — e pode passar de mil pontos.

O fato é que já há tecnologias suficientemente consolidadas que poderiam auxiliar os professores e melhorar a chamada escrita original dos alunos ao longo do processo educativo. São os chamados softwares antiplágio, utilizados pelas principais universidades e escolas de ensino médio, no Brasil e no mundo. Os mais completos permitem que os alunos, de escola ou de universidade, submetam seus trabalhos na plataforma e recebam um relatório de similaridade, antes mesmo de entregá-los ao professor. Assim, o aluno treina a escrita, o encadeamento de ideias, além de refletir sobre problemas e soluções. Trata-se de um estudante que, ao chegar a um exame como o Enem, não precisa ilicitamente copiar um trecho de um livro, pois ele próprio poderá ser um futuro autor de um livro que traga uma ideia original.

O Enem acerta ao exigir que alunos escrevam na prova (o restante do exame é composto por questões que se distribuem em quatro áreas do conhecimento, como Linguagens e Ciência da Natureza). Universidades e programas como o Fies, de financiamento estudantil, também vão na direção correta ao exigirem uma nota mínima na redação. Agora, as escolas precisam se mobilizar mais intensamente para trabalhar a escrita original dos alunos — e, de outro lado, o governo também precisa garantir que os alunos com escrita original de verdade recebam as maiores notas na redação.

Mariana Rutigliano é gerente de marketing