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O Novo Ensino Médio e o desafio da escolha

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sala de aula Imagem: divulgação

Colunista do UOL

15/02/2022 11h16

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Tassiana Cunha Carvalho*

A partir de 2022 passa a ser obrigatória a implementação do Novo Ensino Médio. Com a promulgação da Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, além de cumprirem os conteúdos da Base Nacional Comum Curricular, os estudantes poderão escolher um dentre cinco itinerários formativos para se aprofundar. São eles: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciência humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional.

A vigência da lei determinou um prazo de cinco anos para as redes de ensino implementarem o novo modelo e previu a oferta obrigatória de pelo menos dois dos itinerários previstos. Razoável é a percepção de que a oferta de todas as opções é o melhor serviço a ser prestado aos pouco mais de 2,2 milhões de alunos que entraram no ensino médio em 2021, segundo o Censo Escolar publicado no último dia 1º de fevereiro.

Ainda que a lei tenha previsto esse tempo de adaptação, tornar essa reforma uma realidade continua sendo um desafio. As medidas de isolamento social e os impactos decorrentes da pandemia da covid-19 afetaram diretamente a capacidade das redes de se organizarem. Até hoje discutimos a volta às aulas presenciais, o ajuste de calendários escolares e buscamos avaliar e atacar o déficit de aprendizagem advindos de um ensino remoto implementado às pressas e, portanto, com muitas deficiências.

Não obstante os problemas enfrentados em decorrência da pandemia, o novo modelo para o Ensino Médio enfrenta um outro problema, intrínseco à sua concepção. O modelo preconiza a escolha dos itinerários, valorizando a autonomia e protagonismo do estudante, mas está muito longe de oferecer ao aluno um leque razoável de escolhas.

Aqui estamos falando do itinerário da formação técnica e profissional, que visa mais diretamente à preparação do aluno para as várias opções que o mercado de trabalho oferece. Essa formação pode envolver cursos técnicos, cursos de qualificação profissional, conteúdos complementares e atividades de aprendizagem. Ofertar essa opção implica um arranjo ainda não incorporado pelas escolas e pelas redes responsáveis pela oferta pública do Ensino Médio. À exceção das instituições que já ofertavam ensino médio articulado e integrado a cursos técnicos (institutos federais, escolas técnicas, fundações voltadas à preparação ao trabalho), para a maioria das escolas a oferta de cursos técnicos é um desafio complexo. Escolher os cursos a serem ofertados, definir currículos, contratar e capacitar professores ou adequar espaços e equipamentos são alguns dos obstáculos à oferta de itinerários técnicos.

Pensar e desenhar um itinerário da formação técnica e profissional perpassa também o alinhamento entre a formação pretendida e o mercado de trabalho. A referência pode ser, por exemplo, o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, que disciplina os cursos técnicos (educação profissional técnica de nível médio), ou a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), que busca de forma contínua retratar a realidade das profissões do mercado de trabalho brasileiro reconhecendo a existência de empregos ou situações de trabalho na sociedade. Em ambos os casos estamos falando de centenas de opções. Fazer o ensino técnico aponta para a escolha de uma área profissional específica, o que pode variar muito: são exemplos de itinerário um curso técnico em eventos, uma série de qualificações e atividades de aprendizagem relacionadas a instalação de sistemas fotovoltaicos ou cursos sequenciais de tradução - inglês e espanhol instrumental, LIBRAS, entre outros.

A demanda pelo itinerário técnico ainda é pressuposta, não contando com indicadores formais para confirmá-la. Mas crível é a hipótese de que uma habilitação técnica pode ajudar aqueles alunos que concluem o ensino médio e não continuam os estudos a ingressarem de forma qualificada no mercado de trabalho. Mais ainda, podemos defender que essa habilitação técnica pode incentivar a continuidade dos estudos naquela área, seja em bacharelados, licenciaturas ou cursos superiores de tecnologia. Hoje a educação profissional articulada ao ensino médio conta com cerca de 1 milhão de matrículas e a trajetória recente aponta para a sua atratividade: o número de matrículas de ensino médio integradas à educação profissional cresceu 31,2% nos últimos cinco anos.

No contexto do Novo Ensino Médio, ser diverso e assertivo na oferta é o mais desafiador. As redes de ensino médio enfrentarão dificuldades para ofertar diretamente um conjunto de opções que espelhe a diversidade dos interesses dos alunos. E, nesse contexto, quanto mais opções o aluno tiver, maior será a aderência da sua escolha, logo maiores as chances de ele se identificar e dar significado à educação que recebe, fazendo um melhor aproveitamento futuro dessa.

Um leque diversificado de itinerários da formação técnica profissional requer, portanto, atenção para um clássico vilão do campo das políticas públicas: a governança. Mais opções significa mais atores em jogo. O primeiro passo é chamar mais ofertantes para a sala de negociação: institutos federais, universidades, os serviços nacionais de aprendizagem e fundações públicas de educação profissional são alguns dos atores com quem a rede ofertante do ensino médio deveria fazer parcerias de forma a aumentar o leque de opções.

O engajamento do setor produtivo também seria um diferencial na construção de alternativas: programas de aprendizagem, participação na discussão curricular e na formação de professores, aportes financeiros para reforço e modernização de infraestrutura seriam de grande valor para dinamizar a oferta.

E não nos esqueçamos dos alunos, público-alvo da política, cujos interesses e visões de mundo devem ser levados em consideração para que a escolha seja mais aderente. Introduzir o tema no ensino fundamental pode ajudar, assim como realizar pesquisas de interesse, vocacionais e disseminar ações informativas com relação à uma escolha profissional.


*Tassiana Cunha Carvalho é mestre em educação (Universidade de Brasília), especialista em gestão da política de direitos humanos (Enap) e graduada em ciência política (Universidade de Brasília). Pertence à carreira de especialista em políticas públicas e gestão governamental e trabalha atualmente na Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação.