Brasil
Group CopyGroup 5 CopyGroup 13 CopyGroup 5 Copy 2Group 6 Copy
PUBLICIDADE

Por Rafael Vazquez — De São Paulo


O psiquiatra Alexandre Valverde: “Somos educados em um sistema em que os jovens não sabem falar de si e não sabem reconhecer as suas questões afetivas” — Foto: Divulgação
O psiquiatra Alexandre Valverde: “Somos educados em um sistema em que os jovens não sabem falar de si e não sabem reconhecer as suas questões afetivas” — Foto: Divulgação

O aumento na incidência de massacres em escolas no Brasil expôs a ineficiência do sistema público de saúde (SUS) em oferecer o devido acompanhamento psicológico a crianças e adolescentes, principalmente depois da pandemia, que elevou casos de ansiedade e depressão tanto em adultos quanto entre jovens.

Considerando que 71,5% da população brasileira depende do serviço público, segundo dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e diante do consenso de que a saúde mental se tornou uma questão que afeta diversas esferas da sociedade, da produtividade aos índices de violência, especialistas apontam que o financiamento ao tratamento psiquiátrico de jovens ainda é baixo para o tamanho do problema e sugerem soluções que passam por maior integração com as escolas.

De acordo com o professor de psiquiatria da infância e adolescência da Universidade de São Paulo (USP) Guilherme Polanczyk, a escassez de recursos para a frente psiquiátrica no sistema de saúde gera duas consequências diretas. Uma é a falta de incentivo para o aumento de profissionais da área.

“Nós psiquiatras de crianças e adolescentes somos muito poucos ainda. É uma especialidade relativamente recente. A psiquiatria, em geral, é muito pouco financiada tanto para treinamento para pesquisas e serviços. E para a infância e adolescência é ainda pior”, diz. A outra consequência direta é o baixo número de tratamentos que podem ser ofertados para jovens que demonstram sinais de que precisam de acompanhamento.

De acordo com estudo feito por Polanczyk junto com outros pesquisadores da área ligados à USP com dados de 2.511 jovens de 6 a 12 anos nas cidades de São Paulo e Porto Alegre, 81% foram diagnosticados com algum transtorno mental sem que nunca tivessem recebido nenhum tratamento. Os principais problemas neurobiológicos detectados foram transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, psicose e distúrbios de aprendizagem.

“O que vem acontecendo nas últimas décadas é que a situação está saindo do controle, algo que já imaginávamos que iria acontecer em determinado momento. Problemas de saúde mental são muito graves e podem levar à morte, seja por suicídio, seja por essas situações excepcionais de violência”, comenta Polanczyk. “E, com a pandemia houve uma piora relevante de casos de ansiedade e depressão. Estamos perdendo o controle da situação, embora o problema esteja ganhando visibilidade.”

A preocupação entre os especialistas, portanto, tem aumentado, apesar do número dos centros de atenção psicossocial (Caps) ter aumentado de 342 para 2.836 entre 2002 e 2022, segundo relatório recente do Ministério da Saúde.

Entre as unidades direcionadas para o atendimento de crianças e adolescentes, chamadas de Caps I, os dados apontam aumento de 712 para 1.428 de 2010 a 2022. O serviço absorve um parcela não detalhada pelo ministério da verba direcionada para a rede de atenção psicossocial, que ano passado chegou a R$ 1,2 bilhão. O ministério não se manifestou sobre os números.

Para os especialistas, os números mostram que a questão está sendo observada, mas a política pública aplicada tem gerado poucos resultados efetivos. “Há muitas ações que já estão estabelecidas e que parecem fazer sentido, mas não funcionam de fato. Tem toda uma política pública que envolve os Caps próximos das crianças e agregam vários setores, como educação, serviço social e saúde, mas ainda têm uma infraestrutura muito frágil. As intervenções são ineficazes e a integração com as escolas não existe”, critica Polanczyk.

Ele sugere, como alternativa, projetos de maior integração entre o SUS e as escolas. Uma linha, que na sua visão poderia ser adotada, seria a implementação de um serviço dentro das entidades de ensino.

Há muitas ações que já estão estabelecidas e que parecem fazer sentido, mas não funcionam de fato”
— Guilherme Polanczyk

Uma iniciativa com essa característica foi lançada em São Paulo em 2021 pelo então governador João Doria sob o programa Psicólogos na Educação. A ação oferecia aos alunos de todas as 5.100 escolas da rede estadual a possibilidade de receberem atendimentos psicológicos de maneira presencial e virtual, mas a gestão atual de Tarcísio de Freitas suspendeu o serviço quando o contrato com a empresa Psicologia Viva terminou.

Após o atentado cometido no fim de março por um aluno de 13 anos na escola Thomazia Montoro, na capital paulista, o secretário estadual de Educação, Renato Feder, disponibilizou uma equipe de psicólogos para os alunos apenas do local atacado, enquanto o programa Psicólogos na Educação segue suspenso e à espera de nova licitação, segundo o governo do Estado.

Outra opção levantada pelos especialistas do Valor seria a possibilidade de professores poderem contribuir com os prontuários de alunos que fazem acompanhamento. A ideia seria uma troca de informações entre psicólogos ou psiquiatras e os educadores por meio de um sistema eletrônico.

“Por exemplo, a criança vai no Caps e passará a existir um registro do atendimento de orientações. O professor e a escola poderiam ter acesso a esse registro para receber orientações e contribuir relatando o comportamento da criança na sala de aula”, sugere Polanczyk.

Não temos nem mesmo profissionais suficientes para atender todos os jovens que precisam de tratamento”
— Alexandre Valverde

“Muitas vezes o médico não trata o problema da maneira mais assertiva porque a criança e os pais não contam ou não sabem contar o que está acontecendo. E, dentro da sala de aula, quem sabe é o professor. A articulação pode ter variados graus.”

O psiquiatra Alexandre Valverde concorda que maior integração entre o SUS e as escolas pode ajudar, mas prefere um modelo em que os professores tenham acesso apenas às recomendações do médico e o canal aberto para contribuições, sem ter o acesso completo aos prontuários por questões éticas. Ele também acredita que a implementação de uma disciplina psicossocial ajudaria as crianças a desenvolverem autoconhecimento para mitigar os próprios transtornos.

“Somos educados em um sistema em que os jovens não sabem falar de si e não sabem reconhecer as suas questões afetivas. Precisamos começar a pensar sobre o que estamos ensinando sobre psicoatenção para as nossas crianças. Diante da incapacidade de acompanhar a rotina doméstica de todas elas, sabendo que o ambiente influencia no comportamento violento, acredito que é uma disciplina que deveria estar no currículo escolar. É ensinar algo que será útil para elas aprenderem a viver.”

Para o diretor do serviço de psiquiatria da infância e da adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Enio Roberto de Andrade, os governos deixaram em segundo plano por muito tempo as preocupações com a saúde mental, principalmente a de crianças e adolescentes, e o cenário precisa começar a ser corrigido urgentemente.

“Sempre houve uma falha grave de política pública nessa área, mas o problema ficou mais evidente a partir da década de 2000. Não temos nem mesmo profissionais suficientes para atender todos os jovens que precisam de tratamento. Já há um consenso de que, em geral, os transtornos psiquiátricos começam a surgir desde a infância e da adolescência. Quanto antes detectar o problema, fica mais fácil e mais barato para o sistema de saúde fazer a prevenção”.

Mais recente Próxima Sob temor de novas sanções, governo promete censo prisional

Agora o Valor Econômico está no WhatsApp!

Siga nosso canal e receba as notícias mais importantes do dia!

Mais do Valor Econômico

Cenário leva investidores a repensarem expectativas para o ciclo de cortes de juros nos EUA; declarações de dirigente do Fed impulsionam dólar

Ibovespa opera em leve alta e dólar avança após dados mais fracos de atividade americana

Ele foi recebido pelo presidente do Congresso e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e um dos temas das conversas é o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul

Presidente da França chega ao Senado para visita oficial

Sobre a posição francesa, Lula minimizou: "O Brasil não está negociando com a França, é o Mercosul que está negociando com a União Europeia. É um acordo comercial entre dois blocos comerciais", disse.

Macron diz que é loucura validar acordo Mercosul-UE com base em texto de 20 anos atrás

Contrato utilizará o índice Nasdaq Bitcoin Reference Price (NQBTC) como referência para os negócios

CVM aprova novo contrato de futuro de bitcoin da B3 em reais

Dia foi marcado por um novo recorde de fechamento do índice S&P 500

Bolsa de NY encerra melhor 1º trimestre desde 2029 com alta acumulada de 10,2% no índice S&P 500

Biden está prestes a arrecadar mais de US$ 25 milhões no Radio City Music Hall, com apoio de Barack Obama e Bill Clinton; Trump realizará megaevento em Palm Beach, em 6 de abril, sediado pelo gestor de fundos John Paulson

Biden e Trump apostam em megaproduções para turbinar campanhas à Casa Branca

Estatal e outros papéis de peso também impulsionaram o índice ao longo da semana

Ibovespa sobe com apoio da Petrobras, mas termina março em queda

Postura mais conservadora do Fed e a virada de trimestre e mês, com formação de Ptax, ajudam a explicar o enfraquecimento da divisa brasileira

Dólar avança 0,86% em março e termina o 1º trimestre acima de R$ 5

Ministro do STF no entanto, negou o pedido de liberdade do coronel Jorge Eduardo Naime ex-comandante de Operações da PM do DF, preso por envolvimento nos atos golpistas

Alexandre de Moraes manda soltar três coronéis da PM do DF, acusados de omissão no 8/1