Por Elisa Clavery e Marcelo Parreira, TV Globo e g1 — Brasília


Somente 0,24% de todo o dinheiro reservado pelo Ministério da Educação para infraestrutura de escolas cívico-militares entre 2020 e 2022 foi efetivamente gasto.

Segundo o MEC, foram empenhados -- ou seja, reservados para uso no programa -- R$ 98.388.140,27 ao longo dos últimos três anos. Mas só em 2022 o dinheiro começou a ser efetivamente pago, e apenas R$ 245.841,66 saíram efetivamente dos cofres.

Orçamento - Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares

Ano Valores Empenhados Valores Pagos
2020 R$ 14.999.196,74 R$ 0
2021 R$ 46.483.638,22 R$ 0
2022 R$ 36.905.305,31 R$ 245.841,66

Bandas e fanfarras

Secretarias estaduais atribuíram o baixo uso dos recursos a problemas de interlocução com o governo federal durante a última gestão.

Mesmo estados que aderiram cedo ao programa não conseguiram se beneficiar. Goiás e Pará incluíram escolas no programa desde 2020 e, juntos, ficaram com quase um quarto de todo o orçamento empenhado. Mas o dinheiro não saiu.

Em Goiás, quatro escolas começaram a participar do programa em 2020, outras duas em 2021 e uma última em 2022.

Ao todo, foram empenhados R$ 10,24 milhões para essas escolas, mas somente R$ 219.685,88 foi efetivamente pago. O dinheiro foi usado em "aquisição de material escolar e kits banda (instrumentos e materiais para as bandas e fanfarras escolares)", segundo a secretaria estadual de Educação.

As escolas goianas do programa acabaram migrando para um modelo estadual, realizado em parceria com a Polícia Militar, "uma vez que o modelo de colégio militar do Estado de Goiás é bem avaliado pela população", diz a secretaria.

Em setembro do ano passado, o governo goiano começou o processo de devolução do dinheiro empenhado.

Já no Pará, as seis escolas estaduais que se afiliaram ao programa em 2020 e 2021 tiveram reservados R$ 15,22 milhões. Mas a secretaria paraense informou que os recursos não chegaram a ser repassados para o Estado e, hoje, "estão sendo elaborados os projetos executivos para futuras obras nas unidades".

"A Seduc esclarece ainda que passou por várias tratativas com o Ministério da Educação do governo passado para avançar nos investimentos, mas isso, infelizmente, não foi possível pela ausência de interesse por parte do Governo Federal", diz o órgão local.

'Não há evidências de resultados'

Os dados foram enviados pelo ministério à Câmara dos Deputados e abordados pelo próprio ministro Camilo Santana em audiência pública sobre o tema no último dia 12.

Santana disse que o governo não vai priorizar esse projeto. Ele justificou dizendo que o programa foi criado por decreto e que há baixa adesão de alunos nessas escolas pelo país.

Os recursos empenhados até poderiam ser usados pelo atual governo nas escolas cívico-militares, se for interesse da atual gestão.

"Eu não extingui essas escolas. As 202 escolas criadas continuam. A determinação, a decisão do MEC é no sentido de que não haverá mais [criação], no Brasil, de escolas cívico-militares nesta gestão, do governo do presidente Lula, porque não há evidências de resultados", disse o ministro.

O ministro da Educação Camilo Santana participou de audiência na Câmara sobre a situação das escolas cívico-militares. — Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados

A deputada Julia Zanatta (PL-SC) foi uma das que enviaram questionamentos ao MEC sobre o tema. Ela defende que o governo atual tratou a proposta como uma questão política, não técnica.

A parlamentar avalia com a assessoria legislativa a possibilidade de apresentar um projeto de lei para garantir a manutenção dessas escolas.

"Ficou bem claro na resposta ao meu requerimento de informação que o governo simplesmente acabou com a diretoria das escolas cívico-militares por uma questão de revanchismo político. Como era algo marcado com o nome do Bolsonaro, eles quiseram acabar", afirmou.

"Eles [governo] não avaliaram se as escolas estavam indo bem, deveriam pensar na comunidade escolar, nos pais que querem a manutenção desse modelo e nos estudantes que já estão nesse modelo e tratar isso como uma política pública permanente", diz a deputada.

A parlamentar também nega que tenha havido uma baixa adesão ao modelo e afirma que havia escolas na fila para aderir ao programa.

"Estou sabendo que isso [baixa execução orçamentária] é algo recorrente dentro dos programas do Ministério da Educação. Pensando nisso, vou falar com secretários municipais do meu estado e escolas que estão nesse modelo em Santa Catarina para ver o que acontecia", disse.

'O santo foi descoberto'

Integrante da Comissão de Educação da Câmara e ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) critica o programa e concorda com o ministro que a baixa adesão e a "quase inexistente" execução orçamentária são dois parâmetros que indicam o insucesso do modelo.

"Ficamos estarrecidos [com a informação sobre execução orçamentária], o santo foi descoberto", disse. "Nem no auge do bolsonarismo os estados e municipios aderiram [ao modelo], o que já mostra esse descrédito no projeto. Os educadores que compõem as secretarias estaduais e municipais sabem que esse papel não é do Exército, nem da polícia militar. Eles sabem que é do professor, com formação, do gestor, que tem didática, gestão pedagógica. Além disso, retira o Exército da sua função constitucional e os policiais da segurança pública", diz ele.

Segundo Idilvan, contudo, pelo tempo de funcionamento das escolas cívico-militares, é difícil avaliar seu desempenho.

"Essas escolas são muito recentes, elas foram implementadas e veio a pandemia, não dá nem para ter alguma conclusão sobre isso. Mas essa baixa adesão e a quase inexistente execução orçamentária são dois números muito fortes, dois parâmetros a serem considerados."

Para o deputado, parlamentares da oposição têm se apoiado nos últimos casos de violência nas escolas para defender o programa, mas que esse não deve ser o caminho.

"A gente não pode no calor da emoção, nessa pauta que nos preocupa, que é violência nas escolas, correr para um modelo desse de forma alguma", afirmou. "As escolas que estão em funcionamento, em respeito aos estudantes, precisam continuar e passar por uma avaliação. Mas jamais ampliar esse modelo, somos veementemente contra, mesmo neste momento crítico", disse Idilvan.

Escola Municipal Cívico-Militar Maria José de Miranda Burity, em Cabedelo — Foto: Secretaria de Educação de Cabedelo/Divulgação

Vulnerabilidade social

Autor de um dos requerimentos de convocação do ministro da Educação, Camilo Santana, para tratar do tema na comissão, o deputado Coronel Zucco (Republicanos-RS) entende que o programa estabelece "condições elementares de segurança, em razão da presença de militares que executam o papel de monitores".

"É necessário entender que as escolas cívico-militares atendem às comunidades em situação de vulnerabilidade social e buscam promover a segurança. Lembro também que as famílias apoiam o programa", afirmou durante audiência em que Santana participou no colegiado.

Na ocasião, o parlamentar do Republicanos defendeu que o Executivo deve "proporcionar a opção" para as escolas que desejam se adequar ao modelo cívico-militar.

Na audiência, o deputado Zucco mencionou estudo divulgado pelo MEC em dezembro mostrando os primeiros resultados do programa. O artigo, escrito pelos cinco pesquisadores responsáveis, foi feito com base em dados do Censo Escolar e entrevistas com pais, professores, alunos, servidores e diretores dos colégios.

O relatório, intitulado "Os Primeiros Resultados das Escolas Participantes do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares", mostra que em as percepções de redução da violência física, verbal e contra o patrimônio ficaram acima de 90%, percentual semelhante ao dos estabelecimentos em que houve um "aumento no nível de satisfação dos alunos com a escola."

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'Não houve boa vontade'

Coordenador do programa de Mestrado em Gestão Pública da Universidade de Brasília (UnB), o professor Celso Vila Nova foi um dos responsáveis pela pesquisa.

Vila Nova ressalta que professores ouvidos relataram alunos mais calmos e disciplinados e diretores comemoraram a ajuda durante o período pandêmico. Mesmo uma maior limpeza da escola era atribuída à presença dos militares.

Já indicadores que dependiam de recursos para infraestrutura física tiveram resultados piores. Um terço das escolas não tinham sala para os militares trabalharem, 62% não possuíam sala para atendimento psicopedagógico e 80% não possuíam laboratórios de ciências e informática para atender todos os alunos.

"O objetivo principal, geral do programa seria ter escolas de excelência. Para alcançar isso, você precisa de infraestrutura. Eu fui em escolas que os militares tinham um canto em que eles colocavam as coisas, meio jogados, não tinha um local adequado para dar uma estrutura de trabalho pra eles", relata ele.

O pesquisador conta que em umas das escolas que visitou, uma área inteira estava isolada por risco de desabamento, mas o recurso para os ajustes não chegou ao destino final.

"O programa previa algumas melhorias na infraestrutura para poder conseguir atingir os objetivos que estavam previstos nas iniciativas estratégicas. Até onde eu sei, alguns estados receberam a verba, mas a verba ficou na secretaria de educação e não houve uma boa vontade para fazer o atendimento das demandas destas escolas", diz Vila Nova.

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