Sob pressão, Feder acumula recuos na Educação de SP e tem métodos questionados

Ambicioso, secretário de Tarcísio irrita professores, tem investigações abertas mas mantém-se firme no cargo

Por Bianca Gomes e Guilherme Caetano — São Paulo


Renato Feder comanda a Secretaria de Educação de Tarcísio de Freitas Facebook/ Reprodução

O empresário Renato Feder foi convidado para assumir a Secretaria de Educação de São Paulo em novembro de 2022 após ter impressionado Tarcísio de Freitas pela sua atuação à frente da pasta análoga no governo do Paraná. No entanto, ao tentar aplicar seus métodos no ensino paulista, vem enfrentando mais reveses do que conquistas e vê polêmicas se acumularem e investigações abertas.

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Nos oito meses de gestão Tarcísio de Freitas, Feder chama a atenção em meio a um secretariado discreto. Anúncios feitos sem consultar a rede de ensino e medidas controversas resultaram em desgastes para o governo. A crise provocou recuos em série nos últimos dias.

Após o governo paulista decidir usar material 100% digital nas salas de aula, abandonar o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e comprar livros digitais sem licitação, Tarcísio foi alvo de críticas, e Feder teve de recuar de todas as medidas. Tudo isso enquanto ele está na mira do Ministério Público em duas frentes: por possível conflito de interesse em contratos do estado com a empresa da qual é sócio; e pela decisão de não aderir ao PNLD.

Feder é acionista da Dragon Gem LLC, uma offshore dona de 28,16% das ações da Multilaser. A empresa de tecnologia tem contratos firmados com a gestão estadual. Um deles foi assinado em dezembro de 2022 com a própria secretaria que Feder assumiria dias depois, quando ele já havia sido anunciado como próximo chefe da pasta. O valor total chega a R$ 200 milhões.

Há pelo menos outros três contratos feitos com outras pastas, como revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo: Instituto de Assistência Médica do Servidor Público Estadual (Iamspe), Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos e a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). Juntos somam R$ 243 mil.

Procurado, o governo de São Paulo não respondeu sobre o assunto. A Secretaria de Educação, por sua vez, afirmou que constrói as políticas públicas em conjunto com educadores, especialistas e sociedade civil, e que a decisão de permanecer no PNLD se deu a partir desse diálogo. Em relação à empresa ligada a Feder, afirmou:

"A licitação da Seduc-SP com a Multilaser ocorreu em maio de 2022 com contratos firmados no mesmo ano, ou seja, antes do secretário Renato Feder assumir a pasta em 1⁰ de janeiro de 2023. A pasta não fechou nenhum outro contrato com a empresa neste ano, que realizou as últimas entregas previstas na semana passada, dentro da data limite negociada de 31 de agosto.

Fernando Marcato, professor de direito na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, diz que a lei permite haver contrato entre parentes de pessoas em postos de comando e a própria gestão pública, "desde que essa pessoa não tenha influência ou seja responsável por ordenar a despesa e controlar o contrato".

— Outro ponto relevante é qual o tipo de gestão que o secretário tem nessa empresa. Se não tiver nenhum poder de gestão, ser um mero acionista, a princípio você pode entender que não há um conflito de interesse. Mas cada caso precisa ser avaliado, por isso o Ministério Público está investigando — diz Marcato.

Apesar dos desgastes, o secretário segue no cargo. Especialistas em educação e professores citam como iniciativas positivas da gestão Feder a promoção de concurso para contratação de 15 mil professores efetivos com salário inicial para jornada de 40h de R$ 5 mil (depois de nove anos sem vagas abertas), a reformulação dos itinerários formativos do Novo Ensino Médio e o Provão Paulista. A nova avaliação, que poderá ser usada como entrada direta para mais de 10 mil vagas nas universidades públicas de São Paulo, será aplicada em novembro.

Tarcísio não sinaliza mudanças na pasta e defende o secretário em relação aos contratos da Multilaser com o poder público, dizendo que foram feitos "dentro das regras do jogo". Mesmo assim, proibiu novas contratações pela empresa.

Em reuniões que faz com especialistas da área, o ex-CEO da Multilaser tem revelado a meta de levar a educação do estado para o ranking das dez melhores do mundo no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) num período de oito anos — missão quase impossível, dizem estudiosos. O Brasil tem hoje um dos piores níveis de aprendizado do mundo, segundo a organização.

Feder teve êxito como CEO da Multilaser, uma das maiores empresas nacionais de eletrônicos, e trata a educação como uma "vocação". A guinada de carreira aconteceu em meados de 2017, quando pediu para trabalhar na secretaria de Educação de São Paulo, sendo nomeado já naquele ano assessor técnico de gabinete da pasta.

No início de 2018, ele deu pontapé numa saga para comandar uma secretaria estadual de Educação, colocando o próprio nome à disposição do então candidato ao governo do Paraná, Ratinho Junior, que se elegeu e nomeou o empresário. A melhora nos indicadores do estado foi um atrativo para Feder ser convidado por Tarcísio. Em especial, o salto no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Em 2017, o estado estava em 7º lugar, e em 2021, passou para 1º. Especialistas, porém, questionam o resultado, já que a prova para avaliar a aprendizagem foi aplicada aos alunos durante a pandemia, tendo os estados amostras díspares que não poderiam ser comparadas entre si.

Pessoas do convívio de Feder o classificam como uma pessoa ambiciosa e que mira uma carreira política promissora, como comandar um ministério e, quem sabe um dia, até a Presidência da República. Tido como vaidoso e extremamente autoconfiante, ele demonstra apreço por metas e resultados, e tem causado certo desconforto na rede pela implementação de medidas de maior controle da rotina escolar — a maior parte com o uso de tecnologia, como aplicativos.

O secretário justifica as medidas tomadas pela afirmação de que "as pessoas não fazem o que a liderança fala, fazem o que a liderança vê", segundo relatos ouvidos pelo GLOBO.

Tarefas polêmicas

Uma das ações mais criticadas foi a que determinou que diretores de escolas assistissem aulas e produzissem um relatório semanal sobre os professores.

— Os professores estão repudiando veementemente, é uma agressão à liberdade de ensinar. A principal reclamação da rede sobre essa gestão é a vigilância e o controle. E o secretário parece achar que tudo se resolve com aplicativo e tecnologia. Não fala de formação de professores, de investir na educação — afirma o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP), professor e diretor de escola pública.

No começo do mês, professores denunciaram a instalação do aplicativo "Minha Escola" em seus celulares particulares sem consentimento. Em 9 de agosto, a secretaria de Feder informou que instaurou um processo administrativo para apurar o caso e disse que a "falha ocorreu durante um teste promovido pela área técnica da pasta".

"As instalações ocorreram apenas em dispositivos vinculados a contas institucionais, que destinadas ao uso pedagógico e profissional, sendo gerenciadas pelo departamento técnico, e utilizadas apenas pela pasta, sem qualquer informação pessoal sendo incluída", diz a nota.

Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho do Cenpec, também cita a sensação de controle por parte da secretaria e diz que Feder precisa estabelecer algum diálogo com a rede.

— Envolver os professores nas decisões e conversas é muito importante. Quando as decisões vêm de cima para baixo, sem envolvimento dos professores, gera uma sensação de que não é para melhoria do aprendizado dos alunos ou da atividade docente, mas para controlar o docente, no sentido de um autoritarismo. Hoje, o professor não se sente acolhido e respeitado — diz ela.

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