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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sob Bolsonaro, MEC vira mina de ouro a pastor e fonte de ataque a professor

Carolina Antunes/PR
Imagem: Carolina Antunes/PR

Colunista do UOL

23/03/2022 16h54

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O áudio em que Milton Ribeiro afirma priorizar a liberação de recursos a amigos de pastores evangélicos a pedido de Jair Bolsonaro só não choca mais porque o presidente nos preparou desde o início de seu governo para este momento, transformando o Ministério da Educação em parquinho de diversões de radical de extrema direita.

Milton Ribeiro assumiu o ministério do lugar de Carlos Decotelli, que substituiu Abraham Weintraub, que substituiu Ricardo Vélez Rodríguez, cada um deles degradando um pouco a imagem e a atuação daquela que deveria ser a pasta mais importante de um governo preocupado com seu futuro. Com isso, Jair rebatizou o absurdo. Hoje se chama "cotidiano".

Além de se tornar caixa eletrônico de religiosos e políticos bolsonaristas, que o usam para conseguir um cascalho, em reais e até ouro, o ministério se abandonou as reais prioridades da educação e se transformou em instrumento da guerra cultural travada pela extrema direita ultraconservadora, que vê marxistas até em suas tigelas de sucrilhos.

Milton Ribeiro afirmou que a homossexualidade não é normal, mas fruto de "famílias desajustadas", em setembro de 2020. E que crianças com deficiência "atrapalham" o aprendizado das demais, dizendo que "é impossível a convivência" com algumas delas nas escolas, em declaração de agosto de 2021. Sem contar que ajudou a tornar o Enem um campo de batalha da guerra cultural do presidente em detrimento da tranquilidade dos estudantes.

Abraham Weintraub estava sendo investigado por ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal quando fugiu do Brasil para os Estados Unidos com a ajuda do governo. A capivara de seu mandato é longa, incluindo racismo contra chineses, preconceito contra indígenas, ataques à autonomia das universidades públicas, perseguição a professores e estudantes com cortes no orçamento, desprezo pela língua portuguesa, apoio a grupos que atentam contra a democracia, estrangulamento da pesquisa por falta de recursos.

Carlos Alberto Decotelli nem esquentou a cadeira, tendo se demitido por livre e espontânea pressão após o país descobrir que o novo ministro da Educação mentiu sobre ter um doutorado e um pós-doutorado - sem contar as acusações de plágio no mestrado. Cometeu fraude, em suma. E insistiu nela.

Ricardo Vélez Rodríguez, tendo subido ao cargo com o endosso de Olavo de Carvalho, chegou a anunciar que mudaria os livros escolares para que afirmassem que não houve golpe em 1964, muito menos ditadura militar, ao agrado do chefe. Depois enviou mensagem a todas as escolas públicas e privadas do país pedindo que fosse lida uma carta com forte viés de autopropaganda do governo, com o slogan de campanha de Bolsonaro. Depois, solicitou vídeos das crianças escutando isso, sem autorização dos pais.

Sim esqueçam os problemas administrativos e gerenciais, o sucateamento e a falta de apoio para a formação dos profissionais, os salários baixos e atrasados, os planos de carreira risíveis, a ausência de infraestrutura, de material didático, de merenda decente, de internet, de segurança para se trabalhar. Esqueçam os projetos impostos de cima para baixo que fecham escolas e desfazem comunidades escolares. Esqueçam o gás lacrimogênio e as balas de borracha contra professores e estudantes que protestam. Esqueçam o atraso em crianças pobres causado pela pandemia que será perpetuado pela falta de planos de recuperação decentes por parte do poder público.

O grande problema da educação do atual governo tem sido caçar a ameaça inexistente do comunismo.

Até porque, convenhamos, é mais fácil transformar o MEC em caixa eletrônico visando ao fortalecimento de bases para a própria reeleição do que enfrentar problemas reais, como a falta de internet, de lousa, de esgoto, de água potável, de papel higiênico nas escolas. Erguer soluções práticas vão de encontro aos objetivos deste governo, que é focado da desconstrução do que conquistamos desde a Constituição de 1988.

O caso dos pastores amigos de Bolsonaro mostra que o ministro faz apenas a vontade do chefe. Demiti-lo e festejar o "combate à corrupção", mantendo o presidente onde está é hipocrisia da grossa.

Engana-se quem pensa que o "Ministério da Verdade", tal como apresentado no romance "1984", de George Orwell, com a função de ressignificar os registros históricos e qualquer notícia que seja contrária ao próprio governo, fica no Ministério da Educação.

Tanto essa corrupção quanto a castração da liberdade de ensino e a mudança no sentido da educação pública é ordem do Palácio do Planalto. E continuará sendo assim.

Resta saber se vivemos em uma sociedade que acha que Justiça será feita se apenas o boneco cair, enquanto o ventríloquo se safa, protegido pela Câmara dos Deputados e a Procuradoria-Geral da República.