Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Sob Bolsonaro, MEC é comandado pelo Sr. Nada
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Ganha uma passagem de ida para o Afeganistão quem for capaz de recitar de bate-pronto o nome do ministro da Educação. Recebe um bilhete de volta quem conseguir informar qual é o projeto do governo Bolsonaro para o setor. O ministro se chama Milton Ribeiro. O projeto não existe. Tem-se a incômoda sensação de que o Nada despacha no principal gabinete do MEC. Aparece de raro em raro. Quando surge não consegue dizer meia dúzia de palavras sem tropeçar numa barbaridade.
No seu penúltimo atentado verbal, o Nada criticou um avanço civilizatório: as aulas ministradas no mesmo ambiente escolar para crianças com e sem deficiência. Chamou a prática de "inclusivismo". Declarou que os alunos com deficiência "atrapalham" o ensino dos demais estudantes, pois falta aos professores "equipe" e "conhecimento".
O problema não está nas crianças, mas nos adultos que ainda não se deram conta de que todos têm o direito de estudar em ambientes nos quais a diversidade e a inclusão componham o cenário como parte do aprendizado. Há no MEC problemas de dois tipos. Os problemas do governo e os problemas da sociedade. O Brasil convive com o quarto ministro da Educação da Era Bolsonaro. E esses dois mundos ainda não se tocaram.
No mundo real, há um Brasil por fazer. Esse país clama por qualificação e produtividade. Coisas que não serão obtidas senão com uma educação de excelência. Mas o governo está preocupado com tolices e fantasmas ideológicos.
Numa entrevista que concedeu ao Estadão, poucos dias depois de tomar posse, Milton Ribeiro disse concordar com a tese segundo a qual a pandemia escancarou as desigualdades educacionais. Mas achava que não tinha nada a ver a questão. "Esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil. (...) Vai fazer o quê? (...) Não foi um problema criado por nós."
O Senhor Nada também concordava que a má distribuição da internet é uma dificuldade. Mas avaliava que a encrenca não lhe dizia respeito. "Esses são problemas sociais, que eu não tenho como responder. Vão afetar a escola, mas isso aí já é para um outro departamento, de assistência. Não tenho como resolver isso."
Entrando-se nos temas que o ministro avaliou que lhe dizem respeito, descobriu-se que ele desejava valorizar os professores. Mas não esclarecia de que cartola retiraria o dinheiro. Estava atento à base nacional comum curricular, que precisa ser atualizada até 2023. Mas os pontos que o inquietavam eram: a ideologia, um vídeo que dizia ter visto no YouTube exibindo meninas aprendendo a colocar camisinha com a boca e a "homossexualidade", que ele respeita mas não considera normal —é coisa de "família desajustada".
De resto, o ministro mandara revisar os livros didáticos. Não achava justo que a ditadura militar fosse retratada pela historiografia como ditadura. A entrevista do Nada provocou tédio e espanto. Entediou porque repetiu, em timbre menos estridente, o lero-lero de antecessores. Assustou porque imaginou-se que já estivesse entendido que essa conversa de guerra ideológica não resolve os problemas da Educação.
No mundo real, há um país por fazer. Esse Brasil clama por qualificação e produtividade. Coisas que não serão obtidas senão com uma educação de excelência. Mas o governo está preocupado com seus fantasmas ideológicos, com a camisinha, com a orientação sexual dos alunos e com a maquiagem da história.
O cenário se ajusta à célebre metáfora de Hegel, sobre a "Coruja de Minerva que só voa quando o crepúsculo chega", significando que só podemos entender o tempo em que vivemos quando ele já tiver se esgotado. Quando o país se der conta desastre gerencial a que Bolsonaro submete a Educação será tarde demais.
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