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Antônio Gois, colunista Foto:  

Só educação não basta

Estudo sugere que padrões de casamento ou características do mercado do trabalho explicam mais a desigualdade

Um estudo publicado na semana passada nos EUA desafia o senso comum de que uma educação de qualidade seria o principal fator de mobilidade social. O pesquisador Jesse Rothstein (Universidade da Califórnia, Berkeley) analisou dados de pesquisas longitudinais (que acompanham os mesmos indivíduos ao longo do tempo) para tentar identificar as características mais relacionadas às chances de mobilidade entre gerações, como a probabilidade de um indivíduo conseguir no futuro uma renda superior à de seus pais. O trabalho deu sequência a um estudo do economista Raj Chetty (Universidade Stanford), que identificou em 2014 que o local de moradia de uma criança era um forte determinante de suas chances de ascensão social.

Rothstein, a partir dessa constatação, decidiu investigar o quanto a qualidade da escola (medida pelo desempenho de alunos em testes) ou taxas de conclusão no ensino superior contribuíam para a chance de um indivíduo ascender socialmente. O estudo surpreende por concluir que essas duas variáveis explicam menos de um quarto da diferença observada na renda dos indivíduos. Fatores como padrões de casamento (como a chance de ter como cônjuge alguém de maior renda ou de ter casado muito cedo) ou dinâmicas locais do mercado de trabalho (como a oferta de empregos com melhores salários) influenciariam, pelas conclusões do estudo, muito mais a mobilidade social.

Há, como sempre, limitações a serem consideradas. Uma delas é que são necessárias mais pesquisas para entender melhor o impacto dessas variáveis na mobilidade social. A medida principal para avaliar a qualidade do ensino (testes de aprendizagem) capta também apenas uma dimensão dos resultados de uma escola.

É preciso considerar ainda que o trabalho trata da realidade dos Estados Unidos. Num país ainda mais desigual e com um sistema de educação de pior qualidade, caso do Brasil, o peso da educação pode ser menor ou maior do que o encontrado no estudo norte-americano. Sabemos, por exemplo, que a distância nos rendimentos de quem tem nível superior no Brasil em relação aos demais trabalhadores é uma das maiores do mundo, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E isso nada tem a ver com a qualidade de nossas graduações, mas sim com o fato de ainda serem poucos os brasileiros com diploma universitário.

O estudo, porém, contribui para um debate que não se restringe ao contexto dos Estados Unidos: a ênfase demasiada no papel das escolas como causa ou solução de problemas mais amplos joga sobre elas uma responsabilidade muito maior do que seria razoável. O autor alerta que os resultados de sua pesquisa não permitem concluir que dar uma educação de qualidade para todas as crianças seja desimportante. Até porque a pesquisa trata apenas do aspecto econômico, avaliado pelo retorno salarial no longo prazo. Seu ponto principal é que estamos prestando menos atenção a outras variáveis que, no caso da desigualdade, parecem ter mais peso do que a escola.

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