Por Caíque Rodrigues, g1 RR — Boa Vista


Vinicius relata a luta de ser um homem trans em Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

"Para mim, ser trans é ser livre para existir. É ser quem eu sou", afirma o jovem estudante de geografia Vinicius Almeida, de 26 anos. Vinicius é um rapaz transexual e, nesse sábado (29), dia em que é celebrado a Visibilidade Transexual, relata o sofrimento, as conquistas e as lutas enfrentadas pela população trans em Roraima.

Vinicius começou o processo de transição quando estava com 20 anos. Mas, apenas com 25 conseguiu retificar os documentos pessoais e começou a usar o nome social que corresponde ao gênero se identifica.

"Pessoas trans, não desistam. Apesar de ser difícil, é libertador. Eu sou muito feliz por ter a minha certidão com meu nome e apesar da dificuldade, é uma sensação de alívio e gratidão. Ser trans em Roraima é uma batalha, então tu tem que estar preparado sempre pra brigar. Não desista porque, apesar da dificuldade, vale a pena".

Para Vinicius, a dificuldade da população trans em viver em Roraima se dá pelo acesso à saúde, educação e também a oportunidade no mercado de trabalho. Ele também cita que o alto grau de conservadorismo dos moradores do estado ainda intimida a população trans.

"A vivência aqui em Roraima é complicada porque a grande maioria das pessoas são conservadoras. Com isso, a gente enfrenta muita dificuldade tanto no acesso a saúde, no acesso a própria educação, ao emprego. Mesmo com a certidão trocada ainda tenho muitos problemas em relação, principalmente, ao respeito em ambientes que são mais frequentados por pessoas héteros cis", pontua.

Para ele, ter conseguido fazer a retificação do nome social teve um pouco de "sorte", tendo em vista a grande burocracia que envolve o processo. Ele avalia que outros transexuais "muitas vezes não têm acesso esse direito", mas incentiva que as pessoas o façam.

"Eu tive sorte de conhecer um advogado que trabalhava com esse tipo de processo no escritório dele. Esse serviço foi bem demorado, tem apenas um ano que eu consegui depois de um ano de processo".

"Quando você não tem a certidão retificada fica muito mais difícil, porque aí você tem que pedir para ser chamado pelo nome social. E, geralmente, isso não acontece. Tenho os documentos trocados e eu ainda passo pela situação de as pessoas olharem meu documento e perguntarem 'é você mesmo?' e isso sempre é um problema", afirma Vinicius.

Vinicius conta que mesmo após o processo de um ano para conseguir o direito de ser chamado pelo seu nome, ainda passa por situações constrangedoras de erros com seus pronomes e com pessoas se referindo a ele no feminino.

Essa questão de errar o pronome, inclusive, gerou debate com a participação da cantora e atriz Linn da Quebrada no Big Brother Brasil 22 depois que outros participantes do reality show usaram pronomes masculinos para se referir a ela -- uma falta de respeito e violência à individualidade, avaliam especialistas.

"Pra mim ser trans é ser livre", diz Vinicius — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

O estudante destaca ainda que outra dificuldade para os homens trans estão no acesso a medicamentos necessários para transição hormonal. São tratamentos disponíveis pelo Serviço Único de Saúde (SUS), mas que nem sempre as pessoas têm acesso.

"O acompanhamento pelo SUS para a terapia hormonal é muito difícil. São raríssimos os meninos que conseguem e a maioria deles desiste de tentar ter acesso a esse tipo de tratamento porque na farmácia não tem para comprar e para trazer para Boa Vista é muito caro".

Mercado de trabalho

Vinícius conta que chegou a ter oportunidades de emprego recusadas apenas por ser um homem trans. Ele cita também que muitas pessoas trans aceitam passar por situações vexatórias em trabalhos apenas por precisar se manter.

"Com emprego, as oportunidades para pessoas trans são raras. Quando surge, às vezes, somos desrespeitados. Já aconteceu de eu recusar vagas de emprego em lugares porque eles não queriam me chamar pelo nome social e aí eu não fiquei no emprego, mesmo precisando, mas eu não aceitei ser desrespeitado. Mas, conheço colegas que ficam no no trabalho porque precisam".

Mesmo com as dificuldades, Vinicius acredita que as batalhas valem a pena, afinal, ser tratado pela identidade de gênero e pelo nome é algo "libertador e gratificante".

Vinicius é vice-coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT), que divulga suas ações por meio do Instagram.

Visibilidade trans é comemorada pela oitava vez em Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Luta de pessoas transexuais

Pelo 13º ano, o Brasil continuou sendo o país onde mais se pessoas trans, seguido pelo México e os Estados Unidos, de acordo com a ONG Transgender Europe (TGEU, na sigla em inglês), que reportou 375 assassinatos em todo o mundo no ano passado.

O relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado nesta sexta-feira (28), mostrou que Roraima ocupa a 26ª colocação entre os estados que mais matam a população transexual no país, com 2 assassinatos desde 2020. Os dados colhidos durante em 2021.

Este ano, no dia 17 de janeiro, uma jovem transexual identificada como Pérola Almeida, de 22 anos, foi assassinada a facadas e um morador de rua, de 44 anos, foi preso suspeito pelo crime.

O dossiê da Antra aponta que, em 2021, 140 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, sendo 135 travestis e mulheres transexuais, e cinco homens trans e pessoas transmasculinas.

A pesquisa realizada pela Antra é feita a partir de relatos obtidos junto a órgãos de segurança pública, organizações ligadas aos direitos humanos e à população LGBTQIA+, reportagens e redes sociais: não há dados oficiais sobre a população trans no país.

Dia da visibilidade trans em Roraima

Para Rebecka Marinho, presidente da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado de Roraima (ATERR), a importância do Dia da Visibilidade Trans em Roraima se dá pela cobrança por políticas públicas para a população.

"A importância das ações, além de cobrar do poder público políticas públicas para a nossa população, é também de nos aproximar da comunidade, da sociedade e também da nossa população de travestis e transexuais em geral".

ATERR promove eventos no dia da visibilidade trans em Roraima — Foto: Reprodução/Instagram/ATERR

Essa é a oitava vez que a data é comemorada em Roraima -- no Brasil, acontece desde 2004 -- e para Rebecka os eventos organizados para a data ajudam a fortalecer a comunidade como um todo.

"A ideia sempre foi de dar visibilidade, empoderar e de conscientizar a sociedade, alertar as pessoas de que todos nós somos iguais, independentemente de cor, raça, gênero, etnia. Nós precisamos respeitar o ser humano dentro dos princípios legais, do princípio também do amor, no princípio da cultura, e na paz dando oportunidade de emprego e de estudo para toda a população trans".

Neste sábado (28), a Associação promove uma confraternização para celebrar as lutas e as conquistas da comunidade em Roraima com atrações artísticas de pessoas trans do estado. O evento ocorre no bairro Operário, zona Oeste de Boa Vista, com início às 20h.

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