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Por Julio Cesar Lyra — Rio de Janeiro

Alvo de insultos racistas, homofóbicos e xenófobos por alunos de uma unidade da rede de ensino Elite no Bairro Vila Valqueire, Zona Oeste do Rio, o professor de Língua Portuguesa Arnaldo César, de 26 anos, diz que a ocorrência trata do reflexo da estrutura histórica do país, que ele descreve como um “estado escravocrata”. Para Arnaldo, que é mineiro e se mudou para o Rio há pouco mais de duas semanas, dias antes da gravação do vídeo em que é chamado de “preto, viado, do interior”, há uma naturalização das práticas discriminatórias.

— Ao colocar verbalmente como demérito o fato de eu ser uma pessoa preta, ela está dizendo, ao mesmo tempo, qual o local que ela esperava que corpos como o meu estivessem. Não em um local de autoridade, de professor, mas talvez de servidão. Então o que me faz desqualificado para o trabalho não é uma formação inadequada, por exemplo. É ser preto, bissexual e mineiro? Qual o lugar que se espera? — questiona Arnaldo.

O conteúdo, ao qual O GLOBO teve acesso, mostra estudantes do Ensino Fundamental da rede de ensino Elite atacando, em vídeo, pelo menos dois professores da unidade Vila Valqueire. Os alunos, que têm em torno de 14 anos, divulgaram as gravações no último dia 19 de maio. Nelas, é possível assistir a uma série de ofensas com xingamentos contra os profissionais. “Safada” e “preto viado” são alguns dos insultos proferidos por uma das adolescentes que aparecem no vídeo. A Polícia Civil apura a ocorrência por crime de injúria por preconceito.

Alunos de escola do Rio publicam vídeo com ofensas racistas, xenófobas e s sexistas

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As imagens circularam entre alunos da unidade onde foram gravadas e, também, de outras unidades da rede, no decorrer da última semana. No registro, um adolescente aparece uniformizado, como “entrevistador” em um tipo de enquete. Ele pergunta a uma menina o que ela acha da demissão de uma professora de português. “Acho ótimo, porque ela é uma piranha, vadia, safada, que descontava os problemas pessoais nos alunos”, responde.

Em seguida, começam os insultos racistas, homofóbicos e xenófobos: a mesma estudante comenta que, no entanto, “não gostou” da admissão de um novo professor, já que, nas palavras da adolescente, ele é “preto e viado”. Depois, a menina debocha e diz “poxa vida… é do interior de Minas”. A substituição, segundo ela, não foi boa, porque a professora demitida era “ruiva e gostosa” e “veio um preto, mineiro e viado”.

Arnaldo foi contratado recentemente para lecionar Língua Portuguesa na rede de ensino. Em seu terceiro dia de trabalho, foi surpreendido pela exibição das imagens, apresentadas a ele pela própria gestora da escola, que o acompanhou no registro da ocorrência, efetuado na 28ª DP (Campinho). Em nota, a polícia afirmou que todos os envolvidos vão prestar depoimento, e disse que “outras diligências serão realizadas”.

— Sou do interior de Minas, de uma cidade chamada Perdões. Estava morando em Belo Horizonte. Morei um ano e dava aula lá. Vim para o Rio porque passei em um processo seletivo para professor. Me mudei na terça-feira, dia 16, e comecei a dar aulas no dia 18. Essa primeira aula foi na unidade da Vila Valqueire, nessa turma na qual depois fui discriminado e injuriado — conta.

Logo que chegou à instituição, na quinta-feira, dia 18 de maio, Arnaldo relata não ter percebido nenhum tipo de ação ou movimentação discriminatória na sala de aula. Ele fez o que havia planejado: se apresentou, deixou que os alunos se apresentassem, contou sua história, de onde vinha e qual era a sua formação acadêmica.

A estudante que o insulta no vídeo não fez nada diferente, no primeiro momento. O vídeo foi gravado entre a quinta-feira e a sexta-feira, dia 19, quando a coordenação da escola tomou conhecimento do compartilhamento das imagens. Arnaldo foi avisado dias depois, na terça-feira, dia 23 de maio.

— Para ser sincero, não lembrava nem da fisionomia dessa aluna. A sala é grande, tive muitos alunos naquele dia e não lembrava da fisionomia dela. Por isso, talvez não tenha percebido nenhum tipo de movimento que pudesse ser discriminatório — explica.

O professor pretende, agora, dar seguimento ao processo judicial, e diz considerar importante que casos semelhantes não sejam considerados normais. Além disso, cobra das instituições de ensino a aplicação efetiva da Lei 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no Brasil, segundo ele, para “além do dia 20 de novembro”.

— Esse movimento da aluna é racista, criminoso. A via legal é importante. Também é importante a possibilidade da construção de currículos escolares que debatam questões raciais, não só no dia 20 de novembro, mas que construam um currículo todo ano, em todas as matérias, com a discussão de raça — destaca.

A sensação que fica, segundo o professor, é de desvalorização:

— O sentimento que tenho me coloca num espaço de incômodo, mas não de surpresa. Ser uma pessoa preta e bissexual no Brasil é estar convivendo com violências diariamente. O que me surpreendeu, na verdade, foi o fato de ter vindo tão rápido e a partir de apenas uma aula. Sou um professor qualificado e não sou visto nas minhas qualidades. Sou graduado, sou mestre e mesmo assim não é suficiente para que me vejam preparado para estar atuando onde estou. Mas continuarei atuando — afirma Arnaldo.

Procurado, o Elite Rede de Ensino afirmou que a postura dos estudantes envolvidos na gravação e divulgação das imagens “fere os valores” da instituição e “não podem ser aceitas em hipótese alguma”. A escola também ressalta que os pais foram convocados e o Conselho Tutelar foi acionado. Além disso, a estudante sofreu “transferência compulsória” para outra instituição.

O Elite também diz que tem realizado “ações de conscientização” e “acompanhamento psicológico” com a turma. Veja a nota na íntegra:

“No Elite repudiamos qualquer tipo de atitude discriminatória que implique em constrangimento, discriminação ou desrespeito a quaisquer membros da comunidade escolar. Posturas como essas ferem os valores do Elite e não podem ser aceitas em hipótese alguma.

Ao tomar ciência da postura da estudante, a direção da escola prontamente tomou todas as medidas cabíveis, convocando os pais, suspendendo os alunos envolvidos e acionando o Conselho Tutelar.

O caso foi relatado no canal de Compliance da Rede e a Delegacia local também foi acionada pela direção da unidade e um boletim de ocorrência foi realizado. Seguiremos à disposição das autoridades para a devida apuração dos fatos e para o devido cumprimento da lei.

Estamos prestando todo apoio e atendimento ao professor e estamos realizando ações de conscientização junto à turma e ao setor psicossocial. Todos os alunos envolvidos estão recebendo acompanhamento psicológico.

Reforçamos nosso compromisso em coibir qualquer tipo de prática que contradiga nossos princípios e valores, inclusive mantendo aberto o canal confidencial para a denúncia e apuração de casos sensíveis: contatoseguro.com.br/elite.

Seguimos à disposição dos nossos colaboradores, familiares e alunos para atendê-los na unidade”.

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