publicado dia 25/09/2023

Seminário aborda currículo, gestão e território na Educação Integral

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🗒️ Resumo: A terceira mesa do Seminário Educação Integral em Debate, que começou nesta segunda-feira (25/09), discutiu currículo, gestão e território, com a participação de Maria Lúcia Valério Silva, Gina Vieira, Juciê Parreira, Bia Goulart e mediação de Tereza Perez. Mais cedo, especialistas e educadoras conversaram sobre a relação entre Educação e projeto de país e a importância do tempo integral para as infâncias.

As decisões tomadas em torno do currículo, gestão e território, e por quem elas são feitas, são determinantes para a construção de uma Educação de qualidade, com sentido para todas, todos e todes, e que promova o desenvolvimento integral. Este foi o tema da terceira mesa do Seminário Educação Integral em Debate, que aconteceu nesta segunda-feira (25/09). 

Com transmissão ao vivo pelo Canal Futura, o evento segue até o final do dia com a participação de uma série de especialistas e educadoras. Confira a programação completa e a cobertura de todas as mesas.

Assista ao evento na íntegra:

A centralidade do território 

Na EE Indígena Tenente Antonio João, em Cucuí, São Gabriel da Cachoeira (AM), o trabalho pedagógico é construído a partir de cada território e cultura e a muitas mãos. Isso porque a escola é dividida em uma unidade central e 11 salas anexas, geograficamente distantes umas das outras e da matriz. 

Esta é uma forma de atender ao direito de que as comunidades indígenas do território tenham unidades próximas e possam construir um fazer pedagógico a partir da sua cultura e contexto, com as professoras, estudantes, famílias e comunidade. 

Há, contudo, uma série de desafios. Nas salas anexas faltam materiais, climatização, merenda, professores e transporte escolar. “São coisas que eu, como gestora escolar, não consigo solucionar sozinha. Não conseguimos oferecer a Educação que a gente tanto sonha, diferenciada e de qualidade”, disse Maria Lúcia Valério Silva, professora licenciada em Matemática e Química pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e especializada em Gestão Escolar pela mesma instituição.

Apesar dos entraves, a comunidade escolar e local não poupa esforços para promover uma Educação de qualidade e contextualizada. Em parceria com todos os profissionais da escola, não apenas professores, as famílias, os sábios, xamãs e anciãos de cada comunidade, a escola desenvolve uma série de projetos. 

“Os estudantes vão para o território, para as florestas, buscar nossas plantas nativas e aprender com os saberes dos nossos ancestrais”, contou Maria Lúcia

Há, por exemplo, o “Bem-viver indígena”, em que há construção de material didático para leitura e escrita na língua Yëgatu e portuguesa, trabalhado com turmas de 1º, 3º e 4º ano do Ensino Fundamental.

No projeto “Tempo de pesca”, estudantes de 2º e 5º ano aprendem sobre quando pescar cada espécie de peixe da região, seu valor nutricional e como promover uma pesca sustentável, com técnicas tradicionais, e não predatória.

Nas ações do “Yane Kupixa”, projeto de cultivo da roça tradicional, estudantes do 6º ao 9º ano, junto com as famílias, educadores e demais profissionais da escola, aprender a semear e colher. “No final do ano vamos produzir farinha de mandioca para inserir na merenda escolar”, contou a gestora escolar.

Já o 1º e 2º ano do Ensino Médio participam de atividades de empreendedorismo do povo Baré. São conhecimentos sobre a natureza, a retirada da matéria prima para produção de artesanatos com cipó, tucum e sementes. “Alguns estudantes ingressam na universidade, mas quem quer ficar no território pode realizar o empreendedorismo”, explicou Maria Lúcia.

Para aprender sobre as plantas medicinais e seus usos em suas próprias culturas, acontece o projeto “Plantas medicinais” com o 9º ano do Ensino Fundamental e o 3º do Ensino Médio. “Antes da medicina convencional, existia a medicina tradicional. Os estudantes vão para o território, para as florestas, buscar nossas plantas nativas e aprender com os saberes dos nossos ancestrais”, disse a diretora. Ao final da mesa, foi exibido um pequeno vídeo sobre os projetos desenvolvidos pela escola. 

Currículo: identidade e disputa

“O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade”. É com esta citação da obra Documentos de Identidade; uma introdução às teorias do currículo, de Tomaz Tadeu da Silva, que Gina Vieira abriu sua fala.

Professora da Educação Básica por 30 anos na rede do Distrito Federal e mestra em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB), Gina apontou que tudo o que acontece na escola é currículo. 

“São as relações entre nós, com o território, da comunidade com a escola. Diz respeito à escola anunciar qual é seu compromisso político na formação dos sujeitos que atravessam seus portões”, disse, em referência a estudantes, famílias, professores e demais profissionais que se relacionam com as crianças na escola.

“Qualquer proposta de fora que diga o que a escola deve fazer e fiscalizar cada milímetro do que ela faz, joga contra a aprendizagem”, explicou Gina Vieira

Ao mesmo tempo, o currículo é um campo de disputa que sofre pressão externa, sobretudo do setor privado. “Diferentemente do que as pessoas imaginam, de que vai trazer qualidade para a escola, temos experiência acumulada para entender que não há condições efetivas de aprendizagem e desenvolvimento integral sem respeito à autonomia da escola, do professor e dos estudantes. Qualquer proposta de fora que diga o que a escola deve fazer e fiscalizar cada milímetro do que ela faz, joga contra a aprendizagem”, explicou Gina.

Há, ainda, um discurso corrente perigoso de que é preciso entregar materiais estruturados para os professores porque eles supostamente não sabem dar aula, usando como argumento a fragilidade na política de formação de professores, que possui espaços para avançar, mas também muitos méritos.

Em referência à escola da professora Maria Lúcia, Gina disse: “Imagina a violência de vir um material externo a partir da perspectiva de que naquela comunidade as pessoas não estão suficientemente qualificadas para trabalhar e é preciso levar um material padronizado, escalável, que possa ser consumido por esses professores”. 

A saída urgente é garantir condições de trabalho, remuneração, menos estudantes por turma e “enxergar os professores como intelectuais transformadores e não como burocratas do currículo que vão cumprir pedagogias pensadas por terceiros”, afirmou Gina, que também é autora do Projeto Mulheres Inspiradoras, criado e desenvolvido em 2014, hoje presente em 50 escolas públicas do DF, em escolas municipais em Campo Grande (MS) e na Província de Niassa, em Moçambique, África.

A escola que está por todo o território de Almirante Tamandaré (PR)

Desde 2017, o município de Almirante Tamandaré (PR) aposta na Educação Integral, em tempo integral e no território, como um compromisso com a vida, como frente aos altos índices de violência local. 

Assim, os estudantes passam parte do dia na escola e outra parte circula pelo território em rotas de aprendizagem, como praças, quadras esportivas, centros culturais e de saúde. Há também uma série de programas que envolvem as famílias e as comunidades no cuidado e na Educação das crianças. Conheça mais sobre o programa do município, onde o tempo integral acontece no território.

Juciê Parreira, Secretário Municipal de Educação de Almirante Tamandaré (PR), explicou que a movimentação não vem sem desafios, como garantir mais Orçamento para viabilizar as ações e a valorização dos profissionais da Educação, promover a articulação intersetorial, e não ceder à pressão das avaliações externas.

Também de “ressignificar nossa formação enquanto educador, repensar novas possibilidades dos espaços da escola, junto com todas as pessoas de uma geração que foi educada em uma escola diferente”, disse.

“Entendemos que currículo é um compromisso, é nosso acordo. Aprovamos o nosso por lei, é a primeira vez que o povo decidiu, a Câmara aprovou e eu assinei”, disse Juciê Parreira

Entre as conquistas, a construção de um currículo participativo do município – uma forma de garantir que a comunidade se aproprie desse projeto educacional e não sofre com as descontinuidades administrativas quando há troca de governo. “Falar de Educação Integral exige longitudinalidade”, reforçou.

O município foi dividido em sete territórios que têm características mais similares e cada um realizou reuniões entre organizações, instituições, comunidades, comércios, famílias, educadores e estudantes para pensar que Educação desejam. A partir disso, foram formados 14 grupos de trabalho sobre temas centrais, que deram origem ao currículo. 

“Entendemos que currículo é um compromisso, é nosso acordo. Aprovamos o nosso por lei, é a primeira vez que o povo decidiu, a Câmara aprovou e eu assinei”, disse Juciê. 

Decolonizar o território que é a escola

O território para além dos muros da escola é fundamental. Mas pensar os muros, janelas e portas que constituem o território escolar também é. “Temos escolas que foram construídas fora da concepção de Educação Integral, planejadas para viajar e punir, controlando corpos e mentes, desconectadas da natureza, sem participação de ninguém. Espaços colonizadores, racistas, machistas, que separam, excluem e isolam da vida”, analisou Bia Goulart, arquiteta, pesquisadora do Grupo Ambiente Educação da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Vamos fazer a partir de e com as pessoas, para que as escolas deixem de reproduzir a hierarquia racista das senzalas”, disse Bia Goulart

Incentivar e apoiar a construção de escolas artesanais, sem modelo, cartilha ou padrão, que atenda às diversidades do Brasil, pensadas pelas próprias pessoas da comunidade é o objetivo de Bia em diálogo com o MEC. Também do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) que criou uma área voltada para a educação. O CAU Educa já possui uma cartilha que propõe formas de organização dos comitês, conselhos, metodologias para escuta que apoiem na decolonização da infraestrutura escolar. 

“Essas discussões tem que virar algo do currículo e do cotidiano da escola. Tem que ser desejada essa mudança pela comunidade escolar. Será que todas as escolas querem auditório? Vamos fazer a partir de e com as pessoas, para que as escolas deixem de reproduzir a hierarquia racista das senzalas”, disse Bia, que também é membro do Centro de Referências em Educação Integral e professora do curso de Pós-Graduação Arquitetura e Educação da Escola da Cidade, em São Paulo (SP).

Educação Infantil e tempo integral em foco no Seminário Educação Integral em Debate 

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