Sem política federal, ensino técnico tem matrículas estagnadas

Anunciada como prioridade pelo governo Bolsonaro, modalidade sofre com falta de diretrizes e redução de recursos

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Brasília

O fomento ao ensino técnico no país passou nos últimos anos por fases de otimismo e retração. O estágio atual é de estagnação. Bolsonaro elegeu o ensino profissional como prioridade. Mas, com dois anos e meio de gestão, não há política definida ou continuidade de ações. Iniciativas anunciadas pelo próprio governo foram abandonadas.

A ausência de uma agenda, consenso nos setores público e privado, se reflete nos números. As matrículas estão estagnadas ao passo que o orçamento do MEC (Ministério da Educação) é reduzido.

Em 2018, último ano do governo Michel Temer (MDB), o país tinha 1,903 milhão de matrículas de ensino técnico de nível médio. Chegou a 2020 com 1,936 milhão —cerca de 32 mil vagas a mais.

Quase metade está na modalidade subsequente, de jovens que já concluíram a etapa. A soma de vagas nos outros dois formatos (integrado e concomitante) indicam um percentual de 11% de alunos de ensino médio em formação técnica.

Estudante do Senai  na unidade do Sesi em Taguatinga (DF), em treino de funilaria para a World Skills 2019, competição  mundial  de profissões que aconteceu na Rússia naquele ano
Estudante do Senai na unidade do Sesi em Taguatinga (DF), em treino de funilaria para a World Skills 2019, competição mundial de profissões que aconteceu na Rússia naquele ano - José Paulo Lacerda/CNI

Será impossível, portanto, alcançar a meta de 5,2 milhões de matrículas desse tipo até 2024, como preconiza o Plano Nacional de Educação.

Por trás da empolgação com o ensino técnico estão a necessidade de aproximar os jovens do mundo do trabalho, o potencial de empregabilidade e ganhos salariais. Custos altos e desafios de formação de professores são entraves.

Este ano marca o aniversário de uma década do Pronatec. O programa, lançado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2011, estimulou o avanço das matrículas de ensino técnico com bolsas, recebeu investimentos vultosos, mas foi esvaziado a partir de 2015, em meio à crise financeira. Também vieram avaliações negativas de resultados.

Em outubro de 2019, o ex-ministro Abraham Weintraub anunciou um programa chamado Novos Caminhos. A meta seria criar 1,5 milhão de novas matrículas até 2023.

Isso, no entanto, deveria ser alcançado por meios dos estados, sem dinheiro do MEC. Também foi anunciada a formação de 21 mil professores, o que não ocorreu. Weintraub foi demitido em junho de 2020 e, no seu lugar, assumiu o pastor Milton Ribeiro. O programa foi abandonado.

“É um estranho caso de ‘novos caminhos’ que não saiu do lugar. Tudo que se construiu desde o Pronatec foi descontinuado e, hoje, não existe nenhuma política de fomento”, diz Claudio Filho, presidente da Associação Nacional de Escolas de Ensino Técnico.

Procurado, o MEC não respondeu.

O setor privado, foco das bolsas do Pronatec, teve queda de 16% nas matrículas desde 2015. Essas escolas, com 735.807 alunos de nível médio em 2020, respondem por 38% das matrículas.
O gasto do MEC com o ensino profissional foi, em 2020, de R$ 10,7 bilhões. É o menor desde 2015—e 18% inferior, em valores corrigidos.

Os recursos para a rede federal de institutos de educação técnica passam por esvaziamento. O orçamento de 2021, de R$ 1,5 bilhão, é 21% menor do que o de 2020. Se as aulas já estivessem ocorrendo de forma presencial, não haveria dinheiro para manter abertos, até o fim do ano, boa parte dos 643 campi, que atuam do ensino médio à pós-graduação.

Milton Ribeiro tem elogiado os institutos, mas, na avaliação da rede, faltam recursos e diretrizes. “É importante que o ministro nos elogie ao nos conhecer. Mas a ausência de uma política é por si uma política, e que talvez não venha ao encontro do que a rede defenda”, diz Sônia Fernandes, presidente do Conif (Conselho Nacional das Instituições de Educação Profissional, Científica e Tecnológica). ​

A rede precisa oferecer 50% das vagas ao ensino médio. No Enem, o desempenho dos institutos, com 360.623 alunos, supera o das escolas privadas.

Isso se deve à oferta em tempo integral, à alta qualificação docente e à conexão com o ensino superior (também à seleção de alunos).

O ministro declarou querer ampliar essa obrigação para 70%, na modalidade concomitante, em que institutos ofertariam só a parte técnica. O que é criticado pela rede.

Alexandro Ferreira de Souza, ex-secretário de Educação Profissional e Tecnológica do MEC ​na gestão de Ricardo Vélez Rodríguez, diz que, com as mudanças no ministério, perdeu-se visão estratégica. “A secretaria poderia ser orientadora de ensino técnico no Brasil, o que não é”.

A reforma do ensino médio, aprovada em 2017, jogou nova luz ao tema: elencou a educação técnica como um dos cinco itinerários formativos que os alunos poderão escolher —se houver oferta.

A secretária de Educação do Mato Grosso do Sul, Cecilia Motta, tem liderado articulação entre dirigentes para viabilizar os itinerários. Segundo ela, o MEC pretende iniciar formações de professores neste ano, o que incluiria a modalidade técnica. “O novo ensino médio vai forçar a oferta pelos estados, mas precisamos de uma política federal mais ostensiva”, diz.

As redes estaduais somam 806.637 matrículas na modalidade: alta de 27% desde 2015.

Para o professor Sérgio Firpo, do Insper, o novo ensino médio e a possibilidade de democratizar o acesso são o caminho para repensar essa formação. “O ideal é que o ensino técnico seja o mais geral possível, pautado no que há de mais moderno”, diz.

A competência principal seria, por exemplo, a programação, que tem e terá alta demanda. “Uma política federal ajuda para além das diretrizes da reforma, mas isso tem sido muito complicado, ainda mais agora”, diz o professor.

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