Sem exames, escola de SP ensina por meio de atividades artísticas

Teia Multicultural dispensa lição de casa e valoriza teatro, música e cinema

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São Paulo

Quando criança, uma viagem à Índia fez Georgya Correa questionar os modelos tradicionais de ensino. Durante o ano em que morou lá, ela teve aulas com um mestre que usava a arte e o teatro como linguagem, já que as crianças vinham de várias partes do mundo.

Georgya voltou ao Brasil aos 11 anos, com medo de não conseguir acompanhar seus colegas de turma. "Mas tive facilidade em aprender coisas que nunca tinha visto antes."

Anos depois, quando já dava cursos de teatro para crianças e adolescentes, ouviu relatos semelhantes à experiência que viveu após voltar da Índia. Segundo os pais dos seus alunos, as aulas dramáticas pareciam ajudar no processo escolar dos filhos. Então, Georgya resolveu cursar a faculdade de pedagogia para criar sua própria escola.

Dois meninos e uma menina estilizam jaquetas jeans em sala de artes. Menina aparece na foto através de reflexo em espelho
Alunos do nono ano da Teia Multicultural estilizam roupas durante evento artístico da escola - Jardiel Carvalho/Folhapress

"Vi que existiam muitos estudos sobre formas de desenvolver a aprendizagem além das tradicionais, que se baseiam na ideia de que fixar e decorar conhecimento é o suficiente", diz.

Com base na interdisciplinaridade e no conceito de educação integral, que valoriza diferentes aspectos além do cognitivo, Georgya tirou sua ideia do papel em 2005. Na zona oeste de São Paulo, a Teia Multicultural conta hoje com 160 estudantes, da educação infantil ao ensino médio. Uma unidade deve ser inaugurada em Portugal ainda neste ano.

Thiago Endler, 18, fez toda a sua formação escolar na Teia, de 2009 a 2022. "Dou muito valor para essa educação diferente. É comum que queiram que você decore e, depois que passa de ano, acabou. Mas eu senti que, na Teia, aprendi para a vida, não só para a prova."

Na visão de Alexandre Santiago da Costa, professor da Faculdade de Educação da UFC (Universidade Federal do Ceará), a principal limitação do ensino tido como tradicional é focar tanto o aspecto cognitivo a ponto de desconsiderar que o aluno tem desejos e emoções e que, muitas vezes, não vê sentido no que o currículo escolar oferece.

Georgya defende que a percepção, a criatividade e as relações das crianças ocupem mais espaço na escola. "Não sou contra o conhecimento técnico. Fixar conceitos é importante, mas saber aonde você quer chegar com eles é fundamental."

Além das disciplinas obrigatórias, a Teia oferece aulas de artes visuais, música, teatro, cinema, ioga e dança, entre outras. Não há provas nem lições de casa para avaliar o aprendizado. Em vez disso, a cada semestre as turmas desenvolvem projetos coletivos em que aplicam os conhecimentos adquiridos. Eles produzem peças de teatro, curtas-metragens ou exposições artísticas conforme sua faixa etária.

"Ao fazer uma peça de teatro, eles precisam criar figurinos, então, tiram as medidas das roupas, definem a quantidade de tecido a ser usada e exercitam formas geométricas", diz Georgya. Os cenários são feitos a partir de maquetes, com as quais os estudantes trabalham conceitos de área, formatos e proporção.

O teatro ajuda, ainda, a promover conhecimentos musicais, corporais, históricos e geográficos, segundo o professor da UFC, que pesquisa o campo da arte-educação. "É um exercício fantástico sobre o entendimento da alma humana e das habilidades socioemocionais. Como forma interdisciplinar, o teatro traz a educação integral, que olha para o aluno completo, com suas emoções, estéticas, valores, cultura, desejos e sonhos."

Ele defende que a arte não seja utilizada somente como instrumento a serviço de outras áreas. "Ela em si é uma disciplina importante, porque é carregada de sentidos e saberes próprios."

Para Maria Alves, 20, que estudou na Teia durante o ensino médio e atualmente cursa cinema na Faap, o teatro a ajudava a ter mais paciência. "Quando a gente se apresentava na escola, depois de meses de preparação, sentíamos que era o fechamento de um ciclo e eu me via capaz de falar na frente das pessoas."

Além dos trabalhos em grupo, ao final de cada nível, os alunos entregam projetos individuais, como uma monografia na conclusão do fundamental 1 e a criação de um produto após o fundamental 2. Os estudantes do ensino médio apresentam produtos com validação de mercado, entre os quais já foram formuladas propostas de um brechó, jogo de videogame e estúdio de tatuagem.

Dois meninos na foto, um toca violão e outro estiliza jaqueta jeans com escritos em tinta branca
Por meio da arte, a escola promove um ensino que incentiva aspectos socioemocionais, físicos, intelectuais e cognitivos - Jardiel Carvalho/Folhapress

Quanto à preparação para o vestibular, a Teia aposta mais no gosto pelo estudo que no conteúdo. "O trabalho de autoconhecimento que a gente realiza contribui muito para a escolha das carreiras", afirma a diretora.

Thiago é um exemplo disso. Hoje estudante de engenharia ambiental na Universidade São Judas Tadeu, gostava de criar torres de livros que fossem até o teto. No último ano, construiu sozinho uma composteira para o colégio. "Sinto que consegui praticar e experimentar a área que me levou à engenharia."

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