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‘Não tem economia, nem emprego, se não tiver educação’, diz Priscila Cruz

Segundo presidente executiva do Todos Pela Educação, essa área não é apenas “mais uma” a ser tocada pelos governos: ela é essencial para que as outras funcionem

Por Sonia Racy
Atualização:
Foto: HÉLVIO ROMERO / ESTADÃO
Entrevista comPriscila CruzPresidente executiva do Todos Pela Educação

Dos seus 20 anos de batalha pela educação no Brasil, a paulistana Priscila Cruz, cofundadora e presidente da ONG Todos Pela Educação, tira algumas lições essenciais. Primeiro, que a educação não é apenas “uma área a mais” a ser tocada pelos governos: ela é essencial para que as outras funcionem, para que haja emprego e crescimento. Segundo, que ela só vai funcionar bem se tiver projetos de longo prazo, que não mudem a cada troca de governo. Terceiro, que é preciso aprovar logo o Sistema Nacional de Educação – tão importante como o ajuste fiscal e a reforma tributária, adverte –, que está há um ano parado no Congresso.

Formada em administração por Harvard e pela FGV SP, Priscila lembra, nesta conversa com Cenários, que o texto “já passou no Senado” mas o governo Bolsonaro conseguiu trancá-lo na Câmara. “Parece que a educação nunca é prioridade”, lamenta. A seguir, os principais trechos da conversa.

Como funcionam as ONGs como a Todos Pela Educação, a Cenpec e outras no apoio à educação?

A gente tem hoje um ecossistema bem mais maduro de organizações voltadas para a educação. Estou há mais de 20 anos no terceiro setor e acompanhei essa evolução. Para terem uma ideia, o setor público do País investe algo como R$ 300 bilhões por ano na educação. É um trabalho estratégico dessas ONGs impulsionar as políticas públicas e melhorá-las. E a Todos Pela Educação tem um sistema de financiamento bastante pulverizado. São mais de 40 financiadores, e nenhum responde por mais do que 5% do nosso orçamento.

Aliás, é até proibido, não?

Sim, no caso da Todos Pela Educação. Nada estatutário, mas a gente busca pulverizar esse investimento. O conselho deliberativo atua para definir planos de longo prazo, são sempre projetos com ciclos de três, quatro anos para se fazer uma grande mudança. A gente não tem rabo preso com partido, com governo, com empresa. A meta é melhorar a qualidade da educação, sem isso a gente nunca vai ter um país capaz de garantir saúde, cidadania, empregabilidade, crescimento com distribuição de renda.

Priscila Cruz trabalha com o tema da educação há duas décadas Foto: Daniel Teixeira / Estadão

Pensar no longo prazo é essencial, portanto...

Sim, o longo prazo é talvez uma das principais bandeiras da Todos. Não tem como obter um resultado duradouro se não houver uma certa obsessão – isso mesmo, uma obsessão – por um projeto que atravesse vários governos, independentemente dos partidos que vencerem cada eleição. A alternância no poder não pode prejudicar essa política de Estado. Por exemplo, a gente olha os países da OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o horário escolar é superior a sete horas por dia. Essa história de quatro horas por dia é bem brasileira.

Como refazer tudo isso?

A atual centralização é uma questão que precisa ser mudada. Cidades pequenas têm um corpo técnico insuficiente para conduzir uma política pública com o padrão de que o Brasil necessita. O que a gente precisa é de uma visão nacional, que é diferente de uma visão federal. Claro que os entes federativos têm sua autonomia, mas autonomia não é o município fazer o que quer. Precisamos de uma política nacional que guie a gestão de Estados e municípios.

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Como fiscalizar esse monte de recursos, se cada um quer fazer coisas diferentes?

Uma das missões da Todos Pela Educação é justamente essa. Veja, o Brasil é o segundo país que mais produz dados educacionais no planeta. Então, não é por falta de transparência, de avaliação, por falta de censo escolar. A gente tem censo, tem avaliação, tem Prova Brasil, tem Enem. Tem o Ideb, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Mas a gente tem um descompasso entre discurso e atitude, inclusive atitude de voto, atitude eleitoral.

Esse tema, a federalização do ensino, não exigiria uma lei específica?

Há uma lei correndo no Congresso, já aprovada no Senado de forma unânime na legislatura passada, e estamos trabalhando para que a Câmara a aprove ainda neste semestre, que é o Sistema Nacional de Educação. É algo como o SUS na área da saúde.

Um SUS para a educação?

O SNE vai dar esse contorno que você está trazendo. Com ele podemos ter uma governança nacional. A gente trabalhou muito nesse projeto, foram muitas audiências públicas, especialistas, sociedade civil, para chegar a essa formulação. Mas ele está parado porque o governo Bolsonaro brecou na Câmara. Ja tivemos uma conversa com o Arthur Lira, presidente da Casa, recebemos dele um compromisso de fazer avançar essa pauta. Isso é tão importante como as novas reformas econômicas.

Quando foi que parou?

Já faz mais de um ano. A gente sabe do atual imbróglio entre Câmara e Senado, Congresso e Executivo... Minha impressão é que de temos de esperar um pouquinho. A educação parece que nunca é prioridade. Mas temos, sim, de votar o Sistema Nacional de Educação, porque senão a gente nunca vai conseguir avançar no País no campo mais importante. Quer dizer, não tem economia se não tiver educação. Não vai ter emprego se não tiver educação.

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