Por Nathalia Tavolieri, Profissão Repórter


Sem Bolsa Família, jovem de 19 anos passa a trabalhar no lixão para a driblar a fome

Sem Bolsa Família, jovem de 19 anos passa a trabalhar no lixão para a driblar a fome

Uma xícara de café para começar o dia e uma garrafa de água para suportá-lo: a rotina da paraibana Fernanda Barros, de 19 anos, é movida por café, água e alguma refeição que aparecerá entre um gole e outro.

“Nunca houve aquela fartura de comer iogurte, fruta, verdura, carne... É difícil. Se eu pudesse, se tivesse um trabalho melhor, eu poderia comprar tudo o que falta”.

Quem vê Fernanda caminhando cedinho, com sua mochila rosa, pelas ruas esburacadas de Cajazeiras, no sertão da Paraíba, dificilmente adivinha seu itinerário. Ao longo da caminhada, que dura quase uma hora em passos apressados, o chão de terra batida toma o lugar do asfalto e Fernanda chega no lixão, seu novo local de trabalho desde o ano passado, quando perdeu o emprego em uma lanchonete da cidade por causa da pandemia.

Fernanda interrompeu os estudos há dois anos, depois que sua filha, Evelyn, nasceu. Desde então, ela trabalhou como empregada doméstica, babá e atendente. Com a pandemia, os bicos sumiram. Na fila do Bolsa Família há quase dois anos e sem receber o auxílio emergencial, Fernanda decidiu seguir os passos da avó e da mãe que sempre trabalharam no lixão.

Nathalia Tavolieri com Fernanda no lixão — Foto: Profissão Repórter

Atualmente, sem qualquer tipo de equipamento de proteção, como máscara e luvas, Fernanda separa material para reciclagem e restos de comida para “lavagem” - vendida como alimento para porcos. Um balde cheio custa R$ 3. “Em um dia bom, dá pra ganhar R$ 15”, afirma.

As contas ajudam a entender o que leva Fernanda todos os dias ao lixão. Ela mora com a mãe, a filha e os irmãos pequenos. Com o fim do auxílio emergencial, a família sobrevive basicamente com R$ 240 mensais do Bolsa Família. Só o aluguel da casa custa R$ 250.

“Já começamos o mês devendo R$ 10. Viver nessa vida aqui eu não quero, não. Eu quero ter a chance de ter um trabalho melhor e sustentar a minha filha, dar tudo a ela que eu não tive.”

Em Cajazeiras, 38% da população depende do Bolsa Família. De acordo com dados do Ministério da Cidadania, o valor médio mensal recebido por família na cidade é de R$ 235. A história de Fernanda foi mostrada no programa Profissão Repórter desta semana. Na reportagem abaixo, você vê um pouco mais sobre a rotina de quem depende do trabalho no lixão para sobreviver na pandemia:

Nathalia Tavolieri acompanha vida de brasileiros que dependem de benefícios do governo

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Só na Paraíba, há cerca de 49 mil famílias na fila de espera para receber o Bolsa Família. No Nordeste, são mais de 707 mil aguardando pelo benefício. Em todo o Brasil, mais de 2 milhões de famílias estão nesta situação.

Segundo Joelson Rodrigues, secretário executivo de Assistência Social da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude do Estado de Pernambuco (SDSCJ), o aumento do desemprego e o fim do auxílio emergencial têm levado cada vez mais famílias pobres a procurarem o poder público em busca de benefícios sociais e programas de transferência de renda.

“Se nenhuma providência for tomada, a fila de espera deve continuar crescendo nos próximos meses no Nordeste”, afirma.

Assim como Fernanda, grande parte dos beneficiários do Bolsa Família não consegue sobreviver apenas com o dinheiro pago pelo programa e precisam trabalhar para complementar a renda. Com o aumento do desemprego provocado pela pandemia, as fontes complementares de dinheiro cessaram.

Com menos dinheiro no bolso e o preço dos alimentos subindo, a insegurança alimentar vivenciada pelas famílias mais pobres também cresce. É o que destaca Shirley Samico, coordenadora geral de Planejamento e Vigilância Socioassistencial da SDSCJ:

“Há uma possibilidade real de que o Brasil volte para o mapa da fome. Para muitas famílias nordestinas, a fome já voltou. Não é só por não ter o que comer, mas também por não saber o que vai comer nos próximos dias".

Joelson e Shirley, assistentes sociais da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude do Estado de Pernambuco (SDSCJ) — Foto: Profissão Repórter

Veja os dados do Ministério da Cidadania sobre a fila do Bolsa Família em dezembro de 2020:

Por região:

  • Sudeste: 849.063
  • Nordeste: 707.600
  • Norte: 228.536
  • Sul: 227.198
  • Centro-oeste: 133.781

Por estado:

  • São Paulo: 426.910
  • Minas Gerais: 198.182
  • Rio de Janeiro: 183.674
  • Bahia: 180.420
  • Pernambuco: 140.751
  • Pará: 117.215
  • Paraná: 110.118
  • Ceará: 108.282
  • Rio Grande do Sul: 80.292
  • Maranhão: 74.933
  • Goiás: 55.865
  • Paraíba: 49.110
  • Piauí: 47.329
  • Amazonas: 43.354
  • Espírito Santo: 40.297
  • Rio Grande do Norte: 36.821
  • Santa Catarina: 36.788
  • Mato Grosso: 36.381
  • Alagoas: 35.416
  • Sergipe: 34.538
  • Mato Grosso do Sul: 31.472
  • Tocantins: 18.217
  • Amapá: 16.476
  • Rondônia: 13.202
  • Acre: 10.286
  • Brasília: 10.063
  • Roraima: 9.786

Fonte: MC/SENARC/CECAD

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