Secretário de Educação de SP diz preferir material didático próprio para aluno poder 'grifar' e que livros evitam 'dupla orientação' com o MEC

Feder voltou atrás em decisão sobre utilizar material 100% digital após anúncio de Tarcisio e defende material impresso por ser 'consumível' e em 'coerência pedagógica' com currículo paulista, mas mantém recusa do PNLD

Por Elisa Martins — São Paulo


Renato Feder, novo secretário de Educação de São Paulo, e o governador Tarcísio de Freias Governo de São Paulo/Divulgação

Dias depois da polêmica sobre a recusa do governo do estado de São Paulo de aderir ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e a declaração de que o material usado no estado seria 100% digital, o secretário estadual de educação, Renato Feder, defendeu a utilização de material próprio do governo paulista por ser “consumível” pelo aluno e para evitar "dupla orientação" de ensino na rede com os livros propostos pelo Ministério da Educação (MEC).

— Esse material (do governo paulista) é consumível. O aluno escreve, grifa, anota, rabisca aqui. E os livros do PNLD não são consumíveis no ciclo que estamos falando, nos anos finais do (ensino) Fundamental. O aluno tem que guardar, não pode anotar, guardar, circular, porque esse livro tem que estar disponibilizado para o ano que vem. E queremos que o aluno consuma, grife, use o livro de verdade — disse o secretário em encontro com jornalistas na sede da secretaria nesta segunda-feira, no Centro de São Paulo.

Segundo Feder, outro argumento que pesou para o governo paulista recusar os livros didáticos enviados gratuitamente pelo MEC veio do fato de não querer passar uma "dupla orientação" nas diretrizes de ensino às escolas.

— Não queremos passar uma dupla orientação. Isso não vai ajudar, na nossa visão. Tirando as obras literárias, no PNLD cada escola escolhe seus livros. Então cinco escolas podem ter cinco livros diferentes. Imagina um professor que dá aula em três escolas. Tem que se adequar ao livro 1, livro 2, livro 3, e nenhum deles é consumível. Por isso, para dar um direcionamento claro e facilitar a vida de alunos e professores, vamos focar no nosso material dentro do currículo paulista, que são esses livros aqui — afirmou o secretário, enquanto mostrava alguns dos materiais impressos do currículo paulista.

A decisão de imprimir os exemplares didáticos, porém, só foi anunciada no fim de semana, pelo governador Tarcisio de Freitas, depois da repercussão negativa da decisão da secretaria paulista de utilizar material didático 100% digital.

— A conversa com a rede ajudou — disse Feder nesta segunda-feira.

Na semana passada, o governo de São Paulo abriu mão de receber 10 milhões de exemplares de livros gratuitos, comprados pelo MEC, a partir do PNLD, para o triênio de 2024 a 2027. O material seria distribuído aos alunos do segundo ciclo do ensino fundamental (entre o 6º e o 9º ano).

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Feder afirmou que a recusa da adesão ao programa foi "parcial", uma vez que o governo paulista seguirá com o recebimento de obras literárias do governo federal. Mas que a não utilização do material didático do MEC seguiria a justificativa de “coerência pedagógica”, pois o material do PNLD “duplicaria” o material utilizado pelos alunos em sala de aula. O secretário não mencionou por que a secretaria não considerou optar, por exemplo, pelos mesmos livros do PNLD para toda a rede.

Pesquisa sobre o tema chegou a ser feita com professores, que foram consultados sobre se prefeririam escolher os livros do PNLD em cada escola ou se um mesmo livro seria usado para toda a rede. A secretaria não divulgou os resultados desta consulta. Segundo Feder, os números não ficaram prontos antes da data em que o governo paulista teria de comunicar sua adesão ou não ao PNLD.

O secretário citou outra pesquisa, feita com alunos do Ensino Médio no ano passado, em outra gestão, na qual 84,4% dos alunos responderam que usavam “nunca”, "raramente" ou “ocasionalmente” os livros do PNLD.

A pasta não soube responder se a mesma consulta foi feita com alunos sobre o material didático próprio do governo paulista.

Ainda segundo o secretário, a decisão de voltar a imprimir o material didático, anunciada no fim de semana, não significará gasto extra para o governo, pois o orçamento para essa impressão já era previsto anualmente desde 2009.

O tema segue tido como polêmica por professores da rede estadual de ensino, que definem as últimas decisões da secretaria como "ataque" e "tentativa de homogeneização do ensino", impedindo outras formas de aprender e ensinar nas escolas.

— São argumentos insólitos, que não se sustentam. A começar legalmente. Quando pensamos na Constituição Federal e na LDB, se fala na pluralidade de ensino. Quanto mais diversificados forem os materiais, melhor. E dizer que é material para aluno grifar, ou anotar, isso não é o mais importante. Há outras formas de aprender que não grifando — diz Gabriel Meneses, vice-diretor de uma escola estadual na capital paulista.

Ele afirma ainda que o fato de o estado ter mudado de opinião e dizer que vai passar a mandar o material impresso não significa que ele chegará para todos:

— O material é enviado com base no número de alunos do ano anterior. Se eu tinha cinco salas do segundo ano no ano passado e agora tenho seis, uma sala fica sem material. Então sempre fazemos arranjos.

Meneses diz que não foi feita nenhuma consulta com os professores sobre a recusa de adesão ao PNLD e que, em sua escola, os professores estavam em processo de escolha dos livros que escolheriam do programa do MEC quando receberam a notícia de que o material não seria usado no estado.

— Estávamos nesse processo de debate dos professores, em que discutíamos o nível dos alunos, pensando no material (do PNLD) adequado de acordo com os alunos que temos. E de repente veio o aviso da não adesão, que soubemos pelo representante de uma das editoras, não foi nem pelo governo. Foi um desrespeito — opina.

Como mostrou reportagem do GLOBO, que ouviu especialistas, os materiais didáticos que serão os únicos disponíveis para os alunos da rede estadual de São Paulo a partir do ano que vem não substituem, mesmo impressos, os livros didáticos que foram desprezados pelo estado.

Ainda segundo os analistas, a decisão de rejeitar os livros do PNLD reforçaria o perfil centralizador da gestão e as divergências que Feder tem protagonizado com o MEC — como aconteceu com as escolas cívico-militares e com os destinos do novo ensino médio.

Sobre a polêmica da investigação sobre suposto conflito de interesses, o secretário afirmou que a pasta tem um “compromisso” de não comprar nada da Multilaser. Feder foi CEO da empresa de 2003 e 2018, quando assumiu a Secretaria estadual de Educação do Paraná, em 2017. Na ocasião, ele anunciou que deixaria o posto da empresa. No entanto, segue sócio de uma offshore dona de 28,16% das ações da Multilaser. empresa da qual deixou a diretoria em 2018, mas mantém ações via offshore.

— Fui presidente da Multilaser até 2018, quando saí para assumir primeiro a secretaria do Paraná, onde fiquei por quatro anos, e não compramos um alfinete da empresa na minha gestão. E também aqui na minha gestão em São Paulo, é o meu compromisso, e meu compromisso com o governo, de não comprar um alfinete, nada, via licitação, nada, da Multilaser enquanto eu for secretário — afirmou Feder.

Feder está sendo investigado pela Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo por suposto conflito de interesse.

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