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'Se tivessem bom senso, iriam eliminar o primeiro dia e adiariam o Enem', diz ex-presidente do Inep

Uma das idealizadoras do exame, Maria Inês Fini afirma se tratar de uma 'situação de muita injustiça' ter 2,8 milhões de candidatos inscritos sem fazer a prova
Maria Inês Fini foi presidente do Inep Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Maria Inês Fini foi presidente do Inep Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

RIO — Ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e uma das idealizadoras do Enem, a educadora Maria Inês Fini afirma que a abstenção de mais da metade dos candidatos no Enem 2020 demonstra que a data escolhida para a aplicação da primeira prova estava errada. E que isso tem consequências.

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— Temo pelo futuro do Enem. Há todo um ambiente de insegurança e instabilidade que está cercando o exame — afirma.

Na avaliação de Fini, a primeira prova do Enem, realizada no último domingo (17), deveria ser cancelada e reaplicada num momento sanitário mais responsável junto com a segunda etapa do exame, que está marcado para o próximo fim de semana.

— As consequências de um novo adiamento do Enem são menores do que ter um exame com apenas metade dos alunos inscritos — defende. — O problema é se comportar como se a prova nesse momento, com essa abstenção, fosse normal e pudesse continuar assim.

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Que recado essa abstenção recorde deu ao Ministério da Educação?

Primeiro que a prova foi aplicada em uma data errada. Você não faz nenhum tipo de consulta se não vai usar o resultado. Se os alunos disseram que seria melhor em maio, teria que assumir o resultado. Ou não fizesse a pesquisa. Além disso, mostra que os alunos ficaram com medo e também há um desânimo daqueles que não puderam estudar para o Enem. O que vimos foi um desperdício de dinheiro absurdo. Tenho muito receio pelo futuro do Enem. As declarações do presidente (de que a prova tem questões “ridículas”) é que são ridículas. Como se eles não pudessem em dois anos fazer um banco de itens. Por que não fizeram?

O que é pior: ter um Enem com metade dos alunos inscritos ou as consequências de um novo adiamento?

É ter um Enem com a metade dos alunos inscritos. Se tivessem um pouco de bom senso, iriam eliminar esse primeiro dia. Mas precisa de uma articulação nacional. Não do Inep, mas através do Ministério da Educação com as universidades e as escolas de ensino médio. Foi um ano difícil para todos os estudantes, faltou escolaridade para todo mundo, mas principalmente para os mais vulneráveis. O problema é se comportar como se a prova, nesse momento, com essa abstenção, fosse normal e pudesse continuar assim. Mesmo com todos os riscos e custos, eu adiaria o exame. O que estamos vendo é uma situação de muita injustiça. Adiaria logo, nem aplicaria no próximo domingo para não queimar mais questões. Estou pensando nos jovens que perderam. É missão do governo brasileiro fazer isso. Um absurdo imaginar que esses 51% dos inscritos perderam a chance de entrar no ensino superior. Mas precisaria de um senhor educador, com consciência social, para uma articulação como essa. Só posso lamentar.

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Quais seriam as consequências de um adiamento do Enem para maio?

Não seriam tão terríveis, se tomassem as demais providências. Não adianta faltar e não fazer nada. O MEC era detentor de contrato da TV Escola. O Abraham Weintraub (ex-ministro da Educação) não quis mais. Imagina quanta coisa se poderia fazer de maneira intensiva e aberta. Recurso tem. Para isso, no entanto, primeiro tem que ter vontade e conhecer esses recursos. E o ministro atual não tem ideia.

O que pode acontecer com os alunos impedidos de entrar nas salas superlotadas?

Alguma vez você já imaginou essa situação? Isso é um absurdo. Jamais poderia acontecer. Se tinha como pressupor o distanciamento, quando contrata a aplicação da prova, aquele que vai alugar ou emprestar tem que dizer as carteiras com o afastamento regulamentar. Isso não aconteceu. Esses alunos têm direito de fazer a prova. É garantido. Eles não fizeram por culpa do Ministério da Educação. Se quiser ter um entendimento mais ampliado, todos os que não foram podem alegar que estavam com medo e requerer fazer a prova. Esse é o problema. Há todo um ambiente de insegurança e instabilidade que está cercando o Enem.

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Como isso pode influenciar o futuro do Enem?

Temo muito pelo que pode acontecer. O Bolsonaro, mais uma vez, assoprado pelo Olavo de Carvalho e pelos filhos, se atreve a meter o pau numa questão que não tem nada a ver com a interpretação que ele deu. Cadê o presidente do Enem para explicar? Quando ele brigou que eu queria ensinar sexualidade aos jovens (em 2018, Bolsonaro, já presidente eleito, criticou uma questão do Enem daquele ano), fui dar entrevista para defender o exame. Quem vai defender o Enem agora? Ficam nessa história de que o presidente do Inep (Alexandre Lopes) é um bom gestor, mas não entende nada. Ele é sujeito a qualquer tipo de onda. Essa é minha preocupação. O que vai ser do Enem? Qual a credibilidade? As universidades têm autonomia para decidir se usam ou não o Enem.