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Sala de aula invertida coloca aluno no centro do processo de aprendizagem

Metodologia ganhou força entre colégios e educadores na última década
A professora Giselle Pereira (de pé) orienta alunos no Alfa CEM Foto: Marcelo de Jesus / Agência O Globo
A professora Giselle Pereira (de pé) orienta alunos no Alfa CEM Foto: Marcelo de Jesus / Agência O Globo

RIO — Com uma geração nascida e criada em meio a computadores, tablets e smartphones conectados à internet o tempo todo, o modelo tradicional de educação, em que o professor é fonte de todo conhecimento, parece cada vez mais anacrônico. Neste contexto de mundo globalizado e repleto de conexões, as metodologias ativas de ensino, que ganharam força nesta década, ocupam cada vez mais estas lacunas. Tais iniciativas têm como princípio deslocar o centro do processo de aprendizagem, transformando o aluno no maior protagonista.

Entre as possibilidades de modelos de aplicação da metodologia ativa, a sala de aula invertida vem obtendo sucesso e conquistando cada vez mais espaço entre colégios e educadores. O método funciona em três etapas. Na primeira, os alunos têm acesso fora da sala ao conteúdo desenvolvido pelos professores por meio de alguma plataforma pública (YouTube ou Google Drive, por exemplo) ou por uma plataforma própria de cada instituição. Esse material pode ser um vídeo, uma apostila, um gráfico interativo ou ainda uma apresentação em Power Point. Na segunda etapa, já em sala de aula, os estudantes se reúnem em grupos, onde fazem uma discussão mediada por professores. É neste momento também que os docentes realizam avaliações individuais dos alunos e se organizam para o terceiro e último estágio do processo, onde tiram dúvidas que surgiram durante a jornada e aprofundam os temas que julgarem necessários.

— A escola sempre foi uma instituição resistente a mudanças. Até hoje, 90% delas seguem um modelo de educação estabelecido 200 anos atrás. E há pelo menos 40 anos se discute a necessidade de quebrar o paradigma em que o conhecimento se concentra na mão do professor. Ultimamente, o mundo vem exigindo que estas discussões se transformem em prática e a sala de aula invertida tem se apresentado como uma opção bastante interessante — avalia o consultor em educação Júlio Furtado.

Na Escola Sesc, a tradicional organização de mesas e cadeiras em sala é deixada de lado Foto: Marcelo de Jesus / Agência O Globo
Na Escola Sesc, a tradicional organização de mesas e cadeiras em sala é deixada de lado Foto: Marcelo de Jesus / Agência O Globo

E quando a teoria é posta em prática, os resultados aparecem. De acordo com Furtado, as experiências de aplicação de sala de aula invertida demonstram que mais da metade dos alunos aprenderia mais e melhor se o ensino fosse realizado dessa maneira. Ele afirma que é justamente entre aqueles considerados os “piores alunos” que a mudança é ainda mais significativa. O modelo também tem uma obra que é considerada seu marco incial, o livro do americano Jonathan Bergmann, “Flip your classroom” (“Inverta sua sala de aula", em tradução livre), publicado em 2012.

O colégio Alfa Cem Bilíngue passou a adotar o método nas três unidades em 2017 a partir do 6º ano do ensino fundamental. Como o modelo prega uma ruptura do modelo tradicional de ensino, é natural que surjam dúvidas e questionamentos durante o processo.

— Alunos, pais, direção e professores devem estar alinhados com este projeto de educação. O maior desafio do processo está na formação dos professores. Eles são o coração da escola. É preciso sensibilizá-los para que entendam as razões pelas quais as mudanças se fazem necessárias e, a partir daí, disponibilizar ferramentas para que consigam pôr a metodologia em prática — explica André Ferreira, diretor pedagógico do Alfa Cem. — O professor assume um papel de mediador/orientador, enquanto os alunos se tornam pesquisadores, sendo estimulados a ter uma atitude investigativa.

As mudanças também criam algum desconforto entre pais e alunos por gerar um deslocamento de suas zonas de conforto. Num primeiro momento, crianças e adolescentes, em especial aquelas adaptadas ao modelo tradicional, tendem a estranhar a sala invertida.

— Prefiro o modelo em que o professor expõe o conteúdo de maneira tradicional. No entanto, percebo nas dinâmicas de conversas em grupo que tenho tido mais domínio dos assuntos. Para explicar os temas aos colegas é preciso entendê-los — conta Júlia Athalia, aluna de 14 anos do 9º ano do ensino fundamental do Alfa Cem.

Seu colega de turma, Gabriel Moraes, de 16 anos, complementa o raciocínio dela e salienta o aspecto colaborativo da aula.

— Quando um aluno auxilia o outro é muito melhor. Isso ajuda a desenvolver a matéria — afirma ele.

O professor Charles Pimentel no esúdio da Escola Sesc Foto: MArcelo de Jesus / Agência O Globo
O professor Charles Pimentel no esúdio da Escola Sesc Foto: MArcelo de Jesus / Agência O Globo

Fundada em 2007, a Escola Sesc de Ensino Médio utiliza a sala de aula invertida e outras metodologias ativas de ensino desde 2015. Percebendo as vantagens deste processo de emancipação intelectual dos alunos, a instituição fez investimentos em infraestrutura e montou um estúdio com fundo verde onde os professores podem gravar e editar os vídeos que serão disponibilizados para os estudantes.

— Outra mudança importante que também fizemos foi no espaço físico das nossas salas. Optamos por abandonar aquela configuração de mesas e cadeiras em linha. Todas as mesas são redondas, o que favorece a troca e a produção do conhecimento — explica Edir Mello, professora de sociologia e coordenadora de ciências sociais da Escola Sesc de Ensino Médio. — As metodologias são novas e as avaliações, como o Enem, são antigas. Acredito que vamos chegar a um meio-termo em algum momento. Enquanto isso, a sala de aula invertida prepara melhor os alunos para estas provas. Ela não extingue conteúdos, mas os amplia através de diferentes trilhas de aprendizagem, consoantes a qualquer tipo de exame.

Por também terem que preparar o conteúdo que será entregue aos alunos fora da sala de aula, os docentes acabam tendo mais trabalho em um primeiro momento. Mas, com o tempo e com o compartilhamento desses materiais entre colegas, cria-se um banco com infinitas possibilidades de conhecimento. Charles Pimentel, professor de matemátia da Escola Sesc, argumenta que é preciso dosar a aplicação do método para que todos os alunos se sintam motivados.

— Quando o aluno percebe que está aprendendo, que a aula está mais dinâmica e que ele pode ser protagonista do aprendizado, ele fica mais envolvido. O método também proporciona que alunos mais tímidos possam aprender no tempo deles e tragam dúvidas para a sala. Mas também há aqueles estudantes que sentem necessidade de uma aula tradicional. A sala de aula invertida deve ser usada como mais um método. Não é uma bala de prata que vai resolver tudo. O que vai dar resultado é um conjunto de estímulos e metodologias — avalia.

Santiago Olovate, do Mopi Itanhangá, assiste a vídeo produzido pelo professor de biologia Foto: Divulgação/Mopi
Santiago Olovate, do Mopi Itanhangá, assiste a vídeo produzido pelo professor de biologia Foto: Divulgação/Mopi

O Colégio Mopi, no Itanhangá, vem testando o modelo nas aulas de biologia desde o início deste ano. Luiz Rafael, professor de biologia e coordenador de projetos da instituição, explica que o método acelera o processo de aprendizagem.

—Damos autonomia para que o aluno seja protagonista do ensino. O professor assume um papel de mediador e orientador, enquanto cabe a ele investigar. Tudo isso tem dinamizado minha aula e feito com que a matéria avance de forma mais rápida. Em cerca de uma semana, consigo dialogar com eles a respeito de assuntos que eu levaria muito mais tempo para expor em sala de aula. Isso acontece porque cada estudante tem seu próprio tempo de aprendizado — explica.

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