Por Paula Resende, G1 GO


Colégio Goyases e Colégio Estadual 13 de Maio foram palcos de tragédias — Foto: Montagem/G1

Pais, professores e alunos estão em alerta após duas escolas serem o palco de tragédias em um intervalo de 15 dias, em Goiás. As mortes de alunos dentro do local considerado seguro trouxeram à tona discussões sobre o bullying e como essas situações de violência são abordadas nos colégios. Unidades de ensino ouvidas pelo G1 contam as ações eficazes adotadas para prevenir e lidar com os problemas.

O primeiro caso ocorreu no dia 20 de outubro, no Colégio Goyases, em Goiânia. Filho de policiais militares, um adolescente de 14 anos matou a tiros dois colegas e deixou outros quatro feridos. Ele alegou ter cometido o ato por ser alvo de piadas maldosas.

Antes mesmo de se digerir o que ocorreu na capital, um ex-aluno de 19 anos invadiu no dia 6 de novembro o Colégio Estadual 13 de Maio e matou uma estudante de 16 anos que não quis manter um relacionamento amoroso com ele, em Alexânia, no Entorno do Distrito Federal.

Apesar do pouco espaço de tempo entre os casos e ambos terem ocorrido em ambiente escolar, o psicólogo criminal e neuropsicólogo Leonardo Faria afirma que, há princípio, não uma relação entre eles.

“São situações que envolvem contextos, idades, e, com certeza, histórias de vida e motivações diferentes”, afirma o psicólogo.

Faria pondera que quando há um fato que causa grande clamor público pode ter outras pessoas que venham a repeti-lo. Além disso, a sociedade replica a violência de forma gratuita e generalizada até mesmo nas redes sociais. Para ele, é um momento de reflexão.

“Todas as situações estão mostrando que alguma coisa não está funcionando bem na sociedade e dentro da família. É um momento de repensarmos qual o papel social de cada pessoa, dos pais, da escola, de quem convive em conjunto com os adolescentes e crianças”, ressalta.

Em busca de medidas para que as escolas fiquem mais seguras, uma audiência pública será realizada a partir das 13h30 desta sexta-feira (17) na Assembleia Legislativa de Goiás. Mãe de uma das alunas feridas no Colégio Goyases, a professora Isabel Rosa dos Santos afirma que a comunidade escolar está sem proteção.

"O perigo em salas e escolas é recorrente, os professores e alunos estão sem nenhuma proteção e cada dia que passa fica pior. Alguns meninos são imponentes e muitos param de estudar porque ficam com receio. A violência dentro da escola é gritante e antiga", afirma Isabel.

Mãe de aluna que ficou paraplégica em ataque em escola convida para audiência pública

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Reconhecer o problema

Para Faria, o bullying se trata de uma violência gratuita, que visa, principalmente, causar humilhação em outra pessoa e veio como resposta a outros tipos de violência. Por isso, é fundamental reconhecê-lo e entender suas causas.

A psicóloga Ranielly Lopes completa que o bullying geralmente dá sinais de alerta. “Perda de interesse repentina, depressão e isolamento social, queda nas atividades acadêmicas, dificuldade de controlar a raiva, conversa de morte ou instrumentos violentos, violência contra animais”, enumera.

Psicopedagoga e coordenadora pedagógica da Escola Modulos trabalham a prevenção à violência desde o maternal — Foto: Paula Resende/ G1

Desde 2011, a Lei nº 9073 determina a inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying em escolas públicas e conveniadas de Goiânia. No país, só em 2016 entrou em vigor uma legislação sobre o assunto.

Com alunos do maternal ao 5º ano do ensino fundamental, a equipe da Escola Modulus, na capital, explica que, antes mesmo da determinação legal, fazia questão de desenvolver a prevenção e o “olhar consciente dos alunos”. Para a unidade de ensino particular, as desavenças precisam ser trabalhadas assim que identificadas.

“É uma série de atos que as pessoas se sentem ofendidas, agredidas, prejudicadas, tem consequências de ações morais e até físicas, dependendo do grau. Assim, precisa ser trabalhado imediatamente”, avalia a psicopedagoga da Modulus, Joana Elida Sousa Godoy Costa.

Professores atentos

Unidade da rede estadual, o Centro de Ensino em Período Integral (Cepi) Garavelo Park, em Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital avalia que o bom resultado na formação do aluno é consequência do empenho de todos os funcionários, da faxineira à diretora, em aplicarem projetos que desenvolvam valores e a autogestão do aluno.

"A maioria tem desejos imediatos, como um celular, a gente trabalha a perspectiva de vida, a formar os jovens para que façam escolhas conscientes, saibam o que querem para a vida”, disse a diretora do Cepi, Rúbia Graciele Borges.

As ações acontecem tanto em aulas específicas quanto na vivência do ambiente escolar. Por atender a alunos do 1º ao 3º ano do ensino médio, a coordenadora do Cepi, Vanda Lúcia Aber, explica que a unidade precisa lidar com conflitos adquiridos ao longo da vida dos estudantes.

"Os meninos chegam com muita carga negativa. Toda hora era aluno chorando por bullying por motivo físico, sexual, religioso, racista. Trabalhamos a abertura para o novo, que há possibilidades para fora do que estão acostumados", disse a coordenadora.

Equipe do Centro de Ensino em Período Integral ensina os alunos a solucionarem os próprios conflitos — Foto: Paula Resende/ G1

Para ambas as escolas, é consenso que os professores são agentes fundamentais para apontar o que precisa ser trabalhado e as principais dificuldades das turmas.

“Os professores precisam estar atentos às mudanças comportamentais. Não deixamos problemas considerado pequenos se tornarem maiores”, afirma a coordenadora pedagógica da Modulos, Alessandra Elias Monteiro.

De livros a rodas de conversa

Os profissionais listam uma série de atividades adotadas no combate à violência. Como a Escola Modulos possui alunos com idade a partir de 2 anos, desde o maternal os livros são inseridos para iniciar o trabalho de prevenção e também para solucionar problemas que a turma venha a enfrentar no decorrer do ano letivo.

Para ajudar a identificar os conflitos, os professores desenvolvem ações como o “correio amigo”. “As crianças enviam cartas para o colega ou profissional que estejam com problema e não tinham coragem de falar. A escola consegue ler nas entrelinhas e os incentiva a resolverem o conflito, a terem coragem de conversar”, explica.

Os procedimentos são similares aos adotados na unidade estadual. Os professores explicam que, após diagnosticarem um problema entre alunos, inserem textos e imagens que abordam a questão em exercícios e provas. Depois, debatem o assunto de forma sutil e os levam a refletir sobre as atitudes.

“Nesse processo a gente ouve o aluno, vamos trabalhando os valores. Se você erra, tem que saber como corrigir”, detalha o professor Alex Basílio.

Caminhar junto com os pais

A proposta é trabalhar lado a lado com a família. Afinal, os alunos são reflexo do contexto em que vivem.

“A criança é reflexo do ambiente que está inserido. Isso vai resultar na construção do caráter e profissionalismo”, ressalta a coordenadora pedagógica da Modulos.

Entre as medidas adotas pela escola particular para esta aproximação com os pais estão informá-los sobre tudo o que acontece na instituição, promover palestras e plantões pedagógicos.

“A gente trabalha a reflexão com a família, não burocratizamos o acesso dos pais à escola. A família precisa ter consciência da necessidade de parar e ouvir a criança. É um processo de troca com o filho”, explica Joyce.

Alunos da Escola Modulus contam como apreendem a lidar com os conflitos diários — Foto: Paula Resende/ G1

O trabalho desenvolvido tanto na escola quanto em casa tem efeito imediato. Segundo o aluno Luís Felipe Moreira, de 11 anos, a conversa o ajuda a entender quando toma alguma atitude errada.

“Já fiz e sofri bullyng, mas no outro dia vi que estava errado e pedi perdão. A gente não faz com o outro o que não queremos que façam com a gente”, disse o menino.

Para os profissionais do Cepi, famílias carentes têm mais dificuldades em compreender a importância de acompanhar o cotidiano dos filhos. Segundo a direção, já houve casos de pais que desejaram retirar os alunos do colégio por estarem “pensando demais”. Porém, os próprios alunos ajudam a mudar a realidade em que vivem aplicando o aprendizado no âmbito escolar no dia a dia.

"É preciso de diálogo com a família. É como uma teia. Os professores olham, sentem, comunicam à coordenação, que entra em contato com o pai ou os alunos mediando o diálogo com as famílias. Levamos os familiares a descobrirem os problemas também. É uma trajetória de confiança. Mudamos famílias”, disse a coordenadora do Cepi.

Superintendente do ensino fundamental da Secretaria Estadual de Educação, Esporte e Cultura (Seduce), Márcia Antunes completa que é necessário humanizar o tratamento aos alunos e instrui-los para a vida.

"Amadurecimento, comportamento ético, solidário em qualquer lugar e não de julgamento. É uma vivência de protagonismo, de preparar a lidar com frustrações, de pensar em soluções. O foco é formar integralmente o sujeito", destaca Márcia.

Respeito

O trabalho desenvolvido no Cepi Garavelo Park é considerado piloto e só foi implantado em 35 das 1.152 escolas do estado. Mesmo assim, Márcia alega que em todos os colégios estaduais os estudantes são estimulados a pensarem em soluções dos problemas e assumir seu papel nas decisões da escola.

Apesar da alegação da Seduce, estudantes ouvidos pelo G1 afirmam que ainda há instituições que preferem ignorar o assunto. Aluna no 1º ano do ensino médio do Cepi Garavelo Park, Kamilla de Oliveira Souza, 16 anos, conta que já sofreu muito por conta de preconceito de colegas em outras escolas.

"Sofri bullying por causa do meu cabelo afro, por ser gordinha, por usar óculos. Já me chamaram de quatro olhos, míope, macaco. Chorava bastante porque não me sentia aceita", contou Kamilla.

Alunas do Garavelo Park apreendem a se impor e respeitar o outro — Foto: Paula Resende/ G1

A estudante afirma que se apoiava nos pais e na igreja para lidar com o bullying. Na nova escola, ela afirma que o assunto é levado a sério e combatido em todo momento.

"Aqui nos ensinam a impor quem somos e a respeitar o outro. No outro colégio fingiam que bullying era uma coisa do mundo e que não existia ali dentro", explica.

Outra aluga do colégio, Sabrina Rodrigues da Silva, de 17 anos, afirma que leva o aprendizado para fora do âmbito escolar. Ela também diz que fica alerta às redes sociais.

"Na internet é ainda mais complicado porque não tem muros e expõem os defeitos para todos. Se estou vendo o que está acontecendo, tento intervir da melhor forma para evitar que tenha uma proporção ainda maior", conclui Sabrina.

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