Por Juliana Cardilli e Ana Carolina Moreno, G1, São Paulo


Aplausos para os agressores, pais omissos e professores desligados contribuem com bullying

Aplausos para os agressores, pais omissos e professores desligados contribuem com bullying

Mudanças súbitas de comportamento e rendimento escolar, se fechar no quarto e agressividade são sinais de que algo pode estar errado com uma criança ou um adolescente – muitas vezes, ele pode ser vítima de bullying na escola. Especialistas ouvidos pelo G1 listaram quatro passos que podem ajudar os pais a identificar vítimas da violência, e até mesmo os agressores.

  1. Ouvir os filhos e inspirar confiança
  2. Atentar para mudanças de comportamento
  3. Conhecer os perfis típicos do bullying
  4. Bullying não é só violência física

Nesta sexta-feira (20), Dia Mundial de Combate ao Bullying, um adolescente que, segundo colegas, era alvo de apelidos e provocações atirou dentro de uma sala de aula em uma escola particular de Goiânia (GO), matando dois alunos.

Veja abaixo aspectos que podem ajudar a identificar se alguém é vítima de bullying, e leia seis passos para o combate eficaz do bullying:

Ouvir os filhos e inspirar confiança

Ouvir os filhos com atenção e rotineiramente é a principal prática que pode ajudar os pais a identificar problemas. A jornalista e escritora Vanessa Bencz, que teve problemas de aprendizagem, sofreu bullying dos colegas e hoje conta sua trajetória em uma história quadrinhos e faz palestras sobre o assunto pelo país, sugere que os pais tenham ao menos uma refeição diária com os filhos – nas quais eles façam perguntas e, mais importante ainda, ouçam o que as crianças e adolescentes têm a dizer. "Os pais têm que ter uma melhor comunicação com os filhos – até entendo que eles julguem e critiquem, falem ‘no meu tempo era assim’. É sensibilizar o olhar, entender que é outra geração, abrir os ouvidos e realmente ouvir o que eles estão falando."

Andrea Ramal, especialista em educação e colunista do G1, também indica uma relação de confiança e diálogo aberto, "com sensibilidade para acolher o filho, sem minimizar a importância de seus problemas, atentos a suas aflições".

"Jamais se deve, em casa, reforçar o comportamento de sofrer calado porque 'todo mundo passa por isso', nem mostrar orgulho porque o filho é ‘o valentão da escola’ e todos o temem." - Andrea Ramal

Cleo Fante reforça que os pais precisam ter uma atenção redobrada com os filhos, não só na observação, mas na orientação. "Conversar abertamente, estar sempre presentes, buscando da escola para ver a relação dos filhos com os amigos, como é a convivência. Não responsabilizar quem é vítima, mas dar apoio."

Vanessa defende ainda que os pais monitorem o que os filhos fazem nas redes sociais – Facebook, Twitter, Instagram e conversas no Whatsapp. E isso vale tanto para identificar quem sofre bullying, quanto quem comete.

"Os pais falam 'não quero entrar, invadir a intimidade do meu filho'. A internet é tão perigosa quanto qualquer rua da cidade. Tem que olhar sim, tem que fiscalizar sim." - Vanessa Bencz

Atentar para mudanças de comportamento

Uma relação de confiança mútua permite, também, que algumas mudanças de comportamento sejam melhor detectadas como indícios de que algo está errado. Veja algumas das alterações mais comuns:

  • Quando a criança evita conversar em casa

Vanessa expica que a criança que é atacada dificilmente vai se abrir com os pais – por vergonha ou muitas vezes até por achar que merece os apelidos.

"Eu me fechei completamente, eu não contava em casa, eu tinha vergonha, eu não queria repetir os apelidos que recebia", diz, sobre a própria experiência. Segundo ela, um dos indícios de que algo pode estar errado é se a criança passa a falar e interagir menos com a família, e a ficar muito tempo trancado dentro do quarto.

“Muitos têm um bloqueio com os pais. Eu mesma tinha bloqueio, tinha medo de irem na escola fazer escândalo e me deixarem mais exposta”.

A professora e especialista em bullying Cleo Fante alerta que "o calar é o mais fatal no bullying". "O silêncio é a pior arma. Quanto mais a vítima silencia, mais infernizam a vida. Quando há a aceitação, agrava mais a situação. Se o apelido não faz efeito, podem partir para a agressão", diz.

  • Quando a criança se torna agressiva

Além do comportamento mais fechado, Vanessa alerta que quem sofre bullying também pode ficar mais agressivo. A criança ou adolescente que sofre o bullying pode passar a reproduzir o que ouve dos colegas com outras pessoas, copiando o comportamento.

“É importante prestar atenção nos comentários quando assiste TV, quando está na internet, comentários pejorativos, mais fortes”.

  • Queda no rendimento escolar e faltas

Queda repentina no rendimento escolar, ausências constantes sem justificativa convincentes, queixas de dores de cabeça e pedidos para ir para casa mais cedo são sinais que devem ligar o alerta nas escolas. “Se isso é constante, não descobre o que é, pode levar à investigação de bullying”, diz Cleo.

Em casa, os pais devem ficar atentos a uma possível resistência dos filhos ao ambiente escolar, que pode acabar gerando relatos de problemas relacionados ao corpo. "A criança reluta em ir para a escola, diz que é chata, que não gosta dos amigos. Tem dores, pesadelos, transtornos alimentares, de sono, ansiedade, transtornos compulsivos, depressivos."

Conhecer os perfis típicos do bullying

Cleo Fante orienta que pais e escolas devem estar ainda mais atentos quando seus filhos se enquadram em determinados perfis que têm maior probabilidade de estarem envolvidos em casos de bullying, seja como vítimias, como agressores ou como a plateia.

  • Crianças diferentes são as vítimas mais frequentes

De acordo com Cleo, as crianças mais tímidas, retraídas, introspectivas ou com baixa autoestima podem correr risco maior de sofrerem intimidação sistemática por parte dos colegas. Além disso, as que não se encaixam em padrões definidos como "adequados" pela sociedade também podem virar alvo com maior frequência.

“Aquelas que são diferentes costumam ser alvo: obesas, muito magras, com manchas, marcas, cicatrizes, que usam óculos, homossexuais, muito sensíveis ou muito irritadas” - Cleo Fante

Ter poucos ou nenhum amigo, ficar sozinho e não se integrar em grupos – seja em trabalhos ou nos esportes – também são comportamentos que devem gerar alerta.

  • Agressores costumam ter problemas com regras

Cleo Fante lembra que os agressores também têm um perfil – costumam estar envolvidos em confusões, desentendimentos, têm problemas com regras e com lidar com frustrações e exercem liderança negativa. “Os pais precisam conversar abertamente, orientar para o respeito nas relações, para a não discriminação, para a tolerância de quem é diferente.”

Identificado o agressor, a especialista em bullying defende uma “responsabilização de acordo a ação cometida. Elas precisam ser chamadas à razão, tanto em casa quanto na escola”.

Vanessa concorda com a necessidade de olhar as duas pontas. “Duas vezes depois de uma palestra um estudante vir conversar comigo e falar que tinha vontade de sair matando as pessoas. A gente não pode só se focar em como identificar a vítima, o agressor também, que pode ter sido vítima antes. É preciso ter o mesmo cuidado que com a vítima”, diz Vanessa.

  • 'Plateia' também é parte do problema

Andrea Ramal alerta para a “plateia” que se forma para as agressões e os cuidados necessários para quem pratica o bullying, pois não é normal se divertir humilhando os outros. “Em torno daquele que agride e daquele que é atacado, costuma haver uma turminha que ri e aplaude. Sem esse sucesso, os agressores costumam desistir. Quando houver alguém sofrendo atos de crueldade, cabe a denúncia."

Bullying não é só violência física

Todas as escolas públicas e privadas do Brasil precisam ter um programa de combate ao bullying, segundo uma lei que entrou em vigor no início de 2016. As instituições precisam "assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (bullying)".

Mas a lei também explicita que tipos de atitudes configuram o bullying, e os pais podem usar a lista como guia para identificar problemas envolvendo seus filhos. Segundo a lei, o bullying também é:

  • verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;
  • moral: difamar, caluniar, disseminar rumores;
  • sexual: assediar, induzir e/ou abusar;
  • social: ignorar, isolar e excluir;
  • psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar;
  • físico: socar, chutar, bater;
  • material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;
  • virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.

O que pode ser feito

Especialistas explicaram ao G1 que, apesar de o bullying já ser um fenômeno identificado nas escolas e estudado nas acadêmicas há 15 anos, pouco ainda se avançou no combate efetivo a esse tema. Um dos motivos é o fato de a solução passar pela mudança da cultura de convivência entre os alunos, que exige um conjunto de diversas estratégias, que podem ser resumidos em seis pontos principais:

  1. Reconhecer a existência do bullying
  2. Conhecer e cumprir a lei de combate ao bullying
  3. Transformar os valores dos alunos
  4. Engajar os professores
  5. Envolver os pais na vida escolar
  6. Não subestimar o cyberbullying

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