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Economia

Ricardo Henriques: ‘É preciso se adaptar ao mundo do conhecimento desde a primeira infância’

Para economista, engajamento das famílias no processo escolar é indispensável

O economista Rircado Henriques
Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
O economista Rircado Henriques Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

RIO - Superintendente executivo do Instituto Unibanco, o economista Ricardo Henriques afirma que um maior engajamento das famílias é imprescindível para as escolas conseguirem oferecer educação de qualidade. As habilidades que a sociedade do conhecimento exige, como didática personalizada e competências sociais e emocionais, demandam participação das famílias e, também, flexibilidade da escola desde a primeira infância. “Precisamos superar uma certa pedagogia ultrapassada que acha normal uma sólida cultura de reprovação, que vê sentido em ter uma aula padrão que não está adequada a cada aluno”. O Instituto Unibanco apoia a gestão escolar em 2 mil escolas públicas de Ensino Médio de seis estados (Pará, Piauí, Ceará, Goiás, Rio Grande do Norte e Espírito Santo), que representam 12% das matrículas neste segmento. Ricardo Henriques destaca a maior preocupação dos jovens com as desigualdades — de gênero, de orientação sexual e racial.

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Qual é a importância do engajamento da família no processo educacional?

Cada vez mais na sociedade contemporânea, a educação é uma combinação entre escola, família e sociedade. Cada vez mais é solicitado aos pais um engajamento no processo de escolarização. Em vários lugares do mundo isso ocorre e, quando isso se dá, nós vemos que a relação de compromisso e vínculo que se estabelece das famílias com a escola aumenta, e muito, o sentido que é dado aos estudantes, crianças e jovens, ao processo de aprendizagem e, portanto, aos vínculos que dali derivam. O Brasil precisa se atualizar. E, para além de todos os desafios que cada um de nós temos, que são muitos — tão maiores quanto maior a nossa desigualdade —, se solicita que os pais participem desse processo, não de modo formal, mas de modo engajado. Isso implica participar na discussão da escola das expectativas de aprendizagem.

O Brasil pode ficar para trás na corrida tecnológica, se não investir em educação? Quais são as habilidades necessárias na nova sociedade do conhecimento?

“Se a gente não conseguir fazer essa atualização de conhecimentos (...) deixaremos parte significativa da juventude num situação de limbo.”

Ricardo Henriques
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Há megatendências em curso, como a globalização, com os mercados cada vez mais integrados; a mudança tecnológica, com a automação e o peso da inteligência artificial; a mudança demográfica, com o envelhecimento da população; a desigualdade crescente no mundo e o papel da sustentabilidade ambiental. Neste cenário, é preciso algo radical: um investimento forte em educação, tanto no cognitivo básico, capacidade de tomada de decisão, pensamento crítico e criatividade, no qual estamos muito defasados; quanto no cognitivo mais avançado, com capacidade de leitura, letramento matemático e leitura de dados. Além disso, as competências sociais e emocionais são fundamentais: capacidade de comunicação, empatia, negociação, adaptabilidade e aprendizagem contínua, o “aprender a aprender”. A gente precisa fazer isso desde a primeira infância. O Brasil de alguma forma driblou várias necessidades do mundo do trabalho, fazendo com que parte da elite, via universidade, se atualizasse no mundo contemporâneo. Mas as dimensões radicais, tão necessárias, de cognitivo avançado, habilidades emocionais e sociais, não eram tão importantes. Para desenvolver isso, preciso que isso se dê em massa.  A reconfiguração do mundo educacional é muito intensa e nenhum de nós, na nossa geração adulta, viveu isso em nossas formações como necessidade de sociedade. Se a gente não conseguir fazer essa atualização de conhecimentos, habilidades cognitivas, sociais e emocionais que o mundo está sinalizando, podemos criar uma situação que melhoraremos, pois a tecnologia tende a fazer o mundo melhorar, mas deixaremos parte significativa da juventude num situação de limbo.

Essa juventude tem uma visão de maior engajamento e de responsabilidade com a sociedade? Vemos muitos coletivos no Ensino Médio, em 2015 e em 2016 houve as ocupações das escolas. O jovem está buscando ter protagonismo neste debate?

A questão do protagonismo é essencial. Vemos uma maior incidência do que em anos atrás dessa ideia de responsabilidade, ou pelo menos uma inquietação quanto às desigualdades que vivemos. O quanto isso vai se transformar em algo concreto e tangível é uma dúvida, mas há um engajamento diversificado. Começamos a ver que os jovens cada vez mais refletem, tomam posições sobre questões como o papel da mulher na sociedade, a identidade de gênero e orientação sexual. Há uma reflexão mais intensa entre os jovens do há alguns anos sobre a questão da desigualdade racial, com um posicionamento identitário forte e dialogado. De alguma forma, a gente desejaria que se desenvolvesse práticas reflexivas mais consistentes e uma projeção mais adequada do futuro. Isso é que dá responsabilidade. Quando você combina essas duas coisas e dá condição para elas acontecerem, você aumenta o sentido de responsabilidade. Vários relatos dos alunos pós-ocupação das escolas foram na direção de descobrir uma escola que eles não conheciam, descobrir o que era a merenda, quanto tempo os colegas levavam para chegar na escola, e atribuir sentido a estar envolvido em aprender. Vários relatos eram de demandas por melhores aulas. Isso em lugares diferentes do Brasil. Parte da juventude pode já estar puxando essa fronteira.

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O desemprego hoje atinge de forma particularmente cruel os mais jovens. Na faixa etária de 18 a 24 anos, a taxa de desemprego chega a 26%. Como atacar esse problema?

As condições de desemprego para os jovens no Brasil estão piorando. Há dois movimentos a serem feitos. O primeiro é a reconfiguração produtiva financeira que o país precisa fazer para gerar outros postos de trabalho. O outro é aprender que, se não fizermos um investimento sólido para uma educação de qualidade para todos, parte da nossa defasagem instalada pode gerar maior dificuldade ainda de dar conta das condições de emprego que se colocarão no futuro. E parece que todas as segmentações que temos são um pretexto para o ensino universitário. Não deveria ser assim. Seria muito importante se a gente reconfigurasse o mundo da certificação. Seria importante já no básico ter a possibilidade de ter trajetórias profissionalizantes. Depois, um pós-médio técnico e um pós-médio tecnólogo, com dois anos de formação. O outro caminho, evidentemente, é o universitário. Esse leque de uma estratégia educacional pública e privada não está configurado. O país vai fazendo vários ajustes, mas nunca um desenho estruturado.

Essa estratégia de criar oportunidades do ensino técnico e tecnólogo é ainda mais relevante em um conjuntura de trabalho tão adversa como nós estamos? É uma estratégia que pode dar respostas mais rápidas em termos de oportunidade de emprego?

Sim. Às vezes a gente acha que soluções que produzem resultados mais rápidos são cristalizadoras, mas pelo contrário. Em uma sociedade tão desigual, seria muito importante ter um Ensino Médio ou pós-médio de qualidade que permitisse uma inserção no mercado de trabalho sem fechar o horizonte desse jovem para depois fazer uma outra formação. A capacidade de uma resposta rápida é muito importante, mas isso não quer dizer que a pessoa vai ficar naquela posição para sempre.

Nesse cenário, o setor privado pode contribuir de forma mais assertiva?

Muito, pelo seguinte: parte do sistema educacional poderia estar com conexões e vínculos mais consistentes com o mundo produtivo. Isso deveria ocorrer no médio técnico e no tecnólogo, no qual acontece no mundo como um todo a intermediação de mão de obra que faz o vínculo das empresas com esse mundo do ensino. Quanto mais a gente tiver articulações com o mundo produtivo, maior a probabilidade do ensino técnico/tecnólogo, inclusive do ensino universitário, darem conta de ter configurações mais consistentes para o mundo do trabalho.

Isso pode ser uma forma de evitar a evasão escolar e o abandono?

Toda vez que você produz mais sentido na educação, você reduz o vetor da evasão. É muito importante que o professor também esteja atualizado que a cultura da reprovação não tem nenhuma eficácia pedagógica e, exercida em sequência, retira o sentido que você poderia estar produzindo. Se você tiver um bom ensino mas associado à cultura da reprovação, você quebra a coluna dorsal disso e aumenta o vetor de evasão. Um dos melhores preditores de evasão é a taxa de defasagem série/idade de um estudante. Vai distanciando a idade, fazendo o conteúdo e o convívio perderem o sentido.

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Os estudantes precisam passar mais tempo na escola?

É incontornável 5 horas de aula. Menos que isso não faz sentido. A gente deve convergir para configurações múltiplas com uma parcela importante dos estudantes com mais tempo de aula, até mesmo integral. Se a escola puder ser em tempo integral, melhor para todos. No entanto, isso não pode ser uma visão de que a qualidade vai estar só na escola integral. O desafio da equidade implica ter qualidade em todas as escolas.