Ricardo Henriques
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Ricardo Henriques

Às transformações da economia mundial, soma-se um processo de automação de atividades laborais, que pode extinguir 85 milhões de postos de trabalho até 2025, segundo o Fórum Econômico Mundial. Associada às mudanças da sociedade do conhecimento, isso significa que haverá menos demanda de habilidades e competências manuais, físicas e de cognição básica, e cada vez mais de leitura e análise avançada de dados, comunicação e negociação, criatividade, empatia e adaptabilidade, entre outras.

Para lidar com esse cenário, os países devem ofertar uma educação focada na capacidade de aprender a aprender ao longo da vida, não mais vinculada a um emprego ou profissão. Uma das estratégias é a diversificação do ensino médio, multiplicando e flexibilizando caminhos que levam à educação superior ou diretamente ao mercado de trabalho.

O Brasil, contudo, vai na contramão. O relatório da OCDE Education at a Glance de 2021 aponta que só 9% dos nossos estudantes do ensino médio estão em áreas de educação profissionalizante, ante 38% de média na OCDE. Além disso, estagnamos em matrículas desde 2018, tendo alcançado apenas 40% da meta contida no Plano Nacional da Educação para 2024.

Há várias razões para isso. Uma delas é a ideia — hoje equivocada — de que se trata de uma formação de segunda classe, um preconceito com raízes históricas. As primeiras escolas técnicas criadas em 1909 por Nilo Peçanha eram destinadas aos “desvalidos da sorte”. Na Constituição de 1937, explicitou-se que o público-alvo eram as “classes menos favorecidas”.

Mas o quadro é hoje distinto. Estudantes desta modalidade possuem, no ensino médio, desempenho superior aos demais na Prova Brasil, Pisa e Enem. Também têm maior empregabilidade e remuneração do que os concluintes do ensino médio regular, como demonstram Sergio Firpo e Alysson Portella no relatório “Indicadores da qualidade dos egressos do ensino técnico”, encomendado pelo Itaú Educação e Trabalho em 2021.

É preciso, porém, lembrar que é ainda um modelo para poucos, e não podemos concluir que esses resultados seriam mantidos ao expandir a Educação Profissional e Tecnológica (EPT). Isso nos leva a dois pontos de atenção. Primeiro, o financiamento para evitar a precarização.

Segundo, o desafio de incluir o itinerário técnico-profissional nas três mil horas do ensino médio regular. A qualidade da implementação será crucial para dar escala com qualidade.

A ampliação e valorização da EPT também dependem de uma mudança de mentalidade dos empregadores. Por exemplo, estudo produzido pelo Social Good Brasil e Fundação Telefônica Vivo, em 2021, revelou que os requisitos das vagas de cientista de dados no Brasil são mais altos que as atribuições previstas para esse profissional, o que impede o acesso de jovens ao emprego e deixa as empresas sem mão de obra. Trata-se de oportunidade para que profissionais de nível técnico possam atender parte da demanda.

Outro ponto relevante é que a formação para o trabalho não pode se limitar mais ao mero preparo de mão de obra. Trata-se de dimensão necessária para o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para a cidadania, como diz a Constituição. É, portanto, parte (mas não tudo) do que se espera da escola. E é também importante ouvir os jovens.

A pesquisa “Repensar o Ensino Médio”, encomendada pelo Todos Pela Educação em 2017, mostra que 78% deles atribuem grande importância para matérias dirigidas à formação profissional e técnica. Esses mesmos jovens (71%), porém, também dão grande importância ao ensino superior.

Em outros tempos, essas demandas soariam contraditórias. Hoje, são conciliáveis. Atualmente, só 30% dos jovens de 18 a 24 anos estão no ensino superior. Logo, precisamos expandir esta formação e, ao mesmo tempo, ampliar significativamente a profissionalizante.

Em vez de estreitar trajetórias, como no passado, a EPT pode ampliar horizontes, garantindo uma formação que facilite o ingresso imediato no mercado de trabalho — se assim for o desejo ou a necessidade do concluinte —, mas sem prejudicar a probabilidade de acesso ao ensino superior.

E, em qualquer dos casos, garantindo a capacidade de aprender constantemente ao longo da vida e se adaptar às múltiplas configurações do mundo do trabalho. O Brasil nunca fez isso. Não será fácil nem imediato, mas é possível, e precisa ser feito.