Ricardo Henriques
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Com apenas 23% da população de 25 a 34 anos com diploma universitário — a média da OCDE é de 47% —, é preciso ainda ampliar a conclusão do ensino superior no Brasil. Tendo 79% das matrículas no setor privado, são fundamentais, entre outras ações, políticas de acesso e permanência dos mais pobres nessas instituições. Nas duas últimas décadas, as mais relevantes foram o ProUni e o Fies, mas seus resultados foram díspares.

Criado em 2004 por uma MP transformada em lei no ano seguinte, o ProUni recebeu críticas de todos os lados. À direita, por prever cotas raciais e sociais antes mesmo da Lei de Cotas, chegou a ser contestado no STF, que determinou sua legalidade em 2012. Parte da esquerda o atacou por entender, equivocadamente, que ele drenava recursos do setor público para o privado. A engenhosidade em seu desenho, porém, estava justamente no fato de comprometer pouco o orçamento do MEC ao estabelecer critérios públicos para concessão de bolsas como contrapartidas de isenções tributárias às instituições. Não houve, portanto, substituição, mas sim complementariedade na expansão das vagas públicas e privadas.

Hoje, seus resultados são positivos. O Censo da Educação Superior mostra que, em 2022, a taxa de desistência do curso no ProUni era de 40%, inferior à de não bolsistas da rede privada (60%) e até mesmo das públicas (52%). Um estudo de 2019 do Ipea (“Avaliação de impacto do ProUni sobre a performance acadêmica dos estudantes”) mostrou que bolsistas apresentavam médias melhores no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes. E o relatório “Efeitos do ProUni sobre a inserção no mercado de trabalho formal”, da Escola Nacional de Administração Pública, mostrou em 2023 que bolsistas que concluíram o superior com ProUni tinham 20% de chance a mais de participação no mercado formal.

Já o Fies é um fundo público de financiamento de mensalidades. Foi criado em 1999, em substituição ao Creduc, programa da ditadura assolado pela inadimplência. Em 2010, foi reformulado com redução de juros e possibilidade de não exigência de fiador. Parecia promissor, mas veio depois um crescimento desmesurado, de 133 mil beneficiados em 2009 para 1,3 milhão em 2014, quase 900% em cinco anos.

O investimento em programas de ensino demanda pragmatismo no desenho, competência na implementação e avaliação regular e criteriosa

Critérios amplos de elegibilidade, sem nota mínima no Enem e permitindo que vários alunos em condições de pagar mensalidades migrassem para o Fies, contribuíram para esse aumento. Se, no ProUni, o perfil dos bolsistas era bem definido a partir do interesse público, no Fies, muitas particulares incentivaram a adesão indiscriminada, sem se preocupar com sua sustentabilidade. Como resultado, o Fies acumulou 1,2 milhão de inadimplentes, o setor público colheu uma dívida fiscal imensa (R$ 54 bilhões), o privado viu investimentos em infraestrutura se transformarem em passivos, e milhões de estudantes se viram sem diploma, com dívidas impagáveis, ao ponto de, em 2023, o governo ter lançado o Desenrola Fies, para renegociar dívidas.

O presidente Lula sempre reitera que a educação precisa ser vista como investimento, e não gasto. Para isso, contudo, é necessário aliar precisão e pragmatismo no desenho, competência na implementação, e um contínuo monitoramento e avaliação — regular e criteriosa — dos resultados, condição incontornável para aferir a qualidade do gasto público. Se o ProUni foi eficiente e eficaz, com crescimento sustentável (de 2009 a 2022, o número de bolsistas variou de 312mil para 451 mil), o Fies foi o oposto, tendo voltado, após o patamar artificial de 1,3 milhão de 2014, a 168 mil beneficiados em 2022.

Há duas semanas, o ministro Camilo Santana anunciou nova versão do Fies, voltado para estudantes com renda familiar per capita de até meio salário mínimo inscritos no CadÚnico (cadastro de programas sociais), com previsão de atender 100 mil alunos neste ano. O foco no grupo mais vulnerável é acertado, mas ainda faltam detalhes do desenho e do esquema de execução para melhor estimar os impactos e entender de que maneira o Fies Social se complementa (ou se sobrepõe) ao ProUni.

Como argumentei na abertura desse texto, os desafios para expansão do ensino superior são imensos, e demandarão várias ações. Entre elas estão a ampliação — com eficiência e mais recursos — de vagas públicas e maior controle de qualidade na expansão do setor privado, especialmente em cursos a distância. E precisamos também identificar a oferta e demanda em áreas estratégicas para garantir que o sistema seja capaz de responder adequadamente aos mais amplos objetivos de desenvolvimento econômico e social do país. Há muito a ser feito.

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