Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Revogue a Reforma do Ensino Médio, presidente Lula!

Bem sei que para tornar possível a sua eleição, fez-se necessário uma série de alianças. Nenhuma delas, contudo, pode custar a morte do futuro de milhões de jovens e adultos deste país

Foto: Evaristo Sá/AFP
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Belo Horizonte, 2 de março de 2023.

Querido presidente Lula,

Escrevo ainda inebriada pelo dia da sua posse. Assim como milhares de brasileiros, viajei a Brasília para ver o senhor subir a rampa do Palácio do Planalto pela terceira vez. Foi um dia emocionante, inesquecível. O dia em que o Brasil reafirmou seu compromisso com a vida, com a justiça e com o fortalecimento da democracia, tão vilipendiada nos últimos anos.

Durante o seu discurso, vi muita gente aos prantos. Era visível que se tratava de um choro aliviado, depois de um período de tanta morte, de tanta dor e crueldade. Quando o senhor disse que era momento de nos reconciliarmos com os familiares que ficaram de lados políticos opostos, uma jovem piauiense logo respondeu: “Isso eu não vou fazer, não!”. Achei graça. Eu a entendo. A mágoa é grande, presidente. Às vezes, eu me pego pensando como tantas pessoas foram capazes de seguir, apoiar, eleger aquele homem que ao longo de todo mandato jamais teve qualquer gesto de humanidade, de respeito ao povo.

Desde que o senhor assumiu a presidência, muita coisa mudou. O senhor nos mostra que não é possível viver sem esperança, que política também se faz com amor e afeto. Eu me sinto respeitada. Já havia esquecido o que era acordar, ler o noticiário e ter essa sensação. É como se tivessem tirado um punhal do meu peito.

Entre os tantos acertos que o senhor teve até agora, preciso destacar a escolha do professor Silvio Almeida para o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Temos que trabalhar para a construção de um país em que a população negra viva com dignidade, ocupe espaços de poder e decisão. Além de ministro, Silvio é também um espelho para meninas e meninos negros. Isso é maravilhoso, revolucionário!

Nos últimos dias, tenho lembrado muito de uma frase que dona Lindu, sua mãe, costumava dizer para o senhor: “Não desista. Teime!”. E é justamente por não desistir de ver a Reforma do Ensino Médio revogada que resolvi lhe escrever. Presidente Lula, esse projeto de destruição da educação pública é mais um resquício do golpe misógino, jurídico, midiático, parlamentar e empresarial sofrido pela presidenta Dilma. Em um ato autoritário, sem consultar educadores, estudantes, especialistas e organizações da sociedade civil, o então presidente Michel Temer instituiu essa infame reforma por meio da Medida Provisória 746/2016.

Passados quase sete anos, ainda guardo as palavras do professor Gaudêncio Frigotto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que no dia da publicação da MP, escreveu: “A Reforma de Ensino Médio proposta pelo bloco de poder que tomou o Estado brasileiro (…) liquida a dura conquista do ensino médio como educação básica universal para a grande maioria de jovens e adultos, cerca de 85% dos que frequentam a escola pública. (…) Esta só visa os filhos da classe trabalhadora que estudam na escola pública. Uma reforma que legaliza o apartheid social na educação no Brasil. [Trata-se de] uma traição aos alunos filhos dos trabalhadores, ao achar que deixando que eles escolham parte do currículo vai ajudá-los na vida”.

A meu ver, não há definição melhor do que essa para nomear o que a Reforma do Ensino Médio significa e representa. É preciso refletir, pensar a quem interessa essa medida que viola a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e aprofunda as desigualdades educacionais. Basta ler os editorais e artigos de opinião publicados nos jornais da mídia hegemônica para perceber quem são os maiores defensores dessa arbitrariedade: representantes da elite financeira, que querem fazer do ensino público um verdadeiro balcão de negócios, destinado a gerar lucro e fornecer mão de obra barata para o mercado de trabalho.

Uma das marcas de suas gestões anteriores é o alto investimento na educação, refletido na construção de mais de uma centena de institutos federais, inclusive em municípios afastados dos grandes centros urbanos. Estes, sim, construídos com a finalidade de ofertar educação em tempo integral, o que não se aplica nas unidades escolares em que a tal reforma já foi implementada.

Como professora da educação básica e pesquisadora dessa área, posso afirmar que em função da falta de investimentos e da política necroliberal adotada no país nos últimos anos, redes de ensino estão sendo sucateadas. Além de problemas de infraestrutura, há ainda a questão da desvalorização e das péssimas condições de trabalho enfrentadas pelos professores. Há também a imposição de um currículo escolar que pouco ou nada dialoga com a realidade dos estudantes e os empurra para fora das escolas antes de concluir os estudos.

Presidente Lula, estamos diante de um processo de negação de direitos, do qual a juventude negra é a maior vítima. Esse projeto de educação proposto pelos privatistas, pelos que fecham os olhos diante da escalada da fome, mas se insurgem contra programas de distribuição de renda como o Bolsa Família, destoa do seu legado, da sua trajetória de luta em favor de uma educação pública de qualidade para todos.

Bem sei que para tornar possível a sua eleição, para retomarmos o sonho de erguer um país mais justo e igualitário, fez-se necessário também uma série de alianças. Contudo, nenhuma delas pode custar a morte do futuro de milhões de jovens e adultos deste país.

Fazendo jus às palavras de dona Lindu e em defesa do direito humano à educação, sigo teimando. Revogue a Reforma do Ensino Médio, presidente Lula!

Deixo o meu maior abraço, com carinho, respeito e a mais profunda admiração.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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