Um dos economistas por trás do programa social mais conhecido do Brasil, o Bolsa Família, Ricardo Paes de Barros é um dos maiores especialistas do mundo em pobreza e desigualdade. Doutor em economia pela Universidade de Chicago, PB, como é conhecido, não é um convencional “Chicago Boy”, ou seja, um economista liberal. Nos mais de 30 anos em que esteve no Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), ele foi responsável por estudos focados em miséria, desigualdade e educação. Já em meados de 2015, sua carreira tomou outro rumo: ele deixou o setor público, onde atuava como subsecretário da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) desde 2011, para se dedicar exclusivamente à pesquisa sobre educação. Desde então, ele é o economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper. Defensor de um sistema educacional mais igualitário, ele afirma que o Brasil é capaz de erradicar a pobreza, mas não consegue diminuir a evasão e a desigualdade educacional. Além disso, explica como a defasagem escolar impacta o mercado de trabalho:

DINHEIRO – De que maneira a crise econômica afetou o sistema educacional brasileiro?

RICARDO PAES DE BARROS – O curioso é que quando se tem uma crise econômica, há um estranho impacto sobre a educação. Por um lado, existem menos recursos e menos dinheiro das famílias, ou do governo para investir na educação. Mas, por outro lado, os jovens ficam menos ansiosos para entrar no mercado de trabalho. Se a saída para o mercado de trabalho e a evasão da escola é causada, justamente, pela atração do mercado de trabalho, em tempos de crise ele fica menos atraente. Então, faz mais sentido terminar a graduação e entrar em um mestrado. Você acaba investindo mais na educação. Como o mercado está ruim, os professores não vão pedir aumento. Então, a educação fica mais barata.

DINHEIRO – Esse comportamento é o oposto quando a economia cresce?

PAES DE BARROS – Quando a economia está superaquecida é mais difícil manter o jovem no ensino médio. Quando há uma economia crescendo muito, ela começa a buscar mão de obra por todo lado. O salário sobe e a escola fica para depois. Na hora da recessão, a pessoa pensa “se eu conseguir emprego, ótimo; caso contrário, continuo na escola”. É o momento em que as pessoas têm mais tempo para estudar. Obviamente que o período é curto. Se a crise continua, as pessoas passam a aceitar qualquer emprego.

DINHEIRO – O Brasil quer entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os baixos índices educacionais podem ser um entrave?

PAES DE BARROS – A OCDE não requer que o Brasil atinja os níveis básicos educacionais. Acredito que a razão pela qual o Brasil não pertença à OCDE seja porque o País mantém certa distância e prefira se alinhar aos países de renda média. O que quero dizer é: o Brasil prefere liderar os países de renda média ao invés de ser o último da fila entre os países ricos. Mas, certamente, temos indicadores educacionais muito piores que todos que pertencem ao grupo. Até o México e a Turquia vão melhor do que nós. Entrar na OCDE não ajudará em nada o Brasil nesse quesito. Agora, o Brasil é um país muito curioso: temos um desempenho muito fraco em educação e não escondemos isso de ninguém. Participamos de todas as avaliações mundiais, temos todos os relatórios e sabemos em todas as casas decimais que estamos mal. É como se fizéssemos questão de ter certeza que a gente sabe.

DINHEIRO – Quais políticas públicas deveriam ser feitas para reduzir esse problema?

PAES DE BARROS – Por que vários países conseguem alcançar a meta e o Brasil não? É preciso separar, talvez, em três questões fundamentais: não há recursos para poder fazer; não sabe fazer; ou não sabe gerenciar os recursos para que seja feito. A questão que se coloca no Brasil é: será que a gente não sabe fazer educação ou não colocamos o esforço para fazer educação? O sistema todo não tem governança? Se olharmos essas questões básicas, o Brasil está se esforçando para gerar educação. Gastamos grandes recursos em educação. O Brasil investe de 5% a 5,5% do PIB em educação. Isso é muito mais quando comparado com outros países. A gente gasta igual ou mais que o Chile em porcentagem do PIB. Então, temos um problema de alocar os recursos, de gerenciar.

DINHEIRO – Se o problema não é dinheiro, significa que não sabemos educar?

PAES DE BARROS – Aí o nosso sistema de monitoramente deixa muito claro. Temos lugares no Brasil que se fizessem parte da OCDE estariam muito acima da média. No Estado do Ceará, a cidade de Sobral, por exemplo, está acima da média dos padrões da OCDE. Temos vários lugares pobres no Brasil, como o Ceará, mas os indicadores no ensino fundamental são melhores que os do Rio de Janeiro. O que se percebe é que existem vários sistemas educacionais no Brasil que mostram que sabemos educar. A evidência é que não falta esforço, não falta gente que saiba fazer educação. O que está faltando, em uma visão macro, é governança. Já decidimos a educação que queremos. Temos pessoas que sabem fazer. Já mobilizamos os recursos para fazer. Por que não estamos fazendo? É porque não temos os incentivos corretos para as pessoas corretas, nas horas corretas. Os bons exemplos de escola, de rede municipal e estadual, estão aí para serem copiados.

Reunião da OCDE, em Paris, na França: o Brasil quer integrar o grupo de países desenvolvidos. O baixo nível educacional não é empecilho (Crédito:Etienne Laurent )

DINHEIRO – A privatização e o modelo de PPP em escolas ajudariam a melhorar o ensino?

PAES DE BARROS – Vários países, como a Holanda e a República Tcheca, caminham cada vez mais para não ter escolas públicas. No fundo, o que queremos é uma escola que seja de boa qualidade e que se uma pessoa quiser colocar o filho dele lá, ele será aceito. O SUS é um exemplo. Se quiser acessar esse sistema, não importa muito se o hospital é público ou privado. Quem vai pagar a conta é o governo. É inevitável que a mesma coisa aconteça na educação. Não tem nenhum sentido o estado ser dono de um bando de escola. Ele tem que estar preocupado em regulamentar a qualidade, garantindo que qualquer criança seja aceita. O papel dele é de regular o preço e o custo que vai pagar, para que não seja alto. No fundo, o Pro-Uni é um pouco isso. A universidade oferece o serviço, o aluno se beneficia, a escola é privada e quem acaba pagando é o governo, na medida em que se tem uma redução dos impostos ou das contribuições sociais que a instituição irá pagar. Então, no futuro, não tem razão nenhuma o estado gerenciar individualmente professores e escolas. A função dele será mais regulamentar a qualidade e garantir o acesso de todos e pagar pelo serviço.

DINHEIRO – A crise educacional do País é mais complexa do que erradicar a pobreza?

PAES DE BARROS – Se olharmos no passado, há 15 anos, o Brasil tinha um índice de pobreza muito alto e um índice educacional fraco. Tudo apontava na direção que íamos ser capazes de resolver o problema educacional e que a pobreza era algo mais complicado, multidimensional, portanto, mais difícil de resolver. O que acabamos mostrando é que fomos inacreditavelmente bem-sucedidos e cumprimos todas as metas de redução da pobreza em uma margem gigantesca e não fomos capazes de cumprir metas básicas do Plano Nacional de Educação, que não parecem ser metas tão ousadas assim. Então, o Brasil demonstrou uma enorme capacidade de combater a pobreza e a desigualdade, que parecem ser problemas mais complexos que o problema da educação. Enquanto isso, caminhamos de uma maneira muito lenta para resolver o problema educacional. É um pouco surpreendente essa característica do Brasil. Como um País que conseguiu enfrentar tão bem a pobreza, a subnutrição, a mortalidade infantil, tem tanta dificuldade de resolver o problema de alfabetização?

DINHEIRO – Então o programa Bolsa Família contribuiu mais para a redução da pobreza do que para combater a evasão escolar?

PAES DE BARROS – Dentro da solução da pobreza do Brasil, o programa Bolsa Família é uma parte pequena do todo. O País fez muito mais em termos de inclusão econômica do pobre. Houve uma inclusão produtiva do pobre, que se engajou nas questões produtivas formais da economia, gerando aumentos salariais fantásticos para os mais pobres. Houve um aumento grande nos pequenos negócios, a renda do trabalhador melhorou. A agricultura familiar e programas apoiaram isso. A política brasileira de combate à pobreza é abrangente e complexa. O Bolsa Família, por conta das funcionalidades, manteve mais a criança na escola. Porém, em termos de aprendizado e até de redução da evasão, teve uma participação pequena.

DINHEIRO – Uma vez o sr. comentou que as escolas no Brasil não oferecem aos alunos de baixa renda oportunidades de ascensão social. Elas, de fato, reforçam as diferenças?

PAES DE BARROS – Esse é um problema bem específico da educação. Todos gostariam de viver em um mundo onde existisse menos desigualdade, mas ninguém pode ser contra a meritocracia. Então, ao final do dia, aquelas pessoas que acabam tendo um desempenho melhor, produzem mais e têm uma vida melhor, financeiramente falando. Temos de ser bastante cuidadosos como toda essa desigualdade aparece. Talvez, ela vá acompanhar essas pessoas a vida inteira. E um dos lugares onde essa desigualdade pode aparecer é na escola. A gente pode argumentar que grande parte da desigualdade que aparece na escola vem do fato de que um aluno estuda mais ou, que talvez, seja mais talentoso que o outro.

Programa Bolsa Família: crianças de Carpina, em Pernambuco, receberam o benefício social (Crédito:Helia Scheppa/JC Imagem)

DINHEIRO – Não é isso que acontece?

PAES DE BARROS – Grande parte da desigualdade que aparece na educação, na verdade, foi criada na educação mesmo à revelia do esforço ou do talento do aluno. Por quê? Porque a família exerce um papel importante nisso. Toda família está preocupada com a educação do filho. Portanto, ela tenta ao máximo que o filho tenha um bom desempenho. Existem pais que têm mais tempo, uma formação melhor, são mais ricos, podem ajudar mais seus filhos que os outros. Então, surge a desigualdade de oportunidade, onde crianças igualmente talentosas, prontas para colocar o mesmo esforço, acabam tendo resultados diferentes, porque vêm de famílias diferentes. Um dos desafios da educação é evitar que isso aconteça. A educação quer, por um lado, que a família ajude o máximo possível as crianças a se engajar. Por outro lado, quer evitar dramaticamente que a desigualdade de uma geração seja transmitida a outra geração através da escola. A solução é relativamente simples, mas nem tão compreendida assim pela escola, que deve aproveitar toda a atenção e dedicação dos pais para, depois, condensar isso de tal maneira que, ao final do dia, todos saiam do outro lado com igualdade de oportunidades.

DINHEIRO – Para que isso aconteça, será preciso reformular o sistema educacional?

PAES DE BARROS – É preciso ser sensível à desigualdade e também ser sensível à diversidade. Tem que perceber que uma escola em um bairro pobre vai precisar de mais recursos que uma escola em um bairro não tão pobre, pois lá ele terá todo o apoio da família. Toda criança em um momento ou outro vai ter uma dificuldade de aprendizado. O que isso requer é uma escola sensível, customizada e que entenda que cada criança aprende de um jeito. Não adianta tentar tratar a educação de forma massificada, porque aí gera desigualdade. Em princípio, não é preciso grandes revoluções.

DINHEIRO – Como essa desigualdade na educação impacta no mercado de trabalho e na economia?

PAES DE BARROS – Isso vai impactar muito mais na desigualdade. Pode ter um sistema educacional que é até conectado ao mercado de trabalho, mas que não presta atenção na individualidade. Ele pode gerar, em média, ótimos trabalhadores produtivos, mas vai gerar uma enorme desigualdade. Uns ficam para trás, outros avançam mais. O que estamos discutindo é muito mais a sensibilidade da escola em não deixar ninguém para trás. Tem mais a ver com gerar desigualdades do que propriamente gerar uma massa de pessoas com alta produtividade. Então, uma coisa é a questão da igualdade, outra questão é qual é a melhor educação que é preciso dar para as pessoas.