Por Carolina Cruz, G1 DF


Aluna em Ceilândia, no DF, Sarah Gonçalves, de cinco anos, mostra tarefa impressa de escola feita durante pandemia — Foto: Arquivo pessoal

Em um ano letivo sem precedentes, estudantes foram afastados do ambiente escolar e universitário por conta da pandemia de Covid-19. Nesse cenário, desafios e debates sobre o ensino à distância marcaram o ano de 2020 no Distrito Federal.

As aulas passaram a ser assistidas em casa, tendo como ferramentas de ensino o que o bolso podia pagar ou o que doações conseguiram proporcionar: papel, lápis e borracha ou um equipamento eletrônico – por vezes, dividido entre toda a família.

Em meio ao turbilhão de novidades e desafios, pais de alunos se tornaram educadores e alguns deles tiveram que aprender para ensinar. Já os professores se reinventaram, para manter a missão de educar e contribuir para o futuro dos estudantes em um horizonte de incerteza.

O direito ao ensino de qualidade e à saúde viraram alvo de conflito na Justiça, desde o início das restrições. O conceito de segurança na educação mudou com o novo coronavírus e tomou conta do debate entre o governo, Ministério Público e os pais – com impactos diferentes na rede pública e privada.

As mudanças de cenário também estimularam novas leis. No fim do ano, o "homeschooling", ensino em casa, foi legalizado no DF.

Relembre os principais acontecimentos na educação em 2020:

Ano letivo piloto

Fachada no Centro Educacional 416 de Santa Maria, no Distrito Federal — Foto: Carolina Cruz/G1

Antes da pandemia, que gerou impactos em março, o ano de 2020 era de expectativa para a implementação e ampliação dos colégios cívico-militares no DF. Além do modelo de gestão compartilhada com a Polícia Militar, que é gerenciado pelo GDF, duas escolas da capital foram selecionadas em projeto piloto para o programa de militarização do Ministério da Educação.

No entanto, mesmo antes da Covid-19, as atividades sofreram atrasos. A previsão inicial era de início já na largada do ano letivo, o que não ocorreu.

À época, o governo federal informou que só enviaria as equipes de militares em abril. Dois meses antes, o grupo ainda nem tinha sido treinado. As escolas foram fechadas antes que eles chegassem.

Pandemia: aulas são suspensas

Escola particular no DF informa sobre suspensão das aulas após decreto de prevenção ao coronavírus — Foto: TV Globo/Reprodução

O ano letivo na rede pública começou em 10 de fevereiro e, um mês depois, foi suspenso. No dia 11 de março, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decretou o fechamento das escolas, incluindo as privadas, por cinco dias, já a partir da manhã seguinte.

O anúncio ocorreu quando a capital registrava apenas dois casos da Covid-19. Na semana seguinte, eram oito infectados na capital.

A suspensão das aulas passou a valer como uma antecipação das férias, com duração de 15 dias. No entanto, a medida foi sendo prorrogada consecutivamente, à medida em que os casos do novo coronavírus disparavam na capital.

Em abril, quando o DF registrava 354 casos, Ibaneis afirmou em um entrevista à TV Globo que as aulas só deviam retornar em junho. Em maio, com mais de 2 mil infectados, a previsão passou a ser agosto. Naquela altura, uma pesquisa apontava que 79% dos pais pretendiam manter os filhos em casa, mesmo se houvesse retomada das atividades presenciais.

Ibaneis diz que pico de Covid-19 no DF será na segunda quinzena de abril

Ibaneis diz que pico de Covid-19 no DF será na segunda quinzena de abril

Retomada à distância

No início de junho, quando a capital registrava mais de 12 mil casos da Covid-19, com cerca de 700 novos infectados por dia, o GDF anunciou um cronograma de volta às aulas de forma gradual na rede pública. A rede privada já tinha autonomia para formar o próprio calendário de ensino, desde que remoto.

O início das aulas, à distância, ocorreu em 22 de junho. A aferição da frequência dos alunos começaria em 29 de junho, mas foi adiada para 13 de julho, para dar mais tempo de adaptação ao novo modelo.

À época, gestores de escolas relataram obstáculos enfrentados para entrar em contato com os estudantes.

“Nós decidimos usar um carro de som nas ruas da Estrutural. Foi muito bom porque temos outras escolas na região e muitos pais nos procuraram afirmando que ficaram sabendo do retorno das aulas por causa do comunicado”, contou a diretora do Centro Educacional 1 (CED1), Estela Accioly, ao G1.

Escolas na Estrutural utilizam carro de som para avisar pais sobre retorno das aulas

Escolas na Estrutural utilizam carro de som para avisar pais sobre retorno das aulas

A comunicação não era o único problema. Parte dos alunos não tinha equipamento eletrônico adequado para as aulas online. Em alguns casos, até os professores também não possuíam a conexão com a internet ideal. Para eles, a Secretaria de Educação manteve a entrega de material impresso e diversos educadores e instituições fizeram campanhas de doações de materiais.

A promessa de internet gratuita, anunciada junto à retomada das aulas de forma remota, em junho, só saiu do papel em setembro. Enquanto isso, a falta de recursos, a necessidade manter o isolamento e, por vezes, a distância entre a escola a casa, se tornaram obstáculos para o ensino.

Algumas famílias precisaram dividir a internet com os vizinhos. Os relatos de dificuldades se concentraram nas periferias da capital.

Debate judicial

Ao autorizar a retomada das atividades não essenciais na capital, Ibaneis permitiu a reabertura das escolas da rede privada a partir de 27 de julho, e da rede pública em 3 de agosto. As escolas chegaram a passar por desinfecção (na foto abaixo).

Escolas Públicas do DF passam por processo de higienização para retorno às aulas presenciais — Foto: TV Globo/Reprodução

No entanto, teve início um debate judicial que atravessou o ano. Ainda em julho, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) suspendeu o retorno das aulas presenciais nas escolas particulares do DF.

O debate judicial abordou a segurança dos professores e alunos. O sindicato que representa os educadores das escolas privadas foi contra a retomada das aulas presenciais, já as empresas recorreram para reabrir os colégios.

Em decisão polêmica, a juíza Adriana Zveiter, do TRT-10, chegou a autorizar a retomada das aulas na rede privada. Ela é sócia de um terreno alugado por uma escola e, após a repercussão negativa da medida, declarou sua suspeição por foro íntimo.

Após audiências de conciliação, profissionais e empresários entraram em acordo para um cronograma de volta às aulas nas escolas particulares, com atividades presenciais a partir de 21 de setembro.

Enquanto a Justiça discutia o destino da rede privada de ensino, o GDF recuou sobre a data da retomada nas escolas públicas, anunciando ensino remoto por tempo indeterminado, decisão mantida até o fim do ano.

Retomada na rede particular

Aulas presenciais nas escolas particulares do DF voltam com poucos alunos e protocolos de higiene, em 21 de setembro — Foto: Brenda Ortiz/G1

Em setembro, quando as escolas particulares retomaram as atividades presenciais, o cenário era bem diferente de antes da pandemia: mesas separadas com distanciamento, marcações no chão, álcool em gel fixados nas entradas e máscaras de proteção.

Os pais que preferiam deixar os filhos em casa puderam continuar o ensino remoto. Os primeiros a voltar foram os alunos do ensino infantil.

"Pediram para que a gente explicasse que eles precisavam ficar com a máscara, que apesar da saudade não era para ficar muito perto dos amiguinhos, para lavarem sempre as mãos", contou Isabela Motta, mãe de Antônio, de 3 anos.

O retorno das aulas presenciais teve baixa adesão em todas as etapas do calendário da rede privada: da 1ª à 4ª série, em setembro; e 6° ao 9° ano e ensino médio, em outubro.

Alunos do ensino médio de colégios particulares retornam às escolas nesta segunda-feira, em 26 de outubro — Foto: TV Globo/Reprodução

Universidade de Brasília

Sonho e abrigo de estudantes brasilienses e de diversas regiões do país, a Universidade de Brasília (UnB) fechou as portas em março, por força de decreto e por segurança. Alunos que recebem auxílio de moradia, como os indígenas, relataram saudade da família durante a quarentena, mas o encontro com os parentes era um risco.

"Eu poderia ser infectado no caminho. Para preservar a vida do meu povo e da minha família, resolvi ficar", contou Iyuri da Costa, 26 anos, aluno do mestrado em Antropologia Social, da etnia Tikuna, que fica na região sudoeste do Amazonas, primeiro grupo indígena a registrar suspeita da Covid-19.

Iyuri da Costa, 26 anos, mestrando na UnB, com o avô, de 105 anos — Foto: Arquivo pessoal

Enquanto o semestre estava suspenso, alunos e professores se mobilizaram em pesquisas. Estudos para medicamentos, produção e doação de equipamentos de segurança à rede pública, monitoramento epidemiológico, entre outros mais de 100 projetos mantiveram a universidade ativa e em prol do combate à pandemia.

A universidade ainda protagonizou parcerias para os testes da vacina contra a Covid-19, além de contribuir na análise de pacientes e métodos de tratamento.

Infectologista Gustavo Romero, coordenador do ensaio clínico da vacina contra o coronavírus no DF — Foto: HUB/Divulgação

Em agosto, Márcia Abrahão foi reeleita reitora da UnB, afirmando que pretende investir em pesquisas, expandir o ensino à distância e planejar, "com cuidado", a volta das atividades presenciais. No mesmo mês, a instituição retomou o semestre, com aulas à distância.

No dia 8 de dezembro, o Ministério da Educação (MEC) estabeleceu em portaria que as instituições de ensino superior retomem as aulas presenciais a partir de 1º de março de 2021.

Por meio de nota, a UnB alegou que vai analisar o cenário epidemiológico para definir cronograma. Segundo a instituição, o MEC permite aulas remotas, em caráter excepcional, caso as instituições constatem "condições sanitárias locais que tragam riscos à segurança das atividades letivas presenciais".

Heróis educadores

Professora do DF cria 'estúdio' em casa para dar aulas durante pandemia do coronavírus

Professora do DF cria 'estúdio' em casa para dar aulas durante pandemia do coronavírus

Diante do cenário de incertezas, educadores também precisaram se reinventar. A professora Maria Erineide Alves Bezerra criou um "estúdio" dentro de casa, no Paranoá, onde mora e dá aulas na Escola Classe 05.

Parte da cozinha da "Tia Neide" se transformou em espaço de gravações e transmissões ao vivo. Luzes, câmeras e cartazes são alguns dos materiais usados por ela (assista no vídeo acima).

Na Asa Sul, o Jardim de Infância 114 Sul venceu o 2º Prêmio Sebrae Lindberg Cury pelo sucesso em manter a comunidade escolar engajada durante a pandemia. Além de incluir videoaulas na plataforma de ensino à distância e atividades impressas, a escola realizava aulas ao vivo, com transmissão pela internet, em três dias da semana.

Escola é premiada pelo trabalho feito na pandemia

Escola é premiada pelo trabalho feito na pandemia

A missão de manter os alunos no estudo também mobilizou militares. Lionel Messi Bueno, de 9 anos, morador do Varjão – na periferia de Brasília – estava com dificuldades para acompanhar as aulas remotas. Em uma redação, ele escreveu que, quando crescer, quer ser bombeiro "para salvar as pessoas e dar uma realidade melhor para os pais". No entanto, não via muito sentido na escola.

O texto acabou chegando ao Corpo de Bombeiros do Distrito Federal. Em outubro, a professora de Lionel Messi, Daneila Luiza de Almeida, proporcionou um encontro entre ele e o sargento Cícero Costa, que conversou com o menino sobre a importância dos estudos.

"Foi incrível. Um monte de bombeiro falou comigo. Até uma bombeira", disse o menino.

Investigações

O campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília (UnB) amanheceu vazio na manhã desta quarta-feira (15); professores e alunos paralisaram atividades contra bloqueio de verbas anunciado pelo governo federal — Foto: Geraldo Bechker/TV Globo

Além da pandemia, denúncias e investigações também marcaram o ano de 2020 na educação do DF. Em julho, em uma decisão inédita, a UnB decidiu expulsar 15 estudantes acusados de fraudar o sistema de cotas raciais para ter acesso ao ensino superior.

As apurações começaram em 2017, quando estudantes da universidade enviaram à reitoria uma lista de supostas fraudes cometidas por cem alunos. Além dos estudantes expulsos, a universidade cassou dois diplomas de fraudadores que já tinham concluído a graduação em direito.

Outro caso que se destacou neste ano foi de denúncias de assédio sexual contra professores de três escolas particulares da capital. As acusações foram publicadas nas redes sociais por ex-alunas. Em maio, três delas registraram ocorrência policial na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam).

Conversa entre professor e estudante. — Foto: TV Globo/Reprodução

Homeschooling

As mudanças no cenário da educação estimularam impactos na legislação do DF. Em dezembro, a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) aprovou a lei que institui o "homeschooling" – ensino em casa – em Brasília. A proposta dos deputados distritais tramitou em conjunto com um projeto de autoria do GDF. O texto foi sancionado 15 dias depois, e vai entrar em vigor em fevereiro.

A lei permite que familiares e responsáveis sejam encarregados pela educação de crianças e adolescentes, ou contratem professores particulares. Quem optar pelo modelo precisa fazer um registro junto à Secretaria de Educação, que vai avaliar os alunos periodicamente.

Defensores do homeschooling alegam que o ensino em casa protege crianças da violência e "sexualização". A organização Famílias Educadoras de Brasília (Fameduc), que reúne entusiastas da modalidade, afirma ainda que "a socialização dos estudantes estaria garantida na família, nos clubes esportivos e na igreja, por exemplo, sem a necessidade da convivência em sala de aula".

Já especialistas em pedagogia que são contrários ao modelo de ensino proposto na lei, defendem que os professores são essenciais para o aprendizado, já que, além do conteúdo, são formados em técnicas e métodos de ensino. Além disso, consideram que a escola, diferente do ambiente familiar e religioso, é o que proporciona o contato das crianças com a diversidade de opiniões, classes e raças – ou seja, uma amostra da sociedade dentro de sala de aula.

Na Câmara, o debate abordou ainda a competência dos deputados distritais em tratar do tema. Parte dos parlamentares alegaram que a norma cria uma nova modalidade de ensino, o que, por lei, só poderia ser deliberada pelo Congresso Nacional por meio de um projeto enviado pelo governo federal. Já a maioria, entendeu que uma legislação local é legítima.

Preparo para 2021

Uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) permite atividades remotas para o ensino básico e superior, público e particular, até o fim de 2021. No Distrito Federal, a adoção de carga horária à distância ficará a critério de cada rede de ensino ou instituição, de acordo com o diálogo entre a comunidade escolar, e com base nos dados da pandemia do novo coronavírus.

A Secretaria de Educação prevê o início do ano letivo de 2021 para 8 de março, com retomada das aulas presenciais na mesma data. Os critérios de avaliação das turmas de 2020 ainda estão sendo discutidos.

VÍDEOS: As mudanças para a educação após a pandemia

Leia mais notícias sobre a região no G1 DF.

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!