Eles desaprenderam

Consequências da pandemia na educação começaram a aparecer em estudos

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colunista convidado
Foto do author Renata Cafardo
Por Renata Cafardo
Atualização:

Parece impossível até de imaginar, mas a pandemia fez crianças desaprenderem o pouco que já sabiam. Tanto se falou e agora começam a aparecer as consequências de um ano de pandemia sem controle, escolas fechadas e ensino remoto insuficiente. Como se esperava, infelizmente elas são trágicas.

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Na última semana, três estudos mostraram os números de um país que não priorizou a educação e permitiu que desigualdades se aprofundassem. Mais de 5 milhões de crianças e adolescentes ficaram fora da escola em 2020 no País, ou seja, ou nem estavam matriculadas ou sequer fizeram uma atividade, segundo estudo do Unicef e do Cenpec.

Um número assim só era registrado 20 anos atrás no Brasil. Ao longo desse período, esforços durante os governos Fernando Henrique e Lula fizeram com que quase todas as crianças brasileiras, ao menos até o fim do fundamental, estivessem na escola. Crucial para isso foi o mecanismo criado – antigo Fundef e hoje Fundeb – que atrelou o financiamento da educação a cada aluno matriculado. 

O mais devastador é que quase a metade desses 5 milhões fora da escola são crianças pequenas, de 6 a 10 anos. Crianças que mal aprenderam a ler e a escrever. E pode ser que não aprendam nunca, se não se investir em políticas como a busca ativa, que identifica os evadidos e faz de tudo para que voltem para a escola.

Aula durante a pandemia do novo coronavírus Foto: Werther Santana/Estadão

E aí vem outro problema. Na maioria dos Estados e cidades do País, a escola ainda não está lá para que se volte a ela – fisicamente. Permanece fechada pela pandemia descontrolada ou por falta de dedicação dos governos em tratá-la como essencial. Nesses casos, essas crianças precisariam ser incentivadas a se engajar no ensino remoto, receber chips para celulares, ter ajuda para usar a tecnologia ou mesmo para preencher materiais impressos, já que seus pais muitas vezes são analfabetos. 

Parece muito e, de fato, é muito. Por isso que especialistas defendem tanto que a escola seja aberta. Mesmo em Estados como São Paulo, que deixaram a educação fechada por menos tempo em comparação a outros, os resultados já são dramáticos.

O estudante que está hoje no 5.º ano sabe menos de Matemática do que sabia quando foi testado no 3.º ano. Em Português, a nota agora foi levemente melhor do que há dois anos. As provas foram feitas pelo Estado no começo deste ano e comparadas as de 2019. Estima-se que vamos precisar de 11 anos para os alunos chegarem ao desempenho de antes da pandemia.

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Outro estudo, realizado por pesquisadores da Universidade de Zurique com estudantes paulistas, mostrou que durante a pandemia eles aprenderam só 27,5% do que ocorreria em aulas presenciais. E o risco de abandono da escola aumentou em 300%. 

Mais uma vez, estudantes pretos, pardos, os que estão em escola de bairros pobres e as meninas foram os mais prejudicados. Um alento: em cidades onde a volta foi autorizada em novembro, o impacto sobre aprendizagem foi menor. 

Esses resultados são só de São Paulo. O Brasil pode ficar no escuro, sem saber o impacto da pandemia se o Ministério da Educação (MEC) não fizer este ano o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). O governo Bolsonaro não confirmou até hoje a prova e tem esvaziado o órgão que cuida dos exames, tirando técnicos e responsabilidades. 

Há estratégias para que o País tente recuperar a aprendizagem de meninos e meninas. Mas o entrave é político e ideológico. É emblemático que, na mesma semana em que esses dados eram revelados, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, dizia em um evento que “um menino de 9 anos no Brasil não sabe ler e sabe colocar camisinha”

* É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)