Brasil

Relatório mostra que, em 2021, Brasil foi país em que mais se matou pessoas trans no mundo

No ano passado, 140 transexuais e travestis foram vítimas de homicídio. Segundo ranking mundial, 38% desta população são assassinados no Brasil
Mulher trans é vítima de assalto e homofobia enquanto trabalhava no Centro de Niterói. Joyce Silva, de 25 anos, foi agredida enquanto fazia programa no Jardim São João. Foto: Thiago Freitas / Agência O Globo. Foto: Thiago Freitas / Agência O Globo
Mulher trans é vítima de assalto e homofobia enquanto trabalhava no Centro de Niterói. Joyce Silva, de 25 anos, foi agredida enquanto fazia programa no Jardim São João. Foto: Thiago Freitas / Agência O Globo. Foto: Thiago Freitas / Agência O Globo

Pelo menos 140 pessoas trans foram assassinadas no Brasil só em 2021, sendo 135 travestis e mulheres transsexuais e cinco homens trans e pessoas transmasculinas, segundo o dossiê “Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021” , divulgado nesta sexta-feira, 27, pela  Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra).

De acordo com o relatório, no ano passado, houve 35 assassinatos a menos do que 2020, mas o número ainda é considerado alto. A média de assassinatos entre 2008, ano em que o levantamento de casos começou começou, e 2021, é de 123,8. Só entre 2017 e 2021, 781 pessoas trans foram assassinadas. O trabalho teve coordenação, pesquisa e análise de Bruna Benevides.

“A cada 10 assassinatos de pessoas trans no mundo, quatro ocorreram no Brasil. [...] O projeto de pesquisa Trans Murder Monitoring (TMM) monitora, coleta e analisa sistematicamente os relatórios de homicídios de pessoas trans e com diversidade de gênero em todo o mundo. Desde o início do levantamento, o Brasil tem sido o país que mais reporta assassinatos de pessoas trans no mundo. Do total de 4.042 assassinatos catalogados pela TGEU, 1.549 foram no Brasil. Ou seja, sozinho, o país acumula 38,2% de todas as mortes de pessoas trans do mundo”, diz o relatório. Atrás do Brasil no ranking de países que mais matam pessoas trans no planeta, estão México e EUA.

A modelo trans Alice Felix foi vítima de agressão em 2020. Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo
A modelo trans Alice Felix foi vítima de agressão em 2020. Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo

O estado onde mais morreram pessoas trans no ano passado foi São Paulo, seguido da Bahia e do Rio de Janeiro. 25 pessoas foram assassinadas em SP, 13 na Bahia e 12 no RJ. Apenas Roraima e Tocantins não registraram assassinatos de pessoas trans. As considerações do relatório chamam a atenção para a subnotificação desses assassinatos seja por falta de informações sistematizadas nos estados, subnotificação estatal ou apagão de dados públicos.

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A idade média das vítimas é de 29,3 anos. Mais da metade tinha entre 18 e 29 anos. O dossiê informa que 40 vítimas  de 2021 não tinham qualquer dado sobre idade. 81% eram travestis ou mulheres trans pretas e pardas.

“Quando analisamos o perfil das vítimas, a idade se torna um dos principais marcadores. Tanto pela preocupação do quanto a juventude trans vem sendo assassinada cada vez mais cedo, quanto pelos impactos nas futuras gerações. O total de vítimas menores de idade nos últimos cinco anos somam 27 casos ou 5,6% das 483 fontes que trouxeram informações sobre a idade das vítimas. Sendo 26 pessoas transfemininas e 1 pessoa transmasculina”, aponta o documento.

Violência e exclusão social

De acordo com a Antra, estima-se que 13 anos de idade é a média em que travestis e mulheres trans são expulsas da casa da família. Isso torna essa população  mais vulnerável e exposta a todos os tipos de violência, além de ser uma porta para a entrada na prostituição. Segundo o dossiê, 78% das pessoas trans e travestis assassinadas em 2021 eram profissionais do sexo.

Vulnerabilidade social empurra muitas mulheres trans e travestis para a prostituição Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Vulnerabilidade social empurra muitas mulheres trans e travestis para a prostituição Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Além da exclusão familiar, pessoas trans e travestis ainda sofrem exclusão escolar: segundo dados do Projeto Arco-Íris/Affro Reggae,  apenas 0,02%  estão na universidade, 72% não possuem o ensino médio e 56% o ensino fundamental. Esses números mostram de forma mais clara  a dificuldade da inserção de trans e travestis no mundo corporativo.

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“Apesar dos esforços e de uma leve mudança no cenário geral, a inclusão de pessoas trans ainda é um desafio no mudo corporativo, e existem diversas barreiras para a inclusão, a garantia de permanência e possibilidade de sucesso para pessoas trans serem contratadas ou continuarem empregadas”, diz o relatório.

Lgbtfobia

De acordo com o relatório, 27% dos suspeitos eram pessoas conhecidas ou que mantinham algum relacionamento com as vítimas. Os outros 73% sequer tiveram algum tipo de proximidade com elas, evidenciando que a motivação dos crimes na maioria das vezes é a lgbtfobia.

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“A tentativa de associação do desejo e o controle patriarcal da sexualidade têm sido usados de forma recorrente nos casos de assassinatos de travestis e mulheres trans como tentativa de imputar estigmas negativos à vítima e justificar o ódio pós gozo da morte pelos algozes, como se isso fosse justificável. É comum a palavra dos assassinos ser utilizada para obstruir, ou enfraquecer o indiciamento ou julgamento por se apresentarem como ‘senhores de bem’”, informa  o dossiê.