Brasil

Relator abre Fundeb para escolas privadas apenas na educação profissional, contrariando pleito do governo

Executivo queria que instituições sem fins lucrativos, incluindo as ligadas às igrejas, tivessem acesso a fundo público para o ensino fundamental e médio regular
Sala de aula do ensino fundamental do Colégio Pedro II Foto: Divulgação / Agência O Globo
Sala de aula do ensino fundamental do Colégio Pedro II Foto: Divulgação / Agência O Globo

BRASÍLIA— O deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) apresentou nesta segunda-feira o relatório preliminar de regulamentação do Fundeb, fundo de financiamento da educação básica. O texto não atende ao principal pleito do governo do presidente Jair Bolsonaro. O Executivo quer que o fundo possa ser repassado a escolas privadas sem fins lucrativos, incluindo as confessionais, ligadas a igrejas, em todas as etapas da educação básica. O relatório abre essa possibilidade, mas apenas para a educação profissional técnica no ensino médio.

Hoje, o Fundeb só pode financiar alunos em escolas privadas nas etapas em que há deficit de vagas na rede pública: creche, pré-escola, educação especial e educação do campo. Essa previsão permanece no relatório, com a inclusão da educação profissional técnica atrelada ao ensino médio.

O governo queria abrir o Fundeb também para escolas privadas sem fins lucrativos do ensino fundamental e médio regulares, conforme revelou o GLOBO . Líderes religiosos chegaram a se encontrar com o presidente Jair Bolsonaro para apresentar o pleito.

O deputado Felipe Rigoni disse que há "várias forças contrárias e a favor", ao comentar as pressões do governo e de parlamentares em relação ao tema, e explicou que a proposta iria canalizar recursos de municípios mais pobres para os mais ricos, que contam com redes maiores de instituições privadas.

— O que mais me fez não colocar (a abertura para o ensino fundamental e médio) é o ponto redistributivo. A gente realmente teria uma questão redistributiva séria nos primeiros anos — disse Rigoni, acrescentando: — Isso foi conversado com o governo e, até segunda ordem, está tudo certo.

O Fundeb precisa ser regulamentado até o fim do ano para viabilizar o repasse de recursos para as redes em 2021, caso contrário, pode haver um apagão no financiamento da educação básica no país. O governo pede pressa para ter "tempo hábil" para adequar sistemas do Tesouro Nacional e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) a fim de operacionalizar os repasses.

Com a demora, por conta das eleições e da pandemia, que diminuíram os ritmos dos trabalhos no Parlamento, o governo já cogita fazer a regulamentação por Medida Provisória (MP). Rigoni, por sua vez, faz uma previsão otimista, de que o tema possa ser votado ainda nesta semana na Câmara. Depois, terá de passar pelo Senado.

REGULAMENTAÇÃO INCOMPLETA

Indicadores criados na emenda constitucional do novo Fundeb ficaram de fora da regulamentação por conta do prazo apertado. São três os principais fatores que já poderiam ser aplicados em 2021, mas serão definidos posteriormente pela necessidade de se ter um texto menos detalhado devido ao prazo apertado: nível socioeconômico (para priorizar com repasses maiores as redes com alunos mais vulneráveis), indicador de disponibilidade de recursos vinculados à educação (para que a complementação da União considere todo o dinheiro atrelado ao setor, e não só o da cesta do Fundeb) e o potencial de arrecadação tributária de cada ente federado (para premiar municípios que são eficientes na tarefa de arrecadar).

Rigoni destacou que há uma série de discussões ainda em curso sobre como definir os cálculos desses indicadores e que seu relatório traz os princípios gerais a serem seguidos. Os dados e métodos, porém, deverão ser estipulados com estudos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A aprovação final ficará a cargo da Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade.

Haverá ainda, conforme o relator, uma revisão do Congresso, no ano que vem, sobre essas novas metodologias. A Comissão Intergovernamental, que já existe, terá composição, de acordo com o relatório, de cinco representantes do Ministério da Educação, um do Inep, cinco indicados por secretários estaduais de educação e cinco indicados por secretários municipais de educação.

As condicionalidades de melhoria de gestão e os resultados educacionais — indicadores que servirão para distribuir, a partir de 2023, 2,5 pontos percentuais da complementação da União — também ainda serão regulamentados.

Especialistas ponderam, de um lado, que o tema é difícil de ser detalhado dentro de um prazo tão apertado para regulamentação, mas, por outro, apontam as dificuldades decorrentes da postergação de pontos importantes.

— Mesmo no caso dos indicadores ligados à aprendizagem, que só começam a valer em 2023, as redes escolares precisam saber, com antecedência, o que será cobrado delas para poderem se preparar para obter esses recursos — diz João Marcelo Borges, pesquisador associado da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em educação.

Ele lembra que a emenda constitucional do Fundeb, apresentada em 2015, levou cinco anos para ser aprovada, o que ocorreu nas vésperas do atual fundo perder a validade, em dezembro de 2020, e questiona se o Congresso terá disposição em se debruçar sobre outros itens que ainda dependam de regulamentação. Além disso, ele destaca que o governo não contribuiu na discussão da criação do novo fundo, o que também atrapalhou a evolução do tema no Parlamento:

— A demora do Congresso levará a um Fundeb fragmentado, incompleto nesse primeiro momento. E cabe nos perguntar se a postergação do debate sobre o Fundeb não impedirá que o Congresso enfrente outras pautas, como o Sistema Nacional de Educação, a conectividade.

Rigoni negou que, sem essas definições, o Fundeb já chegue "desidratado" em 2021, ponderou que já estava previsto que algumas definições ficassem para depois, mas reconheceu que o fundo será "potencializado" quando todos os aspectos estiverem regulamentados.

O deputado deu exemplos de avanços já trazidos em seu relatório, como a definição geral de algumas condicionalidades para receber a complementação de 2,5 pontos percentuais, prevista a partir de 2023, a partir de resultados. Um dos pontos previstos é ter diretores de escolas escolhidos por "critérios técnicos de mérito e desempenho". O outro é ter lei sobre a distribuição de parte do ICMS em função de metas na educação, a exemplo do faz o Ceará, considerado exemplo na área.

— Justamente para termos diretores que entendem de educação, capacitados para gerir uma escola. Para de fato termos resultados e pararmos de ter indicações políticas dos diretores de escolas. As redes educacionais que quiserem receber, nos estados dessas redes já terá que ser aprovada a lei sobre a cota-parte do ICMS de acordo com o resultado da gestão — explicou Rigoni.

Líder de Relações Governamentais do movimento Todos pela Educação, Lucas Hoogerbrugge, considera que os conceitos gerais dos indicadores, como disponibilidade de recursos e nível socioeconômico, já trazem uma boa delimitação. Ele afirma também que o relator acertou ao definir para 2021 a revisão dos critérios, por parte do Congresso, que serão definidos na Comissão Intergovernamental. Na redação original do projeto, muitos prazos tinham sido colocados até 2022.

— Foge do ano eleitoral (em 2022), do último mandato dos deputados, e dão a previsibilidade às redes educacionais que vão saber as regras para se organizarem o quanto antes — afirma Hoogerbrugge.