Antônio Gois
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Antônio Gois

Um espaço para debater educação

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Antônio Gois

Jornalista de educação desde 1996. Autor dos livros 'O Ponto a Que Chegamos'; 'Quatro Décadas de Gestão Educacional no Brasil' e 'Líderes na Escola'.


Depois de nove dias navegando no Sisu (Sistema de Seleção Unificada) em busca de uma vaga no ensino superior, estudantes de todo o Brasil saberão amanhã – segundo o cronograma do MEC – o resultado final do processo. Criado em 2010, o sistema teve o mérito de ampliar oportunidades de ingresso num curso universitário a partir da nota no Enem. Mas há pontos relevantes de atenção, conforme revelam estudos recentes.

Antes de tratar deles, é importante destacar seus méritos. Até sua criação – que aconteceu em conjunto com a reformulação do Enem -, estudantes precisavam se matricular em vários vestibulares isolados para aumentar suas chances. Os meses de novembro a janeiro concentravam um calendário insano de exames e os mais pobres eram ainda mais prejudicados, pois nem sempre havia isenção de taxa de inscrição. Para concorrer a uma vaga em outro Estado, era necessário viajar para fazer a prova. Para piorar, a escolha das carreiras, em geral, era feita antes de o aluno saber seu desempenho final.

Com o novo modelo, a partir de uma única nota do Enem, o estudante monitora pelo Sisu, em tempo real, a lista de cursos de 128 instituições públicas de todo o país que o aceitariam com aquela pontuação, podendo mudar sua opção de acordo com as chances de ingresso. Foi um avanço em relação ao modelo anterior, mas logo surgiram efeitos colaterais. Um dos primeiros observados foi o fato de cursos muito concorridos em universidades longe dos maiores centros urbanos terem suas vagas ocupadas quase completamente por alunos de outros Estados. Para amenizar o problema, algumas instituições passaram a adotar um bônus regional na nota dos que residem na mesma unidade da federação.

Em vez de diminuir desigualdades, o Sisu poderia ter acirrado ainda mais elas caso não houvesse, ao mesmo tempo, uma exitosa implementação das políticas de cotas em universidades federais, conforme demonstra um estudo da pesquisadora Ursula Mello.

A rigidez do sistema na hora de selecionar por qual tipo de cota o estudante elegível pretender disputar uma vaga, no entanto, gera também problemas, conforme observado por Inácio Bó e Adriano Senkevics em artigo publicado neste ano. Os autores identificaram no Sisu de 2019 cerca de 10 mil “reprovações injustas”. São cotistas que ficaram de fora mesmo tendo notas superiores aos não-cotistas. Isso acontece porque, em algumas situações específicas, a nota de corte para cotas pode ser maior do que na ampla concorrência. Na prática, o estudante sai prejudicado por uma política pensada em beneficiá-lo. Bó e Senkevics sugerem mudanças no processo que poderiam diminuir esse risco.

Outro ponto de atenção ao Sisu foi observado em estudo preliminar de Daniel Castro, citado há duas semanas na coluna de Ricardo Henriques no Globo. Ele mostrou que, de 2017 a 2022, cresceu de 462 para 19.106 o número de vagas públicas que ficaram ociosas no Sisu. Esse fenômeno pode estar relacionado à queda no número de inscritos, aos efeitos da pandemia, mas também a uma maior dificuldade de alunos de menor nível socioeconômico de navegarem pelo sistema, levando-os a escolhas pouco competitivas ao final do prazo de inscrição.

Diante dessas evidências, é necessário um olhar atento do novo governo a esses e outros gargalos do Sisu, de modo que os alunos mais pobres - que já saem em desvantagem na disputa por terem tido piores oportunidades educacionais - não sejam ainda mais prejudicados.

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