Por Bárbara Muniz Vieira, g1 SP — São Paulo


Funcionários e alunos do Centro de Educação Infantil (CEI) Vera Cruz, na Zona Leste da capital paulista. — Foto: Divulgação/Secom/PMSP

A capital paulista tem 595 crianças aguardando uma vaga em creche específica, de acordo com o último relatório divulgado pela prefeitura. Os dados se referem aos pedidos de vaga de outubro a dezembro de 2021. Porém, pais ouvidos pelo g1 que procuraram vaga neste mês sem ter solicitado uma determinada unidade também estão na lista de espera.

Apesar de a prefeitura afirmar que zerou a fila por creche pelo segundo ano consecutivo, por meio de parcerias com 60 novas Organizações da Sociedade Civil (OSCs), implantação de novas unidades e ampliação de unidades já existentes, o g1 localizou crianças na fila por uma vaga tendo ou não demanda por uma unidade específica.

Geralmente a demanda por uma vaga específica acontece quando os pais preferem aguardar por uma creche mais próxima da residência, já que a distância pode ser um impeditivo na logística do dia a dia. Nesses casos, a prefeitura oferece Transporte Escolar Gratuito (TEG) para alunos que morem a pelo menos 1,5 quilômetro da creche ou a 2 quilômetros de distância da escola.

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Porém, conforme o g1 já mostrou, muitos alunos ainda não tiveram acesso a este benefício, apesar de atender aos requisitos (confira outros casos abaixo).

Nesta terça-feira (15), a Secretaria Municipal da Educação ofereceu vagas em creche e transporte gratuito para os casos citados nesta reportagem.

Um exemplo de criança que aguardava na fila por uma vaga em creche não específica na manhã da terça-feira (15) era o de Sofia, de 9 meses, filha da auxiliar de escritório Paula Bezerra da Silva Souza, de 26 anos. Paula fez o pedido da vaga no início do mês e recebeu a informação de que não havia vaga em nenhuma unidade, mesmo que fosse longe do endereço de referência dela, no Jardim Myrna, Zona Sul da capital.

"Não somos nós, mães, que escolhemos a creche para nossos filhos. Eles informam que a vaga pode sair em uma creche de 1,5 km a 2 km do endereço de casa. Quando sai a vaga, se a mãe tem dificuldade com o local, tem de pedir transferência para uma creche mais próxima, mas aí entra na fila de espera novamente. Aí é mais demorado ainda. Mas só consigo fazer esse processo de transferência depois de sair a vaga e nem isso consegui ainda", afirma.

Paula está por dentro do sistema de busca de vagas porque o filho mais velho, Iago, estava matriculado em uma creche até o ano passado. Neste ano, Iago foi para uma Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) na Zona Sul. A mãe afirma que tem pago R$ 120 mensais pelo transporte particular do menino para a escola, que fica a 1,5 km do endereço de referência da família.

Iago não tem direito ao transporte gratuito porque a distância entre a casa dele e a escola precisaria ser superior a 2 quilômetros. Mas mesmo alunos que se encaixam nos critérios não têm conseguido acesso ao benefício e precisam pagar pelo transporte escolar.

Já Natália Reis estava ansiosa para colocar os filhos na creche porque precisa trabalhar e não tem com quem deixar as crianças. Ela já tinha conseguido vaga no CEI Profª Eliana B. de Mello, no Jardim Peri, na Zona Norte, que seria inaugurada neste semestre. Na sexta-feira (11) porém, Natália foi informada que a creche ainda não seria aberta.

"Eu liguei, e eles falaram que não têm previsão, que o engenheiro foi lá ontem, e eles enviaram alguns documentos e estão esperando retorno", afirma.

De acordo com a Secretaria Municipal da Educação, a demanda por uma creche determinada não está relacionada à falta de vagas na rede ou à espera para utilização do transporte escolar, pois, nesses casos, os responsáveis pelas crianças optaram por esperar atendimento por uma creche específica, mesmo já tendo sido oferecido atendimento em uma unidade próxima ao endereço informado em cadastro, e que foi recusado por parte dos responsáveis.

Não foi o caso de Paula, que não estava na fila por uma unidade específica e só conseguiu uma vaga para Sofia depois que o g1 entrou em contato com a pasta, na terça.

"A criança S.S.S. [Sofia], possui vaga disponibilizada para o CEI Jardim Três Corações. A responsável foi informada sobre a vaga. Sobre o caso da criança I.S.G. [Iago], o estudante citado possui matrícula ativa na EMEI - Maria Eugenia Fakhoury, que fica a 1.461 metros do endereço cadastrado em sistema e não se enquadra ao Programa de Transporte Escolar Gratuito (TEG)", respondeu a secretaria às 20h25 de terça.

Sobre o CEI Prof Eliana B. De Mello, a secretaria informou que "a unidade passou por vistoria para funcionamento e já iniciará o atendimento das crianças ainda nesta semana. As famílias serão avisadas".

Por telefone, a prefeitura afirmou na semana passada que a fila para as vagas de creche são para unidades determinadas e que há vagas em outras unidades, mas que, por lei, alunos de creche não são obrigados a frequentar as aulas.

O acesso à escola pública e gratuita próxima da residência, porém, é previsto em lei (Art. 54, parágrafo V) pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que assegura, ainda, atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 5 anos de idade (Lei nº 13.306, de 2016), de acordo com Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em Direitos Humanos e da Infância e Juventude e membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

“O período de creche e pré-escola é essencial na proteção da criança, na formação da personalidade delas e na educação. O direito à creche e pré-escola está garantido no Estatuto da Primeira Infância, na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente”, afirma.

Os gestores que não garantem o acesso ao ensino, conforme a lei, devem ser responsabilizados por meio de ações de improbidade que podem gerar multas, afastamento e até perda do cargo público, de acordo com Alves.

“Além disso, pais, mães e responsáveis precisam que as crianças fiquem nas creches e pré-escolas para que possam trabalhar ou mesmo para procurarem empregos ou fazer serviços como autônomos.”

“Diante da crise atual, o atendimento nas creches e escolas é ainda mais importante. Muitas crianças dependem da alimentação escolar para não passar fome. Além disso, estando nas creches e escolas, estão protegidas de riscos nas ruas ou mesmo nas casas, de violências e acidentes. E devem ficar próximas de suas residências, para terem facilitada a ida e volta das creches e escolas”, afirma.

A Secretaria Municipal da Educação respondeu, através da Lei de Acesso à Informação (LAI), que as famílias podem indicar um Centro de Educação Infantil (CEI) preferencial, que se tornará a primeira opção para o encaminhamento.

Não havendo vaga nessa unidade, o sistema verificará a disponibilidade de vaga em todos os CEIs em um raio de até 1,5 km de distância do endereço cadastrado (nos casos de crianças em idade de berçário) e até 2 km para os demais agrupamentos (Instrução Normativa SME nº 42, de 28/10/2021).

Ensino Fundamental

A dificuldade em obter o benefício do transporte gratuito não se restringe a alunos de creches. Conforme reportagem do g1, alunos de todas as séries da rede municipal têm tido problemas.

É o caso de Lucas, de 4 anos, filho da analista de e-commerce Larissa Araujo Chiquinato, de 29 anos. Ele foi matriculado neste ano na Emei Professor Enio Correia em Lauzane Paulista, Zona Leste. A escola, porém, fica a 2,3 km do endereço de referência da família, e Larissa solicitou o transporte.

"Eu estava solicitando TEG e soube que não tem fila, porém eles têm regras e não liberaram o transporte para o Lucas apesar de ele estar dentro dos critérios: ter de 4 a 12 anos e morar a mais de 2 km da escola em uma rota calculada a pé. Fiz o cálculo e rota mais próxima a pé, deu 2,3 km, mas mesmo assim não liberaram. Disseram que deu menos de 2 km porque calcularam a rota em linha reta. Pedi para calcularem de novo, mas ninguém me deu atenção e ficou por isso mesmo", afirma.

Sem a gratuidade do transporte, Larissa precisou pagar transporte particular para o filho. Ela também não encontrou vaga em uma escola mais próxima de casa.

"Estou pagando perua particular porque é longe, contramão para mim e não tinha vaga em escola mais próxima, além de ser longe da escola do meu outro filho. É bem difícil. Ele está indo para a escola porque estou pagando, mas foi negado o transporte público a que ele tem direito", afirma.

Larissa afirma que paga R$ 200 mensais pelo transporte particular, uma quantia que faz falta no orçamento da família, de acordo com ela.

"Era para ser R$ 180, mas como só tem meu filho nessa escola, o perueiro ainda me cobra R$ 20 a mais mensais porque é longe e contramão. Esse dinheiro faz falta porque tenho duas crianças. O meu mais novo usa fralda e é asmático, então gasto com remédio, bombinha", afirma.

Em nota, a prefeitura afirmou que, referente ao caso de Lucas, "foi constatado inconsistência no endereço cadastrado no sistema EOL, que foi corrigido. A criança possui direito ao TEG e já está registrada. Orientamos que a mãe ou responsável procure a diretoria da escola para mais informações".

A história se repete na casa de uma mãe solo da Zona Leste da capital paulista. Ela conta que só conseguiu vaga para a filha em uma escola a 3,9 km de casa e não conseguiu acesso ao transporte escolar. A filha frequenta o quinto ano de uma escola da Diretoria Regional de Ensino (DRE) da Penha.

“Não consigo [o transporte], disseram na unidade que era somente para estudantes com necessidades especiais”, afirmou.

Para não deixar a criança sem ir à escola, a mãe tem contado com a ajuda dos filhos mais velhos para levá-la todos os dias.

"Eles saem para trabalhar no Centro como Jovens Aprendizes e muitas vezes chegam atrasados para poder deixar a irmã na escola antes. Eu não consegui nem transporte particular na região. E por trabalhar o dia todo, acabo comprometendo meus filhos. Sou mãe solo", afirma.

Sobre este caso, a prefeitura informou que foi impedida de apurar o relato por falta de dados necessários para que a averiguação fosse realizada. A entrevistada, que é professora da rede municipal, preferiu não revelar seu nome nem o da filha por medo de retaliações.

Em nota, a prefeitura informou ainda que "a ampliação de vagas vem dentro de um esforço continuado da SME em garantir o acesso ao atendimento de bebês e crianças".

"Em dezembro de 2019 eram 8.083 crianças na fila e a Pasta atendeu 345 mil crianças em seus Centros de Educação Infantil. Em dezembro de 2020 o atendimento passou para 374 mil matrículas e a fila zerada, que se mantém zerada até hoje, com o último levantamento em dezembro de 2021 atingindo a marca de 385 mil crianças atendidas nos CEIs."

A prefeitura também informou que a rede municipal "possui mais de 60 mil estudantes que utilizam o TEG e conta com motoristas suficientes para atendimento da demanda" e que "todos os que se enquadrarem nas diretrizes do programa terão direito ao transporte".

Pandemia

Outra reclamação de pais de alunos matriculados em creches na capital paulista é a suposta obrigatoriedade de crianças menores de 5 anos de frequentar as aulas para não correr o risco de perder a vaga.

Esta faixa etária ainda não foi contemplada no Programa Nacional de Imunização (PNI), e alguns pais não se sentem seguros em mandar o filho para a creche sem a vacina contra a Covid-19.

É o caso de uma família da Zona Norte que prefere não se identificar. De acordo com a mãe, a escola tem ameaçado tirar a vaga da creche da filha de 3 anos porque ela não está frequentando as aulas.

“Eu não quero mandar a minha filha para as aulas na creche porque me sinto insegura com os protocolos de segurança para crianças que ainda não podem se vacinar”, afirma.

Por telefone, a prefeitura informou que a lei que tira a obrigatoriedade de frequentar as aulas não está mais em vigor, mas a secretaria "estimula muito que as crianças frequentem e quer conscientizar os pais da importância da criança ir para a escola". Se não frequentar, porém, a criança não perde a vaga, de acordo com a Secretaria da Educação.

Para a família da Zona Norte, o que poderia dar a segurança para a criança frequentar as aulas seria tomar a vacina contra a Covid-19. A faixa etária abaixo de 5 anos, porém, ainda não tem autorização para tomar essa vacina porque não foram feitos testes para saber se o imunizante é seguro para este grupo, de acordo com o secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn.

“Não está faltando vacina, o que falta é a autorização da Anvisa para incluir essa faixa etária no Programa Nacional de Imunização (PNI)”, afirmou ao g1.

Em nota, a Anvisa informou que até o momento não há pedido de análise de vacina para crianças menores de 5 anos. De acordo com o órgão, os dois pedidos apresentados que já foram analisados e autorizados foram os da Pfizer e da CoronaVac.

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