Descrição de chapéu A Cor da Desigualdade no Brasil

Racismo institucional contribui para mortes de negros por violência e saúde precária

Políticas públicas são implementadas mais por 'ativismo burocrático' do que por iniciativas amplas

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Mulher negra de casaco azul e cabelos encaracolados gesticula enquanto homem branco escuta

Elaine Oliveira Soares, coordenadora geral de saúde pública de Porto Alegre, que busca melhorar acesso de negros ao SUS na cidade Daniel Marenco/Folhapress

São Paulo e Porto Alegre

O racismo institucional é o resultado da falha das organizações em tratar com equidade pessoas de raças, cores e etnias diferentes, segundo escreve a socióloga Luciana Jaccoud no livro “As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos após a abolição”, publicado pelo Ipea em 2008.

No âmbito da violência, o fracasso descrito pela pesquisadora é flagrante. A taxa de homicídios de pretos e pardos subiu 11,5%, enquanto a de não negros caiu 12%, entre 2008 e 2018, segundo o Atlas da Violência.

O risco de um branco ser vítima de homicídio é menor que o de um negro em 26 das 27 unidades da Federação do Brasil. A exceção é o Paraná.

Como as mortes violentas acometem mais jovens —sobretudo homens—, seus efeitos não são, diretamente, capturados pela medida de sobrevida do Ifer, que tem como população de referência os brasileiros de 30 anos ou mais.

Esse recorte foi feito porque o objetivo do índice é capturar o acesso a oportunidades que tendem a ocorrer mais tarde, como a conclusão do ensino superior.

Mas a violência contra os negros aparece em outros dados de longevidade, como a menor expectativa de vida ao nascer de pretos e pardos em relação a brancos.

Em novembro de 2020, Beto Freitas se tornou parte desse triste quadro estatístico. Homem negro, então com 40 anos, ele morreu após ser espancado e asfixiado durante quatro minutos por seguranças de uma unidade do Carrefour em Porto Alegre.

Embora o viés racial da violência contra negros seja conhecido há décadas, apenas recentemente governos passaram a ensaiar medidas de combate a práticas racistas explícitas ou institucionais.

Procuradas pela Folha como parte do projeto que levou à criação do Ifer, a maioria das administrações estaduais mencionou políticas adotadas nos últimos anos ou meses.

O Rio Grande do Sul informou, por exemplo, estar implementando um comitê de monitoramento de políticas públicas antidiscriminatórias. Disse, ainda, que a morte de Beto motivou a criação de um “curso de introdução aos direitos humanos para colaboradores de supermercados”.

A pressão do movimento negro e a repercussão negativa do caso em todo o Brasil também levou o governo gaúcho a instituir um grupo de trabalho (GT) para discutir a violência contra os negros.

Segundo Gilvandro Antunes, sociólogo que participou do trabalho, embora 24 propostas tenham sido elaboradas e encaminhadas há quatro meses ao governador Eduardo Leite (PSDB), nenhuma foi colocada em prática ainda.

O governo estadual informou que “assume a responsabilidade de implementar ações antidiscriminatórias”.

A lentidão dos governos em articular políticas amplas e coordenadas contra o racismo institucional faz com que avanços incrementais dependam do que os acadêmicos chamam de ativismo burocrático.

“Temos analisado posturas antirracistas ativas de indivíduos dentro das instituições que, normalmente, são chamadas de ativismo burocrático”, diz Tatiana Silva, pesquisadora de políticas públicas do Ipea.

Ela explica que há profissionais que conseguem perceber as necessidades e dificuldades de diferentes cidadãos e executar as políticas públicas de forma a melhor atendê-las.

É o caso da enfermeira e professora universitária Elaine Soares, que ajudou a implementar a PNSIPN (Política Nacional de Saúde Integral da População Negra) na capital gaúcha.

Hoje, ela é coordenadora de Políticas Públicas em Saúde de Porto Alegre e responsável pelos projetos e políticas voltados a diversas populações, das pessoas em situação de rua às da comunidade LGBTQIA+.

Filha de uma militante do movimento negro e técnica de enfermagem, Soares seguiu os passos da mãe e trabalha para reduzir as desigualdades entre negros e brancos.

A Folha acompanhou uma reunião em que Soares apresentou ao secretário municipal de saúde, Mauro Sparta, problemas de diferentes grupos vulneráveis da cidade.

No encontro, ela citou o caso de duas crianças negras de aproximadamente seis anos que morreram por problemas de saúde acarretados pelo HIV. “Eram mortes evitáveis. É um absurdo que isso ainda aconteça”, disse ela na ocasião.

Soares também mencionou a situação de um homem negro que buscou atendimento em serviços de emergência 30 vezes em um ano.

“Temos um alto índice de negros que não vão à urgência para tratar urgência, vão para tratar questões que podem e devem ser tratadas na atenção primária, nas Unidades de Saúde", diz.

Junto com Gisele Gomes, nova coordenadora de saúde da população negra do município, que também é enfermeira e negra, Soares desenvolve um projeto que prevê mapear quem são esses cidadãos negros e por que eles procuram o serviço de saúde dessa forma.

Ação para melhorar a saúde dos negros não é privilégio. É fruto do princípio de equidade do SUS. Se melhorarmos a saúde da população negra, nós melhoramos a saúde de todo mundo”, defende Elaine Soares, coordenadora de Políticas Públicas em Saúde de Porto Alegre. ​

Apoio

Esta reportagem faz parte de uma série que resultou do programa Laboratórios de Jornalismo de Soluções da Fundación Gabo e da Solutions Journalism Network, com o apoio da Tinker Foundation, instituições que promovem o uso do jornalismo de soluções na América Latina.

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