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Questão mal resolvida

Dúvidas sobre o Enem resultam de intromissão de Bolsonaro e leniência do Inep

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Candidatos chegam para o 1º dia de provas do Enem, em São Paulo - Eduardo Anizelli/Folhapress

Contaminado por picuinhas ideológicas de Jair Bolsonaro, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) corre o risco de fracassar, mais adiante, na tarefa de separar alunos mais e menos proficientes.

Até aqui, só 2% das questões utilizadas ao longo de uma década se revelaram ineficientes, ou seja, incapazes de discriminar precisamente o desempenho de estudantes. Assim constatou análise da Folha com 1.928 perguntas formuladas de 2009 a 2019 em exames aplicados a 69 milhões de participantes.

O Enem se funda na metodologia batizada de Teoria da Resposta ao Item (TRI). Em termos simples, utilizam-se questões padronizadas segundo o grau de dificuldade aferido em pré-testes, o que pressupõe um grande banco de itens que apresentem desafios comparáveis, para garantir a confiabilidade estatística da avaliação.

Não é pouca responsabilidade, pois se trata de prova que representa para milhões de jovens a chance de cursar o ensino universitário em instituições públicas e gratuitas. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), porém, tem dado demonstrações seguidas de descaso.

Desde fevereiro, pelo menos, técnicos da instituição vinham alertando para a escassez crescente de questões pré-testadas no banco. A produção de novas perguntas foi interrompida em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro.

Não bastasse a incúria, causa repulsa saber que ela se dá por motivo fútil: a mera implicância —pois não se trata de questionamento baseado em critério técnico— do presidente com temas indigestos para sua pauta, como ditadura militar, diferenças de gênero, conceito de minorias, racismo, população carcerária e terras indígenas.

Bolsonaro chegou a demandar que se tratasse o golpe de 1964 como "revolução" e que a prova tivesse "a cara do governo". Para ele, há que banir questões com "doutrinação", supostamente inadequadas para medir conhecimento de candidatos; outra reportagem deste jornal, porém, verificou que os itens em sua mira foram, sim, eficientes para avaliar competências.

Como resultado, há três edições o Enem não menciona a ditadura militar. Enunciados sobre Mafalda, Chico Buarque e Madonna já foram censurados. A escassez de questões resultante da mescla de obscurantismo com inépcia, contudo, barra ela mesma a inclinação subserviente do Inep perante a Presidência da República.

editoriais@grupofolha.com.br

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