Descrição de chapéu Enem

Questão do Enem não é para estudante concordar, mas compreender texto, diz presidente do Inep

Ruralistas acusam viés ideológico em itens que citam agronegócio; dirigente afirma que professores que fizeram questões foram selecionados no governo Bolsonaro

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Brasília

Diante de críticas de ruralistas a questões do Enem 2023 que abordaram o agronegócio, o presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), Manuel Palácios, disse que as perguntas do exame não pedem que o estudante concorde com temas abordados, mas que compreenda o que os textos dizem.

Palácios defendeu os critérios técnicos e o espírito público da elaboração do exame. Disse não haver motivos para anular itens.

A Frente Parlamentar da Agropecuária publicou nota na segunda-feira (6) em que pede anulação de duas questões, que tratam da Amazônia e do Cerrado. A nota diz que as perguntas têm viés ideológico, sem "critério científico", e criam imagem negativa e distorcida do agronegócio.

candidatos chegando ao local de prova. eles estão de costa, ao fundo tem um tótem com a palavra entrada
Candidatos fazem o primeiro dia do Enem na zona sul de São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

As perguntas criticadas caíram no primeiro dia do Enem, que começou no domingo (5) e continua no próximo (12). O Inep é o órgão do MEC (Ministério da Educação) responsável pelo exame.

"Ninguém precisa concordar com o suporte do item, nem o item está perguntando se o estudante concorda. A questão quer saber se o estudante é capaz de compreender um determinado texto", disse Palácios à Folha.

O presidente do Inep deve comparecer nesta quarta-feira (8) na comissão de Educação da Câmara e falar sobre esses questionamentos. Ele ressaltou que todos os procedimentos do exame são ancorados em normas.

Não é a primeira vez que o Enem é alvo de ataques de grupos políticos por causa de questões da prova. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados de direita já acusaram a prova de fazer doutrinação de esquerda.

Segundo Palácios, os professores responsáveis pela elaboração das questões foram selecionados em edital público realizado em 2020, ainda no governo Bolsonaro.

"Quem faz prova é professor, e os professores constituem equipes selecionadas por editais públicos", disse ele. "São esses mesmo profissionais que atuaram ao longo desses anos e que elaboraram as últimas edições do Enem".

A crítica da bancada ruralista focou nos textos vinculados às perguntas. Palácios afirmou que os conteúdos que compõem o exame fazem parte da discussão nacional.

"Os professores selecionados por critérios públicos abordam textos que têm circulação na vida brasileira, na universidade, nas escolas, na vida científica. Ninguém precisa concordar", completou Palácios.

"A anulação de itens só se justifica quando essa questão prejudica o estudante", diz. "O que justifica a anulação é o caso de um item não ter uma resposta correta bem construída, ou se ele não produz informação relacionada efetivamente com a habilidade avaliada, que é parte do currículo.

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O presidente do Inep, Manuel Palácios (à direita), com o presidente Lula (PT) e o ministro da Educação, Camilo Santana. - Pedro Ladeira/Folhapress

As questões do Enem são produzidas por professores universitários a partir de editais elaborados pelo governo. Ainda passam por um longo processos de revisão e validação de uma comissão.

Os itens são pré-testados (várias pessoas respondem à questão) para que haja a calibração de vários atributos, como grau de dificuldade e chance de acertar no chute. Isso faz parte do modelo matemático adotado no Enem, a TRI (Teoria de Resposta ao Item).

Reportagem da Folha, publicada em 2021, com uma análise estatística inédita mostrou que perguntas que causaram polêmica e foram alvo de Bolsonaro e aliados tiveram qualidade técnica para avaliar competências. Ou seja, foram eficientes em apontar os melhores candidatos.

No caso do Enem 2023, as duas questões criticadas trazem trechos adaptados de artigos científicos. Ambas pedem que o participante interprete o que os autores quiseram transmitir.

Na questão sobre o cerrado, a 89 da prova branca, o texto do enunciado aborda a territorialização do agronegócio e diz que sua lógica tem se sobreposto aos conhecimentos dos camponeses.

O trecho diz que "o modelo capitalista subordina homens e mulheres à lógica do mercado" e que há outros fatores negativos, como a "mecanização pesada" a "violência simbólica, a superexploração, as chuvas de veneno e a violência contra a pessoa".

A prova pede que os participantes interpretem o que está escrito e apontem o que o "os elementos descritos no texto, a respeito da territorialização da produção", demonstram.

O gabarito oficial não foi divulgado, mas de acordo com correção extraoficial publicada pela Folha, a alternativa correta seria: "Cerco aos camponeses, inviabilizando a manutenção das condições de vida".

Já no item que trata da amazônia, o 70 da mesma prova, o excerto indica que "é evidente que o crescimento do desmatamento tem a ver" com a "expansão da soja", mas também afirma que a "lógica que gera o desmatamento está articulada pelo tripé grileiros, madeireiros e pecuaristas".

O enunciado pede que o participante indique qual alternativa, "na visão do autor", explica o que desencadeia "o problema central da situação descrita". Segundo o gabarito extraoficial, a alternativa correta seria: "a apropriação de áreas devolutas".

Além de pedir a anulação dos itens, a Frente Parlamentar da Agropecuária informou que pediria a convocação do ministro da Educação, Camilo Santana (PT).

"A vinculação de crimes à atividade legais no Brasil é um critério de retórica política para encobrir a ausência do Estado no desenvolvimento de políticas públicas eficientes e de combate a ilegalidades", diz a nota.

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