Saúde

Quinze meses após início da pandemia no país, Queiroga anuncia programa de testagem em massa

Ministério da Saúde deve lançar nesta quinta-feira programa para aplicar 20 milhões de testes rápidos de Covid-19 por mês diante do receio da chegada da variante indiana, mais transmissível; especialistas criticam atraso
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

BRASÍLIA — Diante do receio ainda maior de uma terceira onda da pandemia com a chegada da variante indiana do coronavírus, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou nesta quarta-feira que, com o programa de testagem em massa previsto para ser lançado amanhã, o Brasil irá aplicar até 20 milhões de testes rápidos por mês.

—  O Brasil testa pouco, tem que testar, tem que ampliar. Nosso objetivo é testar entre 10 a 20 milhões de brasileiros todos os meses. Tem duas estratégias, testar os indivíduos sintomáticos na atenção primária, nas unidades básicas, e os assintomáticos em locais especificados  — reconheceu Queiroga, que participou de uma audiência na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara.

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O ministro citou o Maranhão e as primeiras confirmações de casos da variante indiana no Brasil, com a entrega, neste fim de semana, de 600 mil testes rápidos e 300 mil doses de vacinas, como forma  de "criar um cinturão para eventualmente impedir uma transmissão comunitária do vírus no estado".

Especialistas criticam demora

A última atualização do painel de testes de Covid-19 do Ministério da Saúde mostra que foram entregues até o momento 29,8 milhões de testes, sendo 18,1 milhões de RT-PCR e 11,7 milhões de testes rápidos, a um custo de R$1,1 bilhão.

Em março de 2020, ainda na gestão de Henrique Mandetta (DEM), o governo federal prometeu distribuir 22,9 milhões de testes. Porém, este número só foi alcançado em fevereiro deste ano, quase um ano após o anúncio, segundo dados disponíveis no painel do próprio Ministério da Saúde.

Para Alexandre Naime, chefe de infectologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e consultor para Covid-19 da Associação Médica do Brasil (AMB), o atraso na testagem em massa representa a "incompetência, negligência e negacionismo" do Governo Federal. Ele ressalta que, apesar de ser muito bem-vinda, a medida já deveria estar em vigor há um ano.

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— Se tivesse sido implementada em abril do ano passado, por exemplo, quando a OMS já casava de repetir o mantra “testar, testar e testar”, poderia ter salvado milhares de vidas — afirma Naime. —  (Parece que) estamos começando do zero o enfrentamento científico da pandemia.

O infectologista destaca ainda que a política de saúde do governo Bolsonaro não fomentou uma vigilância epidemiológica capaz de ajudar na descoberta e contenção de novas variantes do vírus. Com a circulação de novas cepas no país, como a indiana, é importante, ele frisa, aumentar a capacidade de sequenciamento genético do coronavírus.

— Vergonhosamente, a P.1, que surgiu no Brasil, não foi identificada aqui, mas no Japão, através de turistas. Além da testagem em massa, precisamos ampliar e fomentar laboratórios de biologia molecular para conseguir identificar essas variantes — diz..

O infectologista  Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), também bate na tecla de que a testagem em massa, adotada, entre outros países, nos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, deveria ter sido implementada no Brasil no começo da pandemia.

O especialista ressalta ainda que será importante o governo federal organizar a aplicação dos testes para que os municípios consigam fazer o controle da doença. Os detalhes do plano federal deverão ser divulgados amanhã.

— O mais importante é ter uma estrutura para dar o resultado rapidamente para o paciente, por aplicativo, SMS, por exemplo, dependendo da estrutura do município. — diz Chebabo. — Caso contrário o teste perde toda sua justificativa de conseguir monitorar os casos e isolar precocemente os contaminados.

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O diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Estevão Urbano, afirma que a testagem é essencial para se ter uma ideia do atual estágio da pandemia e reduzir as subnotificações.As informações dos testes, diz, permitem intervenções mais assertivas, avaliando queda ou aumento de casos em cada região; e também intervenções pontuais em pacientes, podendo iniciar mais rapidamente um atendimentos médico-terapêuticos.

Sem doses dos EUA

Indagado sobre medidas a serem tomadas em caso de uma terceira onda de Covid-19 no país, Queiroga afirmou que haveria "necessidade de restrições por parte dos municípios para conter o avanço da doença" e demostrou preocupação com a circulação de novas variantes.

— Pode haver tendência de aumento de casos, que vai se refletir em nova pressão sobre o sistema de saúde. Mas também pode ser fruto de uma variante. Nós não temos essa resposta ainda — disse.

Queiroga  reforçou a importância de se avançar em tratativas de transferência tecnológica que permitam que as vacinas sejam produzidas no Brasil. Também ressaltou que estão sendo realizadas negociações para antecipação na entrega de doses. Mas não acredita, por exemplo, que os EUA vão doar imunizantes ao Brasil.

—  Sendo pragmático, os EUA não vão doar doses de vacina para o Brasil. Até porque compramos essas doses das indústrias americanas. O que queremos, o nosso esforço, é para antecipar essas doses  — disse o ministro.

Segundo Queiroga, o  acordo para que a Fiocruz, parceira da AstraZeneca no país, produza o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) nacionalmente, está  previsto para  ser assinado no dia 1° de junho, em solenidade com a presença do presidente Jair Bolsonaro.

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O chefe da Saúde ressaltou que, quando assumiu a pasta, a média de óbitos por Covid-19 era de 4 mil. Ele  relacionou a carência do sistema de saúde aos problemas enfrentados para o combate à pandemia no país.

— O nosso sistema de saúde, a despeito dos avanços que teve nas últimas três décadas, padecia de vicissitudes. Unidades hospitalares sucateadas, urgências e UTIs lotadas, filas de cirurgias para serem realizadas —  enfatizou.

As medidas de contenção não farmacológicas, como evitar aglomerações, manter distanciamento social e usar máscaras foram mais uma vez defendidas pelo ministro.

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Pós-Covid

Queiroga disse também que está  preocupado com a síndrome pós-Covid , "com a  constatatação neste período de pandemia de um aumento de óbitos de doenças cardiovasculares em domicílio e um negligenciamento com o tratamento de doenças crônicas, como pressão alta e diabetes".

— Depois dessa onda da Covid-19,  que vai passar, teremos uma onda dessas doenças que foram negligenciadas  —  disse o ministro.

O ministro também disse que a questão da saúde não é apenas de "uma pessoa" e  pediu um voto de confiança.

Demissão no Rio

Questionado sobre a demissão do coronel George Divério do cargo de superintendente do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, Queiroga disse que não poderia fazer “juízo de valor”, mas que a decisão foi tomada após divulgação de reportagem no Jornal Nacional.

— Exonerei o servidor sem nenhum prejuízo em relação à ampla defesa e ao contraditório  — afirmou, completando depois:  — Tive que tomar aquela medida e tomarei quantas vezes foram necessárias – afirmou.

Divério foi nomeado na gestão de Eduardo Pazuello, mas Queiroga declarou que não tinha detalhes da indicação. O superintendente foi o responsável por fechar contratos de R$ 29 milhões para duas reformas em prédios do ministério, ambas com dispensa de licitação.