Antônio Gois
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Antônio Gois

Jornalista de educação desde 1996. Autor dos livros 'O Ponto a Que Chegamos'; 'Quatro Décadas de Gestão Educacional no Brasil' e 'Líderes na Escola'.


A queda na proporção de negros no ensino superior, destacada em reportagem da semana passada de Bruno Alfano no GLOBO, a partir de dados da Pnad-C (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), é mais um sinal preocupante de uma tendência que já era visível: a perda de fôlego no processo de democratização do ensino superior.

Os dados mais recentes do IBGE se restringem ao período de 2016 a 2022, e não contemplam 2020 e 2021, quando a pandemia prejudicou a realização de pesquisas domiciliares. Mas, pela série histórica antiga, é possível detectar que é a primeira vez que essa queda ocorre desde 1998.

No ano passado, o percentual de negros entre estudantes no ensino superior foi de 47,1%, inferior aos 48% de 2019, e praticamente idêntico aos 47,0% de 2017. Pequenas variações em pesquisas amostrais de um ano para o outro às vezes são explicadas apenas pela margem de erro. Por isso é importante olhar tendências na série histórica, e é exatamente por isso que devemos acender o sinal de alerta em relação ao número de 2022.

Esse dado já era acompanhado pela versão anterior da Pnad desde 1992, quando a proporção de universitários negros sobre o total de estudantes era de apenas 19%. Ao longo de quase toda a década de 90, ele permanece estagnado, mas começa a crescer a partir de 1998, e continua nessa tendência, de forma ininterrupta, até 2019.

Há vários fatores que explicam o crescimento até então. A ampliação do ensino médio desde a redemocratização (o percentual de jovens de 15 a 17 matriculados saltou de 14% para 75% entre 1985 e 2022) fez crescer o número de estudantes negros que completavam esta etapa, e, portanto, estavam aptos a disputar uma vaga no superior. Em paralelo, ocorre também uma expansão vigorosa do superior: que sai de 1,5 milhão de alunos em 1990 para quase 9 milhões em 2022, num movimento puxado principalmente pelo setor privado.

Na década de 2000, os destaques são as políticas de ação afirmativa, como as cotas em universidades públicas e o ProUni. O financiamento estudantil, a reformulação do Enem e a criação de um novo sistema para acesso ao ensino superior (o Sisu) são também citados como ações que contribuíram para essa tendência.

A ampliação da proporção de negros no ensino superior era um movimento celebrado, mas inconcluso. O crescimento não ocorria com a mesma intensidade nos cursos mais concorridos e não representava plenamente a diversidade da população brasileira, onde 56% se declaram pretos ou pardos.

Mais do que a queda em pontos percentuais de uma pesquisa para a outra, o preocupante é que, mesmo antes da pandemia, já havia sinais de perda de fôlego. Em sua tese de doutorado na USP, Adriano Senkevics, pesquisador do Inep, analisou recortes similares — como o nível socioeconômico dos alunos e a proporção de pretos, pardos e indígenas entre os universitários de 18 a 24 anos — e identificou que, a partir de 2016, esses indicadores entraram em rota de estagnação.

Se nada for feito, podemos permanecer num patamar insatisfatório ou, pior, até observar piora num indicador que costumávamos celebrar, mesmo reconhecendo que havia ainda muito a avançar. É urgente identificar as causas do problema, aperfeiçoar políticas vigentes, e pensar em mais estratégias para retomar o processo inconcluso de democratização do ensino superior.

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