28/11/2018

Quatro países com educação de ponta que servem de inspiração e alerta

O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Programme for International Student Assessment, ou Pisa, na sigla em inglês), é uma avaliação, por amostra, de estudantes na faixa dos 15 anos, matriculados a partir do 7º ano fundamental. Coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é aplicado a cada três anos em 35 países do grupo e em outros 35 parceiros. Envolve três áreas do conhecimento: leitura, matemática e ciências. Um dos objetivos é detectar até que ponto esses países estão preparando seus adolescentes para os desafios contemporâneos. Outro, igualmente importante, é dar suporte ao aprimoramento das políticas de ensino básico a partir dos resultados.

E eles – os resultados – infelizmente não têm sido motivo de orgulho para os brasileiros. No teste de 2015, último com dados divulgados, o Brasil ficou em 63º lugar em ciências, 59º em leitura e 66º em matemática. Diante das notas vermelhas, Educação foi tentar entender os métodos, iniciativas e políticas que levaram ao sucesso os países líderes do ranking.

“Brasil e Finlândia possuem realidades distintas. Não se pode copiar um sistema e colar no outro. Mas há um fenômeno global capaz de ajudar qualquer país a florescer e caminhar rumo a bons desempenhos de forma sustentável”, afirma, em entrevista à revista, a educadora Marjo Kyllönen, secretária de Educação de Helsinque, maior cidade e capital da Finlândia, país que se mantém nos primeiros lugares desde a primeira edição do exame, em 2000.

Entre os cases que mais impressionam, pela rapidez e abrangência na conquista de bons resultados, é o da Coreia do Sul. Debilitada por três anos de guerra com a Coreia do Norte, entre 1950 e 1953, após a invasão do país vizinho, os sul-coreanos chegaram a 1960 com índices de desenvolvimento urbano, analfabetismo e renda semelhantes aos do Brasil. Até o início da década de 1980, eram individualmente mais pobres. Hoje, pouco mais de três décadas depois, comparar os PIBs per capita dos dois países é produzir uma goleada a favor do país asiático: US$ 27,4 mil, quase três mais do que os US$ 9,8 mil brasileiros.

O motor de impulso da reviravolta da Coreia do Sul, hoje com 51,5 milhões de habitantes, é movimentado por uma constatação que soa até elementar, mas que o Brasil ainda não conseguiu adotar: sem base escolar forte e abrangente nenhum sistema de ensino superior dará resultado satisfatório. A partir dela, governo e sociedade juntaram os cacos do passado e se uniram num pacto contínuo para privilegiar a educação nos níveis básicos.

Pelos dados da OCDE, a cada dólar e meio investido na educação superior, de custo mais elevado, os coreanos colocam um dólar na básica. Por aqui, a relação se investe: para quatro dólares a partir da graduação, apenas um no fundamental e infantil.

A estrutura educacional sul-coreana é dividida em escola elementar (seis anos), primárias (três anos), colégio (três anos), junior college (unidades universitárias com cursos de dois ou três anos) e universidades (quatro anos na maioria dos casos). O período letivo vai de março a fevereiro, com férias da última semana de junho até o fim de julho. O período de escola elementar, de seis anos, normalmente concluído aos 12, é obrigatório. Para entrar na middle school, financiada pelo poder público, é preciso fazer um teste de acesso. O período abrange nove áreas de conhecimento: língua coreana, estudos sociais, educação moral, ciências, matemática, educação física, música, belas artes e ofícios. O país conta com colégios particulares para essa fase, mas as diferenças pedagógicas em relação ao ensino público são insignificantes, atesta o site Universia Brasil.

Talento e disciplina

Oitenta por cento dos custos das escolas coreanas de ensino médio são subsidiados pelo governo. “Conheci um professor, autor de um livro de matemática usado por todas as escolas do país, dando aula para o nível médio”, contou José Paulo da Rosa, doutor em Educação pela PUC-RS e autor de uma tese que compara os sistemas de educação do Brasil e da Coreia do Sul, a Murilo Basso, do jornal Gazeta do Povo. “Lá, os melhores professores estão no ensino básico”, completa o educador e pesquisador.

O arrojo do projeto político e pedagógico gerou uma situação que, analisada na ponta, parece igualmente óbvia: a explosão de qualidade no ensino acadêmico e da formação profissional de “baixo para cima”, ou seja, do básico para o superior. E resultados inquestionáveis, como cem por cento de alfabetização e índices irrelevantes de evasão e defasagem escolar, além de destaque nas avaliações: sétimo lugar em matemática e em compreensão de texto no último Pisa.

Em 2014, apenas um em cada cinco formandos do ensino médio brasileiro concluiu o curso na idade certa, até os 17 anos, e 1,3 milhão de jovens entre 15 e 17 anos abandonaram a escola. Entre os jovens coreanos na mesma faixa etária, 93% terminam o período sem defasagem entre idade e série, com evasão próxima de zero. Um dado revelador do comprometimento da sociedade sul-coreana com a educação é uma atitude coletiva tomada todos os anos durante a hora consumida pelos jovens para fazer a prova mais difícil do vestibular geral local: sirenes e buzinas param de tocar, aparelhos de música públicos e de loja são silenciados e responsáveis por centros mais barulhentos fecham as portas.

É o silêncio de respeito e de contribuição no momento em que a nova geração decide seu caminho acadêmico. Prova iniciada, mães, pais e familiares mergulham em orações e pedidos em frente aos centros de exame em que os filhos esquentam os neurônios em busca das melhores vagas. A Coreia do Sul conta com 250 universidades, a maioria privada. Na maior parte dos casos, oferecem, em média, 24 disciplinas por semestre, ou um mínimo de 140 ao final dos cursos.

Mas as opções estratégicas corretas, o rigor na implantação e o comprometimento da sociedade não produziriam a revolução educacional na Coreia do Sul se não viessem acompanhados de uma postura típica dos asiáticos: o trabalho ou, neste caso, o estudo duro. A cultura asiática não despreza o talento, mas, acima dele coloca a disciplina, a dedicação e compromisso com o planejamento como fatores determinantes para o sucesso. E não costuma perdoar ou aceitar desculpas para o fracasso. Além da carga pesada de conteúdo nas salas de aula, crianças, adolescentes e jovens dedicam horas, em casa, às tarefas e trabalhos escolares.

Filosofia semelhante é adotada em outro país da Ásia Oriental que encontrou a fórmula para superar os seus problemas educacionais, elevar a qualificação de seus profissionais e se posicionar de maneira agressiva nos mercados internacionais: a China. O país participa do Pisa com três representações: Pequim, Xangai, províncias de Jiangsu e Guandong; Hong Kong e Macau. No ano de 2015, Macau e Hong Kong foram “top 10” nas três categorias, e o grupo de Pequim, em duas.

“A cultura chinesa é muito influenciada pelo pensamento de Confúcio”, lembra, em entrevista a Educação, o engenheiro e educador Luis Antônio Paulino, doutor em Ciência Econômica pela Unicamp, diretor do instituto da Unesp batizado com o nome do filósofo chinês. “O ensino e os educadores são respeitados não é de hoje. Na prática, as primeiras medidas no caminho da universalização do ensino básico, conquistado em 1978, começaram a ser tomadas a partir da revolução de 1949.”

O ensino chinês é gratuito na etapa obrigatória, dos seis aos 15 anos. Os alunos passam, no mínimo, sete horas diárias nas escolas, e os com desempenho baixo frequentam reforço. Os melhores professores recebem bônus salarial. Os piores são direcionados à reciclagem. A taxa de alfabetização é de 95%. No ensino básico, adolescentes e jovens estudam de oito a 13 horas por dia em casa – a média mundial é de 4,9 horas.

A partir dos 15 anos, a educação passa a ser paga. Apesar de os valores não serem altos na média, a mudança provoca uma queda considerável no percentual de alunos nas universidades. O problema é compensado pela espantosa quantidade de pessoas dispostas não só a ingressar em universidades, mas também a fazer qualquer coisa, num país de 1,38 bilhão de almas. O ciclo médio é dividido em duas partes, cada uma com duração média de três anos. A inicial, última do ensino obrigatório, dura três anos. A segunda, paga, exige teste de admissão e prepara os alunos para atividades profissionais ou o ingresso na universidade.

Para os que decidiram tentar um curso superior, o fim da segunda etapa do médio marca o momento de enfrentar um grande “fantasma”: o gao kao, a versão chinesa do Enem. São cinco provas, cada uma com duração máxima de nove horas, divididas em dois dias.

A luta pelas vagas nas melhores universidades gera uma mistura de mobilização e tensão generalizada nas semanas e até meses anteriores às avaliações. “Se houver um jovem em casa na reta final de estudos e, ao lado, uma obra ou outra realização barulhenta, por exemplo, é comum os familiares pedirem ao vizinho para que os trabalhos sejam amenizados ou mesmo interrompidos, até que o aluno termine o gao kao”, conta a tradutora e professora de mandarim Karina Cunha, que morou 15 anos na China, em seu canal no YouTube Dominando Mandarim.

Como as cobranças são culturalmente intensas, a turma passa muito tempo com os professores e estes são respeitados quase sem questionamento por pais e familiares; não é raro um mestre tomar a liberdade de punir um aluno com broncas públicas ou até mesmo, digamos, algum pequeno alerta de ordem física. Um desconforto num país em que a maior parte dos professores do ensino básico, atesta Karina, não costuma ver com bons olhos desempenhos abaixo de 90% e, em alguns casos, até 95% nas avaliações. As exigências chegaram a patamares tão obsessivos que, nos últimos anos, o governo começou a orientar os professores a diminuir a quantidade de tarefas para casa e a incentivar os alunos e seus familiares a buscar mais lazer.

Asiáticos e europeus

A educadora Acedriana Vicente Sandi, diretora pedagógica da Editora Positivo, associada ao Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe-PR), conheceu sistemas educacionais de países bem-sucedidos na área, entre eles o chinês. Em artigo recente, publicado na Gazeta do Povo, afirmou com segurança: “Por tudo o que vi, acredito que a China vai dominar o mundo. Por quê? Basicamente, porque eles conseguem ser felizes na escola, além de estudar. Se não bastasse, veem sentido no estudo para a melhoria do seu país: querem aprender para, uma vez aprendido, fazer melhor.

E isso é algo que a China está sabendo colocar em prática muito bem: aprender com os demais para, depois, assumir a liderança. Os chineses olharam para fora, aprenderam, e hoje estão fazendo melhor muitas coisas. A China não se constrange por copiar para melhorar o que deu certo fora de suas fronteiras”.

Mais adiante, a educadora joga luz em outro destaque da agressiva política internacional chinesa: a exportação de “cabeças” para centros acadêmicos ocidentais. “Essa expectativa [em torno do gao kao] é compartilhada por toda a família e levada tão a sério que é muito comum ver pais e avós trabalhando arduamente para oferecer a filhos e netos as melhores condições de estudo possíveis. Esse é considerado o momento mais importante da vida de um chinês”, destaca. “Não é à toa que as principais universidades americanas – como Stanford e Massachusetts Institute of Technology, o MIT – estabelecem limite de vagas para os chineses, sob pena de comprometer as vagas dos americanos”, detalha.

Dedicação extrema aos estudos por parte dos estudantes e comprometimento das famílias com as cobranças são, como se percebe, dois pontos em comum nos projetos da Coreia do Sul e da China. Diante da dificuldade cultural de reproduzir esses comportamentos, ou ao menos parte dele, com a intensidade dos orientais, países em busca de melhores resultados procuram entender experiências bem-sucedidas de países europeus e do continente americano, como Finlândia, Estônia, Portugal e Canadá.

Os finlandeses realizaram sua primeira grande reforma no ensino fundamental há 40 anos, em busca de um sistema construído sobre valores de confiança e igualdade de oportunidades. A educação infantil, neste país de pouco mais de cinco milhões de habitantes, é concedida a todas as crianças. Algumas delas entram para as unidades com menos de um ano. Como a licença-maternidade é longa – pode ir até o pequeno completar onze meses –, os pais que optam por essas creches pagam pelos serviços, mas parte considerável dos custos é subsidiada pelo governo com base na renda familiar.

Aos cinco anos, a criança é matriculada no sistema gratuito para quatro horas diárias de atividade, incluindo almoço. A pré-escola começa um ano depois, com a mesma carga horária. A escolaridade obrigatória, totalmente financiada pelo poder público, vai dos nove aos 15 anos. Depois disso, o aluno escolhe uma alternativa entre o ensino médio e a educação profissional.

Os professores têm formação de alto nível. Para a educação fundamental, é exigido no mínimo o título de mestrado. No infantil, o de bacharel. As escolas não são classificadas ou inspecionadas e não há exames nacionais até o final do ensino médio. O sistema é descentralizado e a apuração de resultados é baseada em pesquisas realizadas com alunos e familiares.

“Nossos métodos de avaliação foram idealizados para gerar informações e indicadores capazes de ajudar a melhorar o sistema”, explica a secretária Marjo Kyllönen. “Não temos intenção de classificar ou avaliar um aluno, professor ou unidade em particular.” Marjo, que visitou o Brasil algumas vezes, vê semelhança entre a abordagem educacional finlandesa e a adotada pela rede brasileira de escolas privadas Concept. “Aprecio muito a proposta educacional desse grupo. Como a nossa, ela é holística. Em vez de repetir informações e insistir em memorização sem contexto, ela é direcionada às competências futuras e às habilidades do século 21”, destaca a educadora.

Empoderamento dos educadores, poder delegado às unidades escolares, decisões corajosas, valorização do profissional, metodologia conectada à realidade, conteú¬dos cruzados e atenção individualizada quando necessário. “Graças a esse processo, somos o país do mundo com a menor diferença entre alunos do básico com os melhores e os piores desempenhos”, lembra Marjo, sem disfarçar o orgulho. Com esse conjunto ousado de valores e competências, a educação finlandesa, além de produzir resultados internamente, virou uma espécie de vitrine observada por educadores, gestores de instituições e governos interessados em aprimorar seus sistemas.

Autonomia e investimentos

Nesse contexto, seria natural que essas iniciativas influenciassem um vizinho ainda menor logo ali abaixo do Golfo da Finlândia: a Estônia. Com apenas 1,32 milhão de habitantes, população semelhante à da cidade paulista de Guarulhos, o jovem país báltico de 27 anos, uma das ex-repúblicas mais ocidentalizadas da antiga União Soviética, a Estônia causou certa surpresa ao aparecer no primeiro lugar europeu e no terceiro mundial, na pontuação geral, no Pisa 2015. E com um adicional interessante: ao lado da Finlândia, é o país da Europa que apresenta os menores percentuais de alunos com baixo desempenho em matemática e leitura (menos de 10%), e também em ciências (menos de 5%).

A receita do sucesso é uma versão, sem adaptações radicais, do modelo adotado pelo “irmão” do outro lado do Mar Báltico. “Nosso desempenho se baseia em três pilares: educação valorizada pela sociedade, acesso gratuito e universal e ampla autonomia de professores e gestores de escolas”, afirmou, semanas atrás, a ministra da Educação e Pesquisa estoniana, Mailis Reps, a Edison Veiga, da BBC News Brasil.

E ainda um pacote capaz de incentivar qualquer aluno a estudar e sua família a mantê-lo na escola. São adicionais como materiais didáticos, refeições gratuitas na escola, serviços de aconselhamento, subsídios para transporte e acomodação a partir do período secundário, todos eles fornecidos de acordo com a necessidade de cada aluno e da condição financeira de seus familiares.

As escolas públicas abrigam quase a totalidade dos alunos até 19 anos, fator que contribui para que os alunos de renda mais baixa tenham desempenho quase idêntico ao dos mais ricos nas avaliações internas e exames internacionais. A exemplo da Finlândia, educadores e gestores estonianos têm autonomia para decidir os rumos da escola, a necessidade de avaliação nos diferentes estágios e período e até mesmo o tipo de mobiliário de cada sala ou espaço de atividades complementares. O país, que atingiu 94% de índice de alfabetização há um século e meio, coloca 6% de seu PIB em educação. Em termos percentuais, a fatia é semelhante à investida pelo Brasil. Mas, ao se considerar o PIB per capita atual (três vezes maior por lá) e o total de alunos, o valor do investimento estoniano por estudante é quatro vezes maior.

Cingapura, Japão, Canadá, Noruega, Irlanda, Suécia, Suíça, Estônia e Vietnã completam o grupo de países com resultados elogiáveis em avaliações internacionais recentes. Portugal também começa a chamar atenção. No último Pisa, seus alunos conquistaram o 17º lugar em ciências, 18º em leitura e 22º em matemática. O desempenho pode não ser igual ao dos líderes, mas ser top 20, exibir crescimento constante desde a criação do exame, recompensa claramente o esforço de um país que conseguiu manter bons níveis educacionais mesmo em meio à crise financeira da qual acaba de se libertar.

Entre a determinação coletiva dos orientais e a mistura refinada de tradição, inventividade, arrojo e recursos dos europeus ocidentais, cabe às autoridades e gestores educacionais brasileiros encontrar um modelo que remova a educação do país da estagnação com cheiro de fracasso mapeada a cada exame internacional.

Pode ser que a maioria das experiências enumeradas não sirva para ser 1adaptada à nossa realidade sem mudanças. Mas ao menos uma lição, comum a todos os países que hoje comemoram o sucesso, deveria ter sido adotada há décadas: considerar o investimento em educação uma prioridade decisiva e condição determinante para a construção de uma nação respeitada.

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