Antônio Gois
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Antônio Gois

Um espaço para debater educação

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Antônio Gois

Jornalista de educação desde 1996. Autor dos livros 'O Ponto a Que Chegamos'; 'Quatro Décadas de Gestão Educacional no Brasil' e 'Líderes na Escola'.


Caso obtivessem o mesmo desempenho no Enem, os mais ricos e os mais pobres teriam probabilidades idênticas de ingresso no ensino superior? Esta é a pergunta que fazem Adriano Senkevics, Flávio Carvalhaes e Carlos Antônio Costa Ribeiro no artigo “Mérito ou berço? Origem social e desempenho no acesso ao ensino superior”, publicado na edição deste mês da revista Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas. A resposta – nada surpreendente em se tratando de um país tão desigual quanto o Brasil – é absolutamente não. O estudo, porém, esmiuça alguns dos mecanismos pelos quais isso acontece.

Apesar de alguns avanços recentes, o acesso ao ensino superior sempre foi muito desigual no Brasil. Uma das explicações, já bastante conhecida, é o fato de o nível socioeconômico das famílias ser o principal fator a explicar o desempenho dos alunos em testes. Filhos de pais mais ricos e escolarizados, portanto, já carregam de berço uma vantagem que nada tem a ver com o mérito ou esforço pessoal. Além disso, acabam tendo também acesso a escolas melhores durante a educação básica, o que só aumenta esta vantagem e resulta em notas melhores ao final do ensino médio.

Os autores do artigo, porém, investigam o que acontece com jovens mais ricos e mais pobres de desempenho semelhante no Enem. Ou seja, apesar de terem tido trajetórias de vida bastante distintas, aos olhos frios da estatística de desempenho no principal exame de acesso ao ensino superior, seus resultados são iguais.

Uma primeira constatação relevante do estudo é que, nas universidades públicas, faz pouca diferença ser pobre ou ser rico se as notas são semelhantes. Por exemplo, a probabilidade de ingresso num curso superior é baixíssima entre os jovens de menor nota, tanto para os que estão entre os 20% mais pobres (2,4% de chance) quanto para os que estão entre os 20% mais ricos (1,3% de chance) da população.

O nível socioeconômico tampouco faz tanta diferença entre os alunos de maiores notas no acesso às universidades públicas, variando de 64% de probabilidade de ingresso entre os mais pobres para 50% entre os mais ricos. Uma hipótese para explicar por que o percentual neste caso específico chega até a ser um pouco menor entre os mais ricos é que, nesse nível de renda, o fato de o curso ser gratuito ou pago pode pesar menos na escolha, pois um jovem de uma família mais rica pode preferir estudar numa instituição particular de alta reputação, mesmo tendo desempenho suficiente para ingressar numa pública.

No setor privado, porém, essa realidade muda bastante. Entre os mais pobres que tiraram notas baixas no Enem, a chance de ingresso é de 28%. Já entre os mais ricos que também foram muito mal na prova, a probabilidade aumenta para 85%, uma diferença de 57 pontos percentuais. No grupo dos estudantes de maior nota, a variação é menor: dos mais pobres aos mais ricos, a probabilidade aumenta 18 pontos percentuais, de 29% para 47%. Como explicam os autores no artigo, “se o jovem for de origem privilegiada, o nível socioeconômico representa uma proteção contra o baixo desempenho; se de origem humilde, somente o desempenho pode garantir o acesso ao ensino superior”.

Em outras palavras, para um estudante mais pobre conseguir ingressar no ensino superior, o único caminho viável é pelo mérito, superando adversidades e conquistando notas mais altas no Enem. Para os mais ricos, se o desempenho não ajudar, o berço salva. E assim vamos reproduzindo desigualdades.

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