Por Talissa Medeiros, g1 Sorocaba e Jundiaí


'Cantinho do pensamento' — Foto: Reprodução/Redes Sociais

O "cantinho do pensamento" é uma estratégia que consiste em mandar a criança para algum canto para que ela pense sobre o que fez. Mas, será que isso é funcional? O termo entrou em discussão após um menino de dois anos ter sido flagrado trancado em uma espécie de "jaula", em uma creche em Sorocaba (SP).

Os termos que definem esse "cantinho" são infinitos, mas a ideologia do método é a mesma, que após esta reflexão, a criança mudará o comportamento. Pensando em entender mais sobre o assunto, o g1 conversou com uma psicóloga e diretora de uma escola particular de Sorocaba.

Andrea Bomfim explica que cabe aos adultos a reflexão sobre algumas práticas consideradas "educacionais". Segundo ela, uma criança de dois a três anos ainda não entende o que é "pensar sobre algo que fez".

“Aquilo para ela é uma punição. Nessa situação, não houve pensamento. A gente nem explica o porque ela está ali. A prática não traz benefícios, traz mais prejuízos. Essa atitude fala mais sobre o adulto do que a criança. Precisamos entender que o processo educativo dá trabalho. É muito ingênuo achar que estou educando com esses tipos de comportamento", explica.

Brinquedo como motivo

Corregedoria da Prefeitura de Sorocaba investiga servidora que teria deixado criança de 2 anos trancada em 'jaula' para correção — Foto: Arquivo Pessoal

Conforme o advogado da família da criança flagrada na "jaula", a situação teria ocorrido por causa de um brinquedo quebrado. Rodrigo Rollo afirma que o menino foi punido, ficando de 40 minutos a uma hora no local (veja o vídeo abaixo).

A psicóloga reforça que o comportamento punitivo e o castigo são métodos que não educam a criança. E que, ao passar por isso, ela pode acabar desenvolvendo pensamentos negativos.

Corregedoria investiga servidora que teria deixado criança de 2 anos presa em 'jaula'

Corregedoria investiga servidora que teria deixado criança de 2 anos presa em 'jaula'

"Eu tenho três filhas, trabalho com as crianças do colégio, e com crianças de um projeto social que estão em medidas protetivas. De uma coisa eu sei, o castigo não educa. Toda vez que ela for contrariada, isso potencializa e vira uma violência, uma comunicação violenta", diz.

Ela ainda explica que a criança organiza os pensamentos dela com a rotina, por isso a importância da constância. "É relativo dizer que pode ter afetado a criança ou não, depende muito da história de cada um, mas sim, fatos como esse podem dificultar o andamento de algumas coisas, como a ida para a escola depois desse episódio."

Como resolver?

Segundo a psicóloga, uma saída para acalmar uma criança em um momento estressante é a conversa e o aconchego. “Algumas pessoas chamam de 'cantinho da calma’, ‘cantinho do relaxamento’. Ele consiste em fazer um lugar aconchegante, que você explique para aquela criança a situação e você dê amor, segurança. Acolher esse desespero, essa birra. Tem uma diferença da punição para esse lugar de relaxamento."

O "cantinho da calma" faz parte da chamada disciplina positiva, que é uma estratégia de educação que busca ensinar a criança a ter autocontrole, autonomia e controle das emoções.

"Mas e se eu não estiver bem para passar esse acolhimento? Você sinaliza isso para aquela criança. Fala que naquele momento você não está bem e que precisa se retirar ou pedir ajuda para alguém nesse processo. Tudo depende de caso para caso. Mas é importante falar com a criança. Com isso, ela vai aprendendo que as pessoas precisam de momentos para se acalmar e resolver os conflitos, não abafá-los", explica.

A psicóloga enfatiza que algumas práticas educacionais, tanto na escola, como na própria casa, podem ser consideradas um "tiro no pé", trazendo resultados opostos ao esperado.

“No caso do ‘cantinho do pensamento’, ela pode crescer achando que pensar é algo negativo, de uma forma inconsciente. Pode desenvolver uma dificuldade para se autorregular. A gente pode sempre falar de traumas, mas isso depende da personalidade. Se for uma comunicação violenta, isso pode potencializar os sentimentos de rejeição. O inconscientemente dela acaba criando bloqueios", afirma.

"É importante a gente ensinar a criança a saber lidar com frustrações, lidar com aquilo que ninguém tem controle. A maioria das compulsões em adultos é por não saber lidar com as emoções", explica Andrea.

MP pede explicações à prefeitura

Na quinta-feira (22), o Ministério Público (MP) pediu esclarecimentos à Secretaria de Educação Municipal no prazo de dez dias. O MP também pede que a Polícia Civil investigue o caso.

Na sexta-feira (23), a Polícia Civil esteve no CEI 07. Segundo a polícia, representantes da creche e do Conselho Tutelar foram ouvidos e uma perícia também foi feita na unidade.

Polícia Civil investiga caso de maus-tratos infantis em creche de Sorocaba (SP) — Foto: Diogo Nolasco/TV Tem

A prefeitura informou que afastou a responsável na sexta-feira (23), quase um mês após o ocorrido. A prefeitura não informou se a mulher atuava como professora ou auxiliar de educação na unidade e também não esclareceu se a servidora foi encaminhada para atuar em outro local.

Reunião de pais

Pais são chamados para reunião com direção de escola após criança ser flagrada em 'jaula'

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O pai de uma aluna do CEI, que não quis se identificar, contou ao g1 que a direção escolar afirmou que o caso foi um fato isolado e que a funcionária que teria trancado o menino na "jaula" foi afastada.

No entanto, a direção escolar teria justificado a ação da funcionária, alegando que faltam profissionais na rede de educação para atender a quantidade de alunos, e que a escola pretende solicitar mais profissionais em uma reunião com a Prefeitura de Sorocaba, que já estaria agendada.

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