Protagonismo e escuta dão perspectiva de futuro a jovens na EJA - PORVIR
Crédito: Divulgação/Cedaps

Inovações em Educação

Protagonismo e escuta dão perspectiva de futuro a jovens na EJA

Programa Jovens Construtores une desenvolvimento socioemocional, formação integral e educação profissional em iniciativa na rede municipal do Rio de Janeiro

Parceria com Programa Jovens Construtores/CEDAPS

por Marina Lopes / Ronaldo Abreu ilustração relógio 5 de junho de 2023

Quando José Carlos B. da Silva, de 30 anos, decidiu voltar a estudar, ele sabia que teria alguns muros para derrubar. “Eu ficava com um pouco de vergonha, olhava para um lado e pro outro sem saber o que falar. A minha vida foi a maior doideira, mas eu falei ‘vou sair dessa vida, botar a cara no livro e voltar a estudar'”, recorda o jovem, que buscou o CREJA (Centro Municipal de Referência de Educação de Jovens e Adultos), no Rio de Janeiro (RJ), para concluir o ensino fundamental. Foi ali no prédio tombado, que fica na altura do número 74 da Rua da Conceição, no centro da cidade, ao lado de outros jovens na EJA (Educação de Jovens e Adultos), que ele encontrou novas oportunidades para reescrever a sua história e planejar o futuro. 

“Eu vejo vários jovens na cidade passando de ano e, pô, felizões fazendo uma faculdade. Eu acho maneiro, mas quando eu era criança, repeti várias vezes”, conta José Carlos. Para ele, estar na escola, hoje, representa muitas coisas: “felicidade, sorriso, paz, conhecer pessoas e aprender coisas novas”. Significa também conquista, como a que foi alcançada no dia 19 de dezembro de 2022, na sala de convenções do Hotel Atlântico Prime, no centro da cidade. Com beca e capelo, ele foi chamado para receber o certificado de conclusão do processo formativo do Programa Jovens Construtores, concebido pela organização YouthBuild e desenvolvido no Brasil pelo CEDAPS (Centro de Promoção da Saúde).

Durante cinco meses, entre agosto e dezembro de 2022, José Carlos e outros 13 colegas do CREJA, com idades entre 17 e 30 anos, foram convidados a participar da formação no contraturno escolar. Em uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, o Programa Jovens Construtores levou para a escola 280 horas de oficinas voltadas ao desenvolvimento socioemocional, ao fortalecimento pessoal, às relações sociais saudáveis e ao desenvolvimento comunitário, com atividades de educação em saúde, meio ambiente e cultura. 

A educação profissional também é uma dimensão importante, com atividades sendo oferecidas na área da construção civil. “Muitos deles que deixaram a escola quando deveriam estar lá, não saíram porque quiseram. Saíram porque tiveram que trabalhar. O trabalho, portanto, é uma unidade comum entre eles”, explica Marina Garcia, assessora pedagógica do Programa Jovens Construtores. 

Perspectivas de futuro para jovens na EJA

Para os jovens que passaram por muitas dificuldades para se manter na escola, desde reprovações até necessidades financeiras, a EJA (Educação de Jovens) foi a alternativa viável para concluir a escolarização formal. De acordo com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Educação 2019, existem atualmente 1,5 milhão de estudantes brasileiros, com idades entre 15 e 29 anos, matriculados nesta modalidade. “Eu vejo a EJA hoje como um lugar de dificuldade e de resistência, mas também de esperança. Não podemos deixar de falar disso, é um lugar de esperança para muita gente que estava fora da escola”, reforça Marina. 

Eu vejo a EJA hoje como um lugar de dificuldade e de resistência, mas também de esperança. Não podemos deixar de falar disso, é um lugar de esperança para muita gente que estava fora da escola

Com esta perspectiva de esperança e de oportunidade, o Programa Jovens Construtores busca desenvolver liderança entre jovens moradores de favelas e periferias, promover a elevação da escolaridade e oferecer suporte para a entrada no mercado de trabalho. “O Jovens Construtores é, sobretudo, uma política de permanência”, salienta Geisi dos Santos Nicolau, gerente da GEJA (Gerência de Educação de Jovens e Adultos), da Secretaria Municipal. “O sentimento de pertencimento dos jovens traz uma ideia de continuidade. Eles pensam ‘eu não vou parar aqui’.”

Esse foi o caso da jovem construtora e aluna do CREJA, Caroline Vieira. “Eu cheguei aqui com a cabeça de um jeito, agora já estou pensando mais no futuro. Antes eu só queria terminar meus estudos, mas agora também quero fazer outros cursos”, admite. Com 30 anos, depois de ter tido três filhos, ela afirma que nunca é tarde para um novo começo. “Nós podemos ser o que quisermos, somos os protagonistas das nossas histórias.” 

Protagonismo e escuta de jovens na EJA

Protagonismo, aliás, é uma palavra-chave durante o percurso formativo. Em diferentes módulos, os jovens são incentivados a olhar para suas trajetórias pessoais, refletir sobre o seu relacionamento com a sociedade e perceber como são agentes políticos e sociais. Isso ocorre por meio de aulas, palestras com pessoas que compartilham suas trajetórias pessoais, dinâmicas entre os estudantes, saídas pelo território, entre outras ações. 

São os jovens também que decidem como realizar uma ação de intervenção no território. No caso da turma do CREJA, eles idealizaram um muro grafitado no paredão lateral da escola. A arte é um retrato da diversidade, com referências à fachada do CREJA, ao patrono da educação brasileira, Paulo Freire, e à luta pela educação como um direito de todos. Para quem passa pela Avenida Presidente Vargas, na altura do DETRAN (Departamento Estadual de Trânsito), a mensagem deixada pelos jovens pode ser vista de longe. 

“Ficou muito claro nesses meses de experiência com a metodologia [do Programa Jovens Construtores] que a escuta do jovem efetivamente dá certo. Eles usualmente se percebem como não ouvidos. Muitas vezes estão na EJA porque historicamente não foram ouvidos e não foram contemplados pela política pública de educação”, diz Maurício Oliveira Chaves, ex-diretor do CREJA, que foi gestor da unidade no ano passado, durante o desenvolvimento do Programa.

Eles também são ouvidos para definir atividades e temas de interesse. “Nós trouxemos para o programa a inserção de temáticas prioritárias, escolhidas junto com os jovens, como saúde mental, racismo, religiões, a questão LGBTQIA+”, conta Juliano Pereira, assessor pedagógico do Programa Jovens Construtores. A proposta é ampliar a perspectiva curricular para que os jovens na EJA também se sintam representados pelas oficinas. 

Crédito: Divulgação/Cedaps CREJA (Centro Municipal de Referência de Educação de Jovens e Adultos), no Rio de Janeiro (RJ)

Políticas de permanência na EJA 

Se por um lado a escuta e o protagonismo dos jovens na EJA são fundamentais, por outro, também é preciso oferecer suporte e investir em políticas de permanência, principalmente considerando que, durante o programa, os jovens ficam mais três horas diárias na escola. “No primeiro momento, a gente pensou em servir um lanche, mas depois percebeu que um sanduíche e um suco não eram suficientes. O jovem precisava comer”, exemplifica Juliano, ao mencionar que os estudantes ajudaram a definir como seria a refeição na escola. 

Para participar do programa, os jovens também recebem auxílio financeiro. “Eu acho que as pessoas se motivam no primeiro momento pela bolsa e por essa política de manutenção de vínculo, que não está só na bolsa, mas também na alimentação que eles recebem. Depois disso, as redes vão se constituindo entre os próprios alunos e a permanência acontece”, avalia Maurício. 

“Com um mês de convivência, a gente percebeu que tinha muita coisa em comum. Todo mundo tem as suas dificuldades: a maioria da galera tem filhos, tem emprego. As personalidades são muito diferentes, mas as nossas histórias são iguais”, afirma a jovem construtura Grasieli Victoria, de 17 anos. “Nós desenvolvemos uma amizade tão grande que vamos levar para a vida. Não posso nem dizer que somos amigos, já viramos família.”

Contribuição com a política de EJA

A partir da experiência do Programa Jovens Construtores, o infográfico a seguir indica ações e estratégias para reduzir desigualdades e garantir oportunidades para as juventudes que estão na EJA. “Nós não queremos ser um projeto que corre em paralelo, queremos fomentar a política pública”, destaca Melissa Abla, coordenadora da Frente de Juventude, do Programa Jovens Construtores. 

Os aprendizados e reflexões sobre o percurso formativo no CREJA também foram sistematizados no documento “Jovens Construtores e a política educacional de EJA: potências e desafios do programa para a garantia de direitos das juventudes”. Clique aqui para acessar. 

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Programa Jovens Construtores/CEDAPS

TAGS

competências para o século 21, educação de jovens e adultos, educação profissional, ensino fundamental, projeto de vida, protagonismo jovem, socioemocionais

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