Rio

Projeto social que funciona em antigo galpão da CSN quer que armazém seja tombado

Aplauso, iniciativa criada em 2004, oferece atividades culturais para crianças e jovens
Antigo galpão da CSN abriga projeto Aplauso, voltado para jovens de comunidades carêntes Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Antigo galpão da CSN abriga projeto Aplauso, voltado para jovens de comunidades carêntes Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

RIO - Foi entre as décadas de 1940 e 1950 que o Brasil viveu o momento mais importante de seu processo de industrialização. Enquanto a balança comercial amargava prejuízos com a derrocada do ciclo do café, um empréstimo de US$ 20 milhões, feito pelo presidente Getúlio Vargas junto aos Estados Unidos, garantiu a construção da Companhia Siderúrgica Nacional. Os recursos foram suficientes para que a empresa comprasse uma mineradora e construísse um sistema integrado composto por uma fábrica em Volta Redonda, uma moderna malha ferroviária e um centro de distribuição para receber a produção e enviá-la direto ao Porto do Rio. Uma estratégia que reduziu custos e garantiu preços competitivos para o aço brasileiro num momento em que a Europa era reconstruída após a Segunda Guerra Mundial.

Esse retrato de um Brasil moderno ressurge agora em um endereço que ficou por mais de vinte anos esquecido. Na Rua General Luiz Mendes de Morais 50, no Santo Cristo — onde hoje funciona o projeto Galpão Aplauso —, foi erguido, nos idos de 1950, o Armazém Externo nº 5 da CSN, construído com a mais avançada tecnologia americana, em aço 100% nacional. Por ali partiram, por mais de três décadas, 90% das exportações da indústria metalúrgica. Para garantir que essa memória do desenvolvimento do pais não seja mais esquecida, a coordenadora do Aplauso e permissionária do imóvel, a economista Ivonette Albuquerque, deu entrada em um processo de tombamento do imóvel no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também estuda a possibilidade de preservar o lugar.

— É enorme a importância arquitetônica e histórica deste equipamento, que foi de grande relevância para o desenvolvimento industrial brasileiro, como centro de logística para as exportações de produtos siderúrgicos da CSN. É um marco da industrialização brasileira, até então voltada exclusivamente para produtos agrícolas, particularmente o café — diz Ivonette.

A redescoberta do Armazém Externo nº 5 é anterior à revitalização do Porto do Rio, começou em 2004. Após sofrer um violento assalto, Ivonette decidiu abrir um projeto social no imóvel, para jovens em situação de risco. O lugar, abandonado desde a transferência das atividades da CSN para o Porto de Sepetiba, nos anos de 1990, não tinha infraestrutura e estava cheio de mato, lixo e entulho. Uma obra de grande porte ajudou a criar uma nova atmosfera, capaz de transformar até mesmo o projeto: criado como oficina de artes, o Galpão Aplauso passou a oferecer cursos profissionalizantes para a indústria.

— Não fomos nós que demos um novo uso ao equipamento. Ele é que nos inspirou e nos direcionou em seu novo uso — explica Ivonette. — Quando chegamos aqui, iniciamos oficinas de artes, mas, aos poucos, fomos ampliando as atividades. A ideia era garantir oportunidade de emprego para jovens. Hoje percebo que a memória do antigo Armazém Externo nº 5 está representada de forma viva nas oficinas de logística, serralheria e solda, entre outras.

Se foi o destino que levou Ivonette ao velho galpão abandonado, foi também o acaso que a fez descobrir a história do lugar. Há cerca de um ano e meio, durante uma visita ao projeto, uma gerente de cultura do BNDES perguntou se ela havia investigado a origem daquele equipamento arquitetônico. “Não? Deveria”, disse ela na ocasião.

A partir de um trabalho desenvolvido com a área da cultura do BNDES, juntamente com técnicos da área de patrimônio, foi elaborada uma pesquisa que resultou no pedido de tombamento. De acordo com o estudo, quando foi erguido, o armazém era tecnicamente mais arrojado e contrastava com outras edificações por sua robustez e dimensões (tem aproximadamente 49 metros de largura por 102 de comprimento, compreendendo uma área de 5 mil metros quadrados). As duas linhas de trem que acessavam o interior do galpão, assim como as duas pontes rolantes, favoreciam a eficiência do equipamento que interligava os modais rodoviário, ferroviário e marítimo, compondo um centro logístico que garantiu a ampliação das exportações brasileiras de aço. O cálculo estrutural e o projeto do Armazém Externo n°5 couberam ao engenheiro Paulo Rodrigues Fragoso, que também assinou obras como a do hangar do Aeroporto Santos Dumont, a da torre de TV de Brasília e a do Pavilhão de São Cristóvão.

- Todas estas obras foram tombadas pelo patrimônio histórico. Só este galpão ainda não foi - observa Ivonette. - E o equipamento foi construído sem um só elemento decorativo. Ele tem um estilo moderno, acentuando a nova fase da indústria que, naquele momento, buscava fundamentalmente a racionalização dos processos de produção e distribuição.

Outra grande importância destacada no dossiê, e confirmada pela Sociedade de Pesquisa para a Memória do Trem (SPMT), é que os trilhos remanescentes no galpão são os únicos restantes da malha ferroviária pertencente à CSN:

- O Brasil, o Estado do Rio de Janeiro e a cidade devem muito às ferrovias, não só pelo transporte de passageiros, mas de cargas. A CSN foi a primeira grande indústria e ela também, com sua produção, alavancou toda a indústria do Brasil. Esses trilhos remanescentes são muito importantes. Através deles o material que vinha de Volta Redonda era desembarcado e estocado no Armazém até seu encaminhamento para a exportação. As diversas bitolas ainda hoje existentes se encontram em ótimo estado. A preservação dessa malha, de trilhos assentados sobre dormentes de aço, permite investigações mais aprofundadas do funcionamento do Armazém e constitui importante registro da memória ferroviária - defende João Bosco Setti, da SPMT.

Em treze anos de atividades, o Galpão Aplauso beneficiou 11 mil jovens, formados em seus diversos cursos. Um trabalho que garantiu à entidade, em 2014, o prêmio de Honra por Impacto no Desenvolvimento, criado pelo ex-presidente Barack Obama e concedido pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, pelo seu trabalho de desenvolvimento e inovação na educação.

Agora, diante da descoberta da importância histórica do galpão para a indústria e o desenvolvimento do país, o projeto passará por uma nova transformação:

- Com o tombamento, o BNDES poderá injetar recursos para o restauro e adequação do galpão no sentido de construirmos uma escola de excelência para jovens pobres. Eles estudarão parte do turno na escola de ensino médio e, no outro, terão especialização técnica voltada para o mercado de trabalho. E toda esta estrutura também estará aberta aos pesquisadores e ao público - concluiu Ivonette.

Moradora de Itaguaí, e ex-aluna Flávia Falcão da Silva, hoje com 23 anos, chegou ao galpão com a ajuda de amigos,para um curso de teatro:

- Eu acabei entrando para o curso de logística. Hoje continuo vindo aqui para ajudar. Mais do que me ensinar uma profissão, o Galpão mudou meu jeito de ver a vida, de me comunicar e até mesmo de sentir.

Perguntada que sentimento mudou em sua vida, a jovem respondeu:

- A raiva.