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Projeto de lei para regulamentar homeschooling prevê provas na escola, relatórios bimestrais e que pais tenham ensino superior

Única prioridade do governo Bolsonaro para a educação, texto da relatora Luísa Canziani deve ser votado ainda em maio na Câmara dos Deputados
Luísa Canziani será relatora do ensino domiciliar Foto: Divulgação
Luísa Canziani será relatora do ensino domiciliar Foto: Divulgação

RIO — O projeto de lei para regulamentar o homeschooling no Brasil está pronto e deve ser votado ainda em maio. O texto, da deputada Luísa Canziani (PTB/PR), prevê que as crianças que passem para a educação domiciliar devem estar matriculadas em escolas, que deverão supervisionar a frequência e aplicar avaliações desses estudantes.

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— O relatório resguarda os direitos das crianças e regulamenta o dever das famílias. É equilibrado para que possamos avançar neste tema, votar brevemente e partir para as outras pautas necessárias para a educação brasileira — afirma Canziani.

O texto, que é a única prioridade do governo Bolsonaro para educação segundo lista enviada pelo próprio presidente ao Congresso no começo do ano, já tem acordo para ser votado diretamente em plenário, o que agiliza a tramitação na Câmara dos Deputados.

O relatório, a que O GLOBO teve acesso, prevê que o pai ou a mãe da criança deve ter ensino superior para que eles mantenham seus filhos na educação domiciliar. Também estão vetados aqueles que já foram condenados por crimes hediondos, sexuais, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Lei Maria da Penha ou por tráfico de drogas.

O projeto não obriga que eles contratem um professor. Assim, libera que os próprios pais possam dar as aulas.

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Os conteúdos curriculares devem ser referentes ao ano escolar correspondente à idade do estudante, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O texto libera que os pais incluam conteúdos adicionais.

Fiscalização

No projeto, há a previsão de que os pais façam relatórios bimestrais sobre o desenvolvimento educacional do aluno para serem enviados às escolas nas quais as crianças estão matriculadas.

Também está previsto acompanhamento do desenvolvimento do estudante por professor tutor da escola em que estiver matriculado, “inclusive mediante encontros semestrais com os pais ou responsáveis, o educando e, se for o caso, o preceptor ou preceptores”, diz o texto.

Para passarem de ano, as crianças também terão avaliações feitas pelas escolas nas quais eles estarão matriculados, assim como os alunos cujos pais optaram pelas aulas no colégio. Caso não sejam aprovadas em dois anos consecutivos ou três alternados, deverão voltar às aulas na escola.

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O projeto de lei também prevê que o Conselho Tutelar possa fazer inspeções no ambiente de ensino para evitar abusos.

Em 2020, Canziani já foi relatora da medida provisória que reorganizou o calendário letivo como resposta às novas condições impostas pela pandemia.

"Do conjunto das proposições apresentadas (sobre a educação domiciliar) e do acúmulo das discussões mantidas sobre o tema, cabe destacar que a regulamentação da educação domiciliar contemple algumas dimensões indispensáveis. Entre elas, o direito de opção dos pais e responsáveis, suas decorrentes responsabilidades e requisitos de qualificação; a autorização, o acompanhamento e a supervisão pelo Poder Público; a articulação da educação domiciliar com as redes de ensino; promoção do desenvolvimento intelectual, emocional, físico, social e cultural do educando; cumprimento de conteúdos curriculares previstos na Base Nacional Comum Curricular; e acompanhamento e avaliação periódica da aprendizagem", escreveu a deputada em seu relatório.

A expectativa do governo é que o ensino domiciliar seja aprovado ainda antes do primeiro semestre de 2021. Essa é uma promessa de campanha de Jair Bolsonaro (sem partido) que atende a uma parcela do seu eleitorado, de perfil mais conservador e religioso.

Prioridade

Na avaliação de especialistas de educação, a priorização do tema na agenda do Congresso é um erro do governo federal, que negligencia outras agendas que impactam uma quantidade muito maior de alunos.

Segundo estimativa da Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned), a modalidade tem quase 18 mil alunos no país — 0,04% do total de estudantes brasileiros no ensino regular.

— Temos pautas que precisam avançar agora. Temos a regulamentação do Fundeb; o Sistema Nacional de Educação, para uma recuperação melhor da aprendizagem que a gente perdeu na pandemia; e a lei do piso, que está desatualizada — afirma Lucas Hoogerbrugge, gerente de Estratégia Política do Todos Pela Educação. — Sem falar nas medidas emergenciais. Há um projeto de lei para coordenar a volta às aulas, outro para expandir a conectividade dos alunos e também há a respeito de políticas docentes, que precisam ser discutidas.

Defensores da modalidade alegam que o ensino está há 25 anos esperando regulamentação e, com cada vez mais pessoas aderindo à prática, necessita ser juridicamente resolvida.

— A educação domiciliar, como uma realidade social, já existe há algumas décadas no Brasil. O que está acontecendo agora é um movimento de reconhecimento jurídico. O ideal é ter uma boa lei de nível nacional. Não havendo, estados e municípios têm esse direito, e isso já está acontecendo — defende Alexandre Magno Fernandes Moreira, advogado autor do livro “O Direito à educação domiciliar”.

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Pesquisadora do tema, Maria Celi Chaves Vasconcelos, que participou dos debates para a criação do projeto de lei, afirma que o perfil de famílias que praticam o ensino domiciliar no Brasil vai desde aquelas que podem ser consideradas ligadas a uma religião, na qual outros adeptos a influenciaram a aderir à educação domiciliar, até famílias com estilos de vida alternativo:

— Famílias que viajam constantemente, que têm crianças que necessitam de atendimento especializado, que têm filhos que sofreram bullying na escola… — lista.

Em 2018, o STF considerou que os pais só teriam direito a retirar seus filhos da escola em locais com o homeschooling regulamentado. No Distrito Federal, isso foi feito no fim de 2020. Vitória, no Espírito Santo, e Cascavel, no Paraná, também já finalizaram esse processo. Na cidade do Rio, o vereador Carlos Bolsonaro apresentou um projeto de lei do tipo há duas semanas.