Projeto cria pontes entre escolas para apoiar a inclusão - PORVIR
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Inovações em Educação

Projeto cria pontes entre escolas para apoiar a inclusão

Programa Escolas Protagonistas, promovido pelo Lugar de Vida, constrói uma rede de escolas para falar de educação inclusiva a partir de uma abordagem terapêutica

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 11 de janeiro de 2022

Entender como cada estudante aprende é essencial para as escolas darem o próximo passo – principalmente agora, diante de toda a sorte de dificuldades vivenciadas durante os dois anos da pandemia da Covid-19. Para promover uma educação inclusiva, isso é ainda mais importante, e a missão pode se tornar mais fácil quando compartilhada entre mais educadores e escolas.

Esse é o propósito do projeto Escolas Protagonistas, promovido pelo Lugar de Vida, instituição que há 30 anos atua no tratamento e no acompanhamento escolar de crianças e adolescentes com problemas psíquicos. Em reuniões periódicas, especialistas e representantes de escolas coletam evidências e refletem sobre práticas que favorecem a inclusão, em uma estratégia que vai contra a criação de escolas especializadas, que acabam por segregar e discriminar os alunos nessa condição.

As atividades do Lugar de Vida tiveram início em 1990, como um serviço do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, com atendimento terapêutico e educacional para crianças em situação de vulnerabilidade social com Transtornos Globais do Desenvolvimento (autismo e psicose), além de outros quadros psíquicos graves. A partir de 2008, a instituição se tornou independente da USP e passou a atender uma gama maior de quadros psíquicos e oferecer formação a educadores e estudantes.

Maria Eugênia Pesaro, psicóloga, psicanalista e diretora do Lugar de Vida, descreve assim a abordagem terapêutica para crianças realizada pelo projeto: “Cada um de nós veio ao mundo com um aparelho biológico mental, mas ele vai se tornar um sujeito, um ser humano, a partir das relações com os outros seres humanos ou com o meio ambiente”. A importância das interações com adultos e outras crianças é clara. “A cada troca, a criança vai se conhecendo melhor e transformando as manifestações do corpo para um campo de sentidos e significações”, explica Maria Eugênia.

A diretora do Lugar de Vida diz que a principal diferença do programa é criar um espaço de escuta e reconhecimento para cada criança e cada sujeito antes de qualquer diagnóstico que venha a defini-lo. Por isso, evita usar os termos “especial” ou mesmo “deficiência”. “Todos temos modos de ser e de estar no mundo que são diferentes”, afirma Maria Eugênia. “Isso não significa nem mais, nem menos. Por isso o cuidado com a deficiência. Especificamente do ponto de vista do autismo, a questão é como se pensa a deficiência não só a partir do sujeito, mas a partir do que causa a barreira”.

As formações oferecidas pelo Lugar de Vida incluem cursos, seminários teóricos e clínicos, palestras, supervisões e debates sobre alunos-caso ou situações vividas em sala de aula. Ao final do processo, é esperado que a instituição escolar encontre um caminho próprio para desenvolver práticas educacionais inclusivas. Cada edição do Projeto Escolas Protagonistas também resulta na publicação de um livro, como forma de sistematizar o trabalho e de permitir a sua disseminação para outras escolas.


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Experiências

A Escola Nossa Senhora das Graças, em São Paulo (SP), também conhecida como Gracinha, participa do projeto Escolas Protagonistas desde sua primeira edição (2016), sendo representada por professores, orientadores e acompanhantes escolares. Para desenvolver um trabalho voltado à inclusão, a instituição conta com um Setor de Apoio à Aprendizagem e à Participação.

“No Gracinha, a gente trabalha a partir de determinados princípios e de um modo bastante transversal. A diferença é um valor, é benéfica para a educação e para a formação do sujeito”, diz o psicólogo escolar Maurício Walter Moura. Segundo ele, a participação no grupo de instituições que integram o Escolas Protagonistas contribui para o intercâmbio de vivências entre quem está diariamente dentro da escola e quem tem uma trajetória acadêmica. “Dessa troca sai muita produção, esclarecimento que vai ajudando a gente, inclusive na elaboração da nova versão dos parâmetros de inclusão [documento que orienta as ações da escola]. Isso ajuda bastante a valorizar o trabalho do professor e de todos os agentes transformadores da escola a legitimar o seu saber sobre os alunos”.

Walter relata como a abordagem ajudou, por exemplo, no acolhimento de um aluno com espectro autista. “Ele não conseguia ficar em sala de aula, estar ali presente. Com o tempo foi conseguindo, mas sempre acompanhado de um adulto. Em determinado momento, começamos a articular com o pessoal da limpeza, com os inspetores e com integrantes da cantina para que ele descesse, comprasse o lanche sozinho e se comunicasse. Isso vem de um princípio que o aluno não é só responsabilidade do professor. É da escola inteira.”

Como consequência, o aluno conseguiu participar melhor dos grupos e desenvolver uma autonomia para circular sozinho pela escola. “Todo mundo faz parte da rede. Tanto os educadores que estão dentro da escola, quanto à família e profissionais que estão fora acompanhando a criança”, diz. Para ele, por mais que as crianças e as práticas inclusivas requeridas sejam singulares, encontrar outras narrativas inspira a encontrar soluções. “Muitas vezes você está imerso na instituição e não conseguiu, com a sua equipe, pensar em uma saída parecida”.

No Colégio Santa Cruz, também na capital paulista, a coordenadora do Núcleo de Práticas Inclusivas Lucila Toledo Bernardes diz que o trabalho dentro do grupo de Escolas Protagonistas é importante para mostrar as diferentes possibilidades de permitir ao aluno construir sua subjetividade, estabelecer uma significação do mundo e do contexto social.

Uma vez por semana, o Núcleo se reúne para discutir textos e discutir casos específicos dos 40 alunos assistidos. “O segredo do trabalho é manter essa equipe especializada e em formação fazendo um trabalho de parceria com os professores e compartilhando planejamentos”, afirma Lucila.

A coordenadora diz que o trabalho terapêutico desenvolvido pelo Lugar de Vida é importante porque parte de uma experiência que todas as escolas precisam atender. “Quando você recebe um aluno com comportamento diferente dos outros, isso pode causar um estranhamento no professor porque dificilmente alguém teve uma formação inicial robusta o suficiente para dar conta”. Para ela, nas sessões em grupo do projeto e dentro da própria escola, essas “angústias” podem ser externalizadas e dar origem a um segundo momento, mais inventivo, em que docentes podem encontrar maneiras para personalizar a aprendizagem e o desenvolvimento de cada aluno, desafiando barreiras e protocolos.

***

A quinta edição do Projeto Escolas Protagonistas será realizada entre março de 2022 e março de 2023, com um misto de atividades presenciais e virtuais. Participaram da quarta edição do Projeto, em 2021, escolas como Acaia, Castanheiras, Ranieri, Creche Sta. Monica (RJ), Nossa Senhora das Graças (Gracinha), Lourenço Castanho, Oswald de Andrade, Prosaber (RJ), Rainha da Paz, Santa Cruz, St. Francis, St. Nicholas e Vera Cruz, entre outras. Além do Escolas Protagonistas, o Lugar de Vida oferece outros projetos para a comunidade escolar. Saiba mais no site do Lugar de Vida. 

A plataforma Diversa traz mais detalhes sobre o trabalho de Inclusão do Colégio Santa Cruz e de outras escolas no Brasil e no exterior.


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inclusão

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