Descrição de chapéu Voluntariado na Educação

Projeto conecta alunos e voluntários para levar novos temas à rede pública

Quero na Escola atende pedidos de estudantes interessados em assuntos fora da grade curricular

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Daniela Pintão
São Paulo

Um adolescente quer saber mais sobre algum assunto que não faz parte do currículo escolar. Um especialista está disposto a ensinar. Juntar as duas pontas é o que faz o Quero na Escola, plataforma digital que reúne interesses diversos de alunos das escolas públicas e busca voluntários para atendê-los.

Um homem branco, está com roupa preta, camisa e calça, apontando para uma lousa.
Palestra do ator Cleto Baccic para alunos da Escola Estadual Professora Luciane do Espírito Santo, em SP  - Keiny Andrade/Folhapress

Idealizado pela jornalista paulista Cinthia Rodrigues, o projeto criado em 2015 é voltado para ensino médio e anos finais do fundamental. Na época, ela trabalhava em revistas voltadas para educadores e sentia falta da participação mais efetiva da sociedade no ensino público. Levou a inquietação para um laboratório de inovação social e, ao final do programa, tinha o projeto formatado. Lançou a plataforma com três amigas.

O Quero na Escola é mantido por aportes de instituições privadas, prêmios pecuniários ligados ao empreendedorismo social e, eventualmente, outras iniciativas, como o livro lançado neste ano com histórias sobre estudantes inspiradores. A renda da coletânea, escrita por Cinthia Rodrigues e Luciana Alvarez, outra das fundadoras, é revertida para o projeto.

Com filhos na rede pública, Cinthia entrou no conselho escolar, que agrupa pais, alunos, professores e representantes da comunidade. "Diferentemente da escola particular, a pública tem a responsabilidade não só de passar os conteúdos, mas também da merenda, dos livros, de pensar na evasão do aluno, na violência do entorno e muito mais. Não sobra tempo para pensar em atividades extracurriculares."

O Quero na Escola exige menos envolvimento direto de uma direção já sobrecarregada. A dinâmica é simples: o aluno se cadastra no site e diz o que gostaria de aprender. A equipe checa se já tem cadastrado algum voluntário especialista naquele assunto, ou movimenta sua rede para encontrá-lo, e faz a ponte.

Os voluntários também podem olhar as solicitações diretamente no site e se oferecer para atender àquela demanda. A escola só é acionada na fase final, para aprovar e disponibilizar espaço e horário.

Qualquer estudante de escola pública, de qualquer lugar do Brasil, que esteja em uma das etapas escolares contempladas pode se cadastrar na plataforma e dizer o que gostaria de aprender na escola fora da grade curricular.

Foi o que fez Vitor da Silva Serem, 16, aluno da primeira série do ensino médio da Escola Estadual Professora Luciane do Espírito Santo, em Lajeado, bairro do extremo leste de São Paulo que integra a subprefeitura de Guaianases.

No Mapa da Desigualdade 2021, da Rede Nossa São Paulo, o distrito aparece com valor zero em vários indicadores culturais, o que significa que faltam cinemas públicos, centros de cultura, museus, teatros, salas de show.

Os alunos da sala de Vitor precisavam desenvolver projeto sobre alguma causa social para a disciplina de tecnologia da informação, que resultaria na apresentação de um seminário para as outras turmas. Ele sugeriu pobreza menstrual, questão ganhou evidência em outubro, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou um trecho da lei que previa distribuição gratuita de absorventes.

Alguns estados têm iniciativas semelhantes, como o Dignidade Íntima, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. As escolas paulistas implementaram o programa em agosto, mas o contato de Vitor com o tema se deu antes, quando ele virou voluntário do coletivo Fluxo Sem Tabu, um projeto sem fins lucrativos que distribui itens de higiene íntima para camadas mais vulneráveis.

O estudante fez dois pedidos ao Quero na Escola. Para formatar o seminário de seu grupo, Ligia Moreiras, cientista e escritora baseada em Florianópolis, especialista em saúde de mulheres e crianças, enviou vídeos explicativos feitos exclusivamente para eles.

Com as aulas já eram presenciais, o grupo solicitou também um voluntário para dar palestra sobre o tema na escola. Foi a vez de Márcia Araújo, professora e ginecologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O evento reuniu cerca de 300 pessoas, entre alunas, funcionárias e docentes.

"A experiência foi engrandecedora e o contato com as jovens, maravilhoso. Saber que quem solicitou o evento foi um rapaz não foi surpresa, mas motivo de alegria e orgulho por ver as barreiras sendo quebradas", diz Márcia, também egressa da escola pública.

Formada pela USP, a médica só estudou em colégio particular a partir da metade da 2ª série do ensino médio, quando ganhou bolsa. A participação em projetos como o Quero na Escola é uma forma de devolver o que o ensino público lhe proporcionou, diz.

"Não podemos continuar terceirizando a educação dos nossos filhos, temos que estar dentro da escola e ver o que acontece lá."

O prolongamento das medidas de restrição e o acesso desigual dos alunos da rede pública à internet levaram o Quero na Escola a lançar outros três programas. O primeiro foi o Quero Livro, em que alunos pediam obras didáticas ou de literatura.

No Apoio Emocional - Especial Professor, realizado em parceria com a Fundação SM, instituição educacional marianista sem fins lucrativos e parceira do Quero na Escola desde 2016, o professor podia solicitar a ajuda de profissionais da área de saúde mental.

O programa oferecia três formatos de atendimento online: apoio individual, escuta coletiva para um grupo de professores ou ação com os alunos durante a aula. No total, 3.545 pessoas foram atendidas nas três modalidades.

Em 2021, nasceu o Ponto Extra, de reforço virtual nas disciplinas obrigatórias. O programa acabou em julho, mas alguns voluntários continuam acompanhando o estudante ou a turma, em um vínculo independente da plataforma.

É o caso dos alunos da professora de português Juliana Nóbrega, de Parelhas (RN), cujos encontros semanais continuam até hoje. Estimulados pela educadora, alguns também usaram o Quero Livro, e a própria Juliana solicitou atendimento ao Apoio Emocional.

"Com o suporte, consegui liberar amarras e inscrever um texto meu na Olimpíada de Língua Portuguesa, que abriu categoria para professores neste ano", diz ela, que é finalista nacional do concurso.

Com o retorno às salas de aula, o Quero na Escola voltou a funcionar como antes e a incentivar a participação presencial dos voluntários.

"Existe uma ideia estigmatizada da escola pública, centrada na fantasia da propaganda política ou no sensacionalismo dos programas policiais. Tem toda uma vida no meio disso, e ir pessoalmente àquele espaço, ver projetos pelos corredores, ter contato com os alunos, humaniza esse lugar", diz Cinthia Rodrigues.

Até 2019, quando foi elaborado o último relatório anual do Quero na Escola, mais de 25 mil atendimentos tinham sido realizados, entre solicitações individuais ou em grupo, com o envolvimento de 588 voluntários. Os relatórios de 2020 e 2021 serão elaborados em conjunto no fim deste ano.

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