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Economia

Programas sociais com contrapartidas melhoram indicadores de educação e saúde

Experiência com Bolsa Família resultou em queda na evasão escolar e na mortalidade infantil
Bolsa Família, que será substituído pelo Renda Brasil, beneficiou saúde e educação nos lares mais pobres. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
Bolsa Família, que será substituído pelo Renda Brasil, beneficiou saúde e educação nos lares mais pobres. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

RIO - Há robusta produção acadêmica sobre os efeitos em indicadores sociais de programas que exigem contrapartidas. O Bolsa Famíllia, que será substituído pelo Renda Brasil, condicionava a transferência de renda a medidas como frequência escolar e carteira de vacinação em dia das crianças beneficiadas pelo programa.

A socióloga Letícia Bartholo, ex-secretária nacional adjunta de Renda e Cidadania, diz que estudos mostraram resultados melhores que o esperado no início do programa, em 2003:

— Houve redução do trabalho infantil. Melhorou não só a frequência escolar como o desempenho dos adolescentes que chegam ao ensino médio. A mortalidade infantil caiu. As condicionalidades permitiram a articulação das políticas de saúde, educação e assistência social e entre governo federal, estados e municípios.

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Letícia explica que as contrapartidas também servem como uma espécie de vigia do próprio Estado. Mostram onde está falhando, os motivos de crianças pobres não irem à escola ou ao posto de saúde:

—Acende um alerta para a assistência social agir.

O epidemiologista Maurício Barreto, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, publicou na revista científica Lancet um estudo mostrando que, nas cidades com alta cobertura do programa, ele foi responsável por 17% da queda da mortalidade de crianças de até 5 anos entre 2004 e 2009.

— A pesquisa mostra que uma melhoria pequena nas condições de vida provoca avanço imenso nas condições de saúde. Na época da criação do Bolsa Família, houve expansão de programas de saúde da família, o que permitiu que as contrapartidas fossem plenamente atendidas — diz Barreto, que também coordena o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz. — Temos estudos que mostram impacto na queda de índices de tuberculose e hanseníase.

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Na mão das mulheres

Daiane Machado, pesquisadora do Cidacs, encontrou até associação com redução no número de suicídios:

— Dados preliminares mostram que o risco de suicídio cai 60% entre beneficiários na comparação com não beneficiários. O programa incentiva a utilização do Saúde da Família, que pode favorecer a identificação de sintomas e o encaminhamento para a atenção à saúde mental.

A cobertura vacinal melhorou, como demonstra estudo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A proporção de crianças do programa que receberam pelo menos 70% das vacinas aumentou de 54% em 2005 para 76% em 2009. Os resultados mostram que o programa aumenta em 17% a probabilidade de a criança ter cartão de vacina.

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— Há impacto maior nas vacinas que estão no início do calendário, com menos de 6 meses. O impacto vai ficando menor conforme a idade da criança avança. De todas as vacinas do calendário até os 6 anos, só a tríplice viral, o Bolsa Família não foi suficiente para que os pais levassem as crianças que estão nessa idade maior — diz o economista Marcel de Toledo Vieira, professor da UFJF.

Na educação, a exigência de frequência escolar deu frutos significativos. Trabalho de Sergei Soares, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e Luis Felipe Batista de Oliveira mostra que “o aluno participante do programa possui probabilidade de repetência cerca de 11% menor que os demais”.

Na mesma linha, estudo do Centro Internacional de Políticas para Crescimento Inclusivo das Nações Unidas mostra que os alunos do Bolsa Família “apresentam menor taxa de abandono e distorção no 5º e 9º anos, o que sugere que o programa exerce importante função de manter na escola alunos de famílias pobres”.

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— O Bolsa Família é um dos programas mais estudados do mundo. O governo deu atenção à avaliação e transparência aos números — diz Matteo Morgandi, economista sênior do Banco Mundial. — O banco ajudou na primeira onda de avaliação. Na educação, reduziu a repetência, melhorou a conclusão do ciclo secundário e diminuiu o tempo de trabalho doméstico das meninas.

A economista Tatiane Menezes, da Universidade Federal de Pernambuco, afirma que é importante manter os recursos nas mãos das mães, titulares preferenciais dos cartões pelas regras do programa:

— Estudos mostram que o dinheiro vai para a família e a casa. O mesmo não acontece quando quem recebe é o pai.

Para Cecilia Machado, economista da FGV, as contrapartidas favorecem direitos fundamentais, como a educação:
— Dá conhecimento ao cidadão de seus direitos.