Por Samuel Pinusa, g1 CE


Karol Rocha Rodrigues, 22 anos, estudante de Medicina na UFC. — Foto: Ismael Soares/SVM

O ensino superior, historicamente, tem sido usado como uma ferramenta de transformação social — especialmente entre os jovens. Contudo, entrar na faculdade, principalmente, pública é apenas um dos passos na caminhada. Permanecer estudando é outro. Por isso, jovens da periferia de Fortaleza encontram em projetos e programas sociais o incentivo necessário para conquistar a tão sonhada aprovação, e também os meios para seguir na graduação.

O Ministério da Educação informou que o Ceará foi o estado do Brasil com a maior proporção de concludentes do ensino médio inscritos no Enem de 2022. O estado registrou 83,1% dos concludentes registrados no principal vestibular do país. A média foi maior, inclusive, que o percentual nacional — contabilizado em 48,5%.

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Para auxiliar na preparação, estudantes de Fortaleza contam, desde 2013, com a Academia Enem. Em 2023, a edição do programa ampliou o número de vagas para 12 mil, e foi lançada em parceria com a Descomplica, plataforma online de educação. Os encontros ocorreram em formato híbrido, com aulas virtuais na Descomplica e aulões presenciais no Ginásio Paulo Sarasate.

Um dos milhares de jovens que já passaram pela Academia Enem é Karol Rocha Rodrigues, 22 anos. Ela foi aluna do programa entre 2017 e 2019, finalizando a trajetória com a aprovação em medicina em universidades públicas do estado. Desde 2020, ela é estudante da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Karol foi aprovada em Medicina na UFC após participar da Academia Enem, em Fortaleza.

Karol foi aprovada em Medicina na UFC após participar da Academia Enem, em Fortaleza.

“A Academia Enem foi essencial porque, principalmente na educação pública, muitas coisas a gente precisa corrigir. Eu acho que são projetos como esse, que visam focar o jovem à educação superior, que fazem a diferença para tentar corrigir as desigualdades da vulnerabilidade socioeconômica”, declarou Karol.

Karol mora e cresceu na periferia, no Bairro Manoel Sátiro. Antes da universidade pública, ela passou também pela rede pública de ensino, em uma escola no Bairro Conjunto Esperança. Ela, inclusive, descobriu a Academia Enem ainda na escola; a instituição fazia mutirões de inscrições para os alunos.

“Na Academia Enem, a gente consegue encontrar outras pessoas que vivem realidades parecidas, e criar uma grande rede para focar nos objetivos. É um conjunto de coisas que compõem os projetos. O material, as aulas, os professores. Tudo isso te faz sentir acolhido para buscar a educação superior, que é uma ferramenta importantíssima para a juventude crescer cada vez mais”.

Ela disse que, após conhecer a Academia Enem, participou de outros projetos e equipamentos da Juventude de Fortaleza, como a Rede Cuca. Karol mora próximo ao Cuca Mondubim, onde faz esporte, e também já fez dança e inglês.

Karol participou de programas como Academia Enem, Bolsa Jovem e 'Voa, Juventude', em Fortaleza. — Foto: Ismael Soares/SVM

Ela também já foi beneficiada com o “Voa, Juventude” — um programa de concessão de passagens e hospedagens aos jovens com idade entre 15 e 29 anos, que pretendem representar o município em festivais, eventos acadêmicos, campeonatos e que não disponham de condições financeiras, devendo comprovar a sua inscrição no evento. Karol viajou ao Paraná para apresentar trabalhos em um congresso de medicina e educação.

Entre 2021 e 2022, o Voa Juventude atendeu 581 solicitações para atividades esportivas, formativas e culturais com destinos nacionais e internacionais como Santa Catarina, Piauí, Paraná, São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais, França, Espanha, Holanda, Eslováquia e Itália.

“Toda essa rede que me abraçou eu levo com muito carinho. Foi muito importante para eu conseguir corrigir as vulnerabilidades sociais em que fui emersa, e transformar isso em oportunidades”, destacou a jovem, que também já participou do “Bolsa Jovem”.

Contando novas histórias

Mailton Granja, 25 anos, estudante de História na UECE. — Foto: Ismael Soares/SVM

O Bolsa Jovem foi criado em setembro de 2019, e já beneficiou, durante três edições, um total de 8 mil jovens de Fortaleza entre 15 e 29 anos. A ideia, conforme a Prefeitura de Fortaleza, é possibilitar e garantir que os jovens desenvolvam habilidades com a concessão de benefício financeiro mensal — atualmente em R$ 300. Em 2023, são ofertadas 3.500 vagas (veja como participar).

Os jovens amigos Luiza Farias, 22 anos, e Mailton Granja, 25, estudantes de história na Universidade Estadual do Ceará (Uece), tocam iniciativas beneficiadas pelo Bolsa Jovem. Em 2023, eles desenvolveram um projeto chamado "Vai Veno", onde fazem visitas guiadas por locais históricos de Fortaleza e ensinam diversas informações sobre a capital.

“A gente vai andando por pontos que consideramos importantes dentro do contexto histórico. A gente passa em praças, casas, teatros, e percebemos a troca que tem muito forte, principalmente no Centro, entre cultura, história e a população”, explicou Mailton, que nasceu e cresceu nas periferias de Fortaleza. Nascido no Conjunto Ceará, ele cruzou a cidade e atualmente vive em Messejana.

Mailton acredita no protagonismo juvenil para Fortaleza continuar avançando.

Mailton acredita no protagonismo juvenil para Fortaleza continuar avançando.

“É muito importante ter projetos que tragam esse aspecto de transformar os jovens em protagonistas. Eles precisam disso, de se tornar protagonistas das próprias histórias, das próprias comunidades”, comentou o jovem.

A Prefeitura de Fortaleza informou que, segundo a pesquisa de avaliação do projeto, 95% dos que responderam à pesquisa apontam que o Bolsa Jovem foi fundamental para o crescimento pessoal e 81% dizem que, através do programa, puderam participar de alguma competição, congresso, mostra, curso ou oficina.

Mailton participou do Bolsa Jovem pela primeira vez em 2023. — Foto: Ismael Soares/SVM

“É preciso trazer a galera para protagonizar esses espaços, ocuparem e se ocuparem o espaço que, às vezes, é negado, é deixado de lado. É importante que a secretaria [de Juventude] exista, principalmente em uma capital com uma grande visibilidade nacional; mas que inclua juventude nesse processo de crescimento porque é ela que vai fazer seguir crescendo”, avaliou Mailton.

A parceira de projeto e amiga de faculdade dele, Luiza Farias, reforça a importância da participação dos jovens entre os processos. “A gente tem uma cidade que está crescendo cada vez mais; ao mesmo tempo em que a população cresce, os jovens também crescem. A juventude de Fortaleza precisa de espaço para levar os próprios 'corres' por aí”, destacou.

Auxílio na permanência estudantil

Luiza Farias, 22 anos, empreendedora social e estudante de História na UECE. — Foto: Ismael Soares/SVM

Luiza já foi beneficiada com dois projetos no Bolsa Jovem. Além do “Vai Veno”, ela também criou a loja “Entre Ciclos”, com foco em produtos de saúde menstrual e sustentabilidade como coletores e absorventes ecológicos. O acréscimo na renda mensal auxilia a jovem que precisa dividir o tempo entre estudar, cuidar dos projetos e lecionar para crianças e outros jovens em um curso pré-vestibular.

“Eu estou na segunda edição do Bolsa Jovem e, apesar de não ser um valor alto, ajuda bastante. Os meus dois projetos foram na área do empreendedorismo, e isso me ajudava porque eu não precisava tirar do meu bolso o investimento, como comprar material, fazer os deslocamentos”, destacou Luiza.

“Eu tento juntar meus projetos com as coisas que estudo e, como eu sou da história, é algo que está em tudo, e tem a questão da educação também. Quando eu tenho acesso a esses projetos, eu acabo construindo uma educação diferente também”, disse.

Luiza inscreveu dois projetos para receber o benefício do Bolsa Jovem, em Fortaleza.

Luiza inscreveu dois projetos para receber o benefício do Bolsa Jovem, em Fortaleza.

Entre 2017 e 2021, mais da metade dos universitários não concluíram a graduação, conforme o Mapa do Ensino Superior no Brasil, do Instituto Semesp, que representa as entidades de ensino superior privado. Para auxiliar na permanência, a Prefeitura de Fortaleza também iniciou gratuidade nos ônibus da capital aos alunos que possuem carteirinha de estudante.

“Eu acho que a gente que está fazendo acontecer, e consegue essas oportunidades, a gente está dando um pontapé inicial. Mas nós não podemos parar por aqui. Eu acho que tem de ter mais investimentos ainda. Por exemplo, eu sou bolsista do Bolsa Jovem, mas ainda é uma das poucas políticas afirmativas voltadas para a juventude”, avaliou a universitária.

Com auxílio do Bolsa Jovem, Luiza criou uma loja de saúde menstrual em Fortaleza. — Foto: Ismael Soares/SVM

Luiza é moradora do Mondubim, na periferia de Fortaleza. Além do Bolsa Jovem, ela também utilizou as formações ofertadas na Rede Cuca, principalmente a unidade do bairro onde ela reside.

“Eu acredito que o Cuca é o que está mais acessível, especialmente porque está dentro da periferia. A dez minutos da minha casa, tem o Cuca Mondubim, que foi onde eu comecei a conhecer a arte, a cultura”, comentou.

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