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Professores do Rio passarão por curso de guerra para atuar em situações de risco

Não faz muito tempo que um professor disse ao secretário municipal de Educação do Rio, César Benjamin, que “todos esses jovens de fuzil na mão deram uma chance alguma vez à escola”. E ainda completou: “Nós perdemos essa chance”. A autocrítica não saiu da cabeça de Benjamin. Ao EXTRA, ele lamenta ter que precisar procurar a Cruz Vermelha, organismo internacional de proteção humanitária que trabalha em áreas de guerra, para capacitar seus professores a lidar com situações de emergência. O secretário fala ainda da campanha pela paz nas escolas e da aplicação da argamassa que está sendo importada para fortalecer as paredes das unidades.

Há planos para capacitações complementares de professores em áreas de risco?

Em julho, a Cruz Vermelha começa a dar um curso sobre comportamento em situações de risco. Por exemplo, nesses casos, é essencial que diretores e professores mantenham a calma para não assustar as crianças. É meio trágico de se falar. Porque a Cruz Vermelha atua em Bagdá (Iraque), em Damasco (Síria), em áreas de guerra. E vão atuar conosco no Rio.

O senhor pretende passar a remunerar melhor quem trabalha nessas áreas?

Nós temos em vigor uma resolução antiga que dá uma gratificação por difícil acesso. Mas ela foi feita numa época que a violência não tinha esse nível atual. Estamos estudando ampliar essa resolução para incluir as escolas em áreas conflagradas. Já encomendei ao Instituto Pereira Passos o estudo georreferenciado de todas as escolas que estão em áreas conflagradas. Não tenho o estudo de impacto financeiro ainda. Quero dar esse passo. Só estamos vendo a viabilidade financeira.

Como será essa argamassa anunciada pela prefeitura?

Esse debate nasceu de uma visita que eu fiz nas escolas novas no Complexo da Maré. Elas foram construídas com drywall, que é uma técnica barata, leve e elegante. Mas muito frágil. As pessoas me mostraram como as balas de fuzil entram por um lado da escola, atravessam as salas e saem pelo outro. Tivemos uma reunião com educadores da Maré em que o prefeito participou. E durante a reunião, ele, que é engenheiro, disse que existe essa argamassa. Mas não é para blindar as escolas do Rio. Em certos casos, essa solução é válida. Em outras, não. O prefeito pediu que a secretaria de Conservação providenciasse a importação. Isso está em curso. Vamos fazer testes e acompanhar como funciona. Provavelmente vou começar a testar na Maré nessas escolas novas (o Campus Educacional da Maré), na chamada Faixa de Gaza. Vamos testar em quantas paredes vamos aplicar. Mas isso é uma pedido dos professores. Não é uma invenção nossa. Quando fomos lá, eles disseram que algumas paredes têm que ser fortalecidas. É legítima a reivindicação.

Qual a função dos comitês de diretores que estão sendo criados entre as escolas que ficam em áreas de risco?

A gente busca soluções locais. Não há uma solução geral para a questão da violência. Cada comunidade é diferente da outra. A Maré tem muita violência, mas muita vida intelectual, cultural, social. Em outras áreas, não tem isso. Isso você não sabe do gabinete. Você descobre em campo, encontrando soluções locais.

Serão quantos grupos?

Estão sendo montados 12 comitês.

A secretaria tem, atualmente, uma campanha pela paz nas escolas. Qual o impacto?

A gente não pode trabalhar com a ideia do tudo ou nada. Ou seja, como eu não posso terminar com a violência, que é o tudo, então eu não posso fazer nada. Não é assim. Nós estamos trabalhando num espaço intermediário — que não é tudo, nem nada. Acho que isso pode ter efeito, sim. Porque a violência tem os seus núcleos duros, os centros das facções criminosas, os policiais que já passaram para o crime. Mas ela tem uma grande franja também: o adolescente que não entrou para facção, mas faz o trabalho de avião. É muito comum chegar numa escola e as pessoas me apontarem a boca de fumo, que fica muito perto, e dizer aquele ali é pai de aluno, aquele ali é pai de aluno, aquele também. Então, a escola pode ter uma influência moral sobre essa franja da violência.

O que faz o senhor acreditar nisso?

Nós tivemos uma experiência na Maré que foi muito interessante. Duas passeatas se encontraram na divisa de favelas controladas por facções rivais. Nesse dia, nós conseguimos um acordo com a Polícia Militar; e a força das crianças, dos professores caminhando nas ruas da Maré inibiu o tráfico. Eu vi muitos soldados escondendo os fuzis na medida em que a gente ia caminhando. Nós temos uma força moral. Estamos usando isso.

O que será o encontro de escolas do dia 2 de julho?

A campanha pela paz nas escolas tem o aluno como protagonista. Então, são eles que conduzem a campanha em cada escola, orientados pelos professores. No dia 2 de julho, vamos nos encontrar no Monumento aos Pracinhas, de 8h às 13h, para uma escola mostrar às outras o que está fazendo. Não vai ter um palco, não vai ter discurso, as pessoas não vão olhar para o mesmo lugar. Queremos transformar o 2 de julho num ato da cidade pela paz. As escolas convidam a cidade para ir lá ver o que estão fazendo, participar e interagir conosco em torno do combate à violência.