Brasil

'Edutubers': Professores deixam salas de aula e viram estrelas de vídeos na internet

No YouTube, eles têm mecanismos para monetizar através do trabalho digital
Professores como Ivys Urquiza (camiseta preta) e Rafael Procopio (camiseta azul) migram das salas de aula para o ensino a distância pelo Youtube Foto: Leo Martins / Agencia O Globo
Professores como Ivys Urquiza (camiseta preta) e Rafael Procopio (camiseta azul) migram das salas de aula para o ensino a distância pelo Youtube Foto: Leo Martins / Agencia O Globo

RIO - A maior comunidade on-line dedicada exclusivamente à matemática no mundo reúne nada menos que 3,6 milhões de seguidores. Quem garante é o sujeito que a criou. “Se você juntar meu YouTube, meu Facebook e meu Instagram, vai chegar a esse número”, diz o professor Rafael Procópio. De fato, só o seu canal de vídeos, o Matemática Rio, contabiliza 1,5 milhão de inscritos. Algo que vai muito além das dezenas de alunos que ele ensinava em um colégio público na Vila Kennedy, no Rio.

Os números de Procópio também são respeitáveis quando comparados a canais de estrelas da internet que tratam de assuntos mais “amenos” que matemática, como moda ou maquiagem. Professores de sucesso em sala de aula estão se tornando influenciadores digitais, e Procópio é um bom exemplo desse fenômeno. Há três anos, tendo alcançado algum sucesso nas redes, deixou a escola onde trabalhava para impulsionar a carreira on-line. Ele é um "edutuber", como são chamados os youtubers da educação.

— As pessoas passaram a me reconhecer depois que fiz uma paródia em vídeo, com amigos, do funk “Quadradinho de 8”, usando fórmulas matemáticas. Formamos o grupo “Bonde das matemáticas”, tivemos milhões de visualizações. As pessoas me apontavam na rua: “Olha lá o professor do bonde” — ri . — Passei a dar palestras, criei uma plataforma própria de cursos.

A cada dia surge um novo edutuber, afirma Clarissa Orberg, gerente de parcerias estratégicas do YouTube Brasil. Há um programa de suporte aos canais: a partir de mil inscritos, o educador já pode monetizar os vídeos; com 10 mil, ele tem acesso às instalações da plataforma para gravar vídeos; com 100 mil, é elegível a ter um gerente de atendimento próprio no YouTube.

— Temos um projeto em parceria com a Fundação Lemann para organizarmos o conteúdo de educação feito pelos edutubers. O número de canais selecionados para essa plataforma, chamada YouTube EDU, mais do que dobrou de 2017 para 2018, passando de 150 para 350 — explica Orberg.

O YouTube dá tanta importância ao assunto que promoveu aqui no Brasil, no fim do ano passado, o Educon, um evento voltado só para os influenciadores da educação. Em workshops variados, especialistas trataram de técnicas de filmagem, monetização, engajamento, entre outros temas.

— Foram convidados cerca de 120 edutubers. Se você somar os seguidores de todos, dá 30 milhões de pessoas. É o número de habitantes de um país de tamanho significativo — afirma Malik Ducard, diretor global das áreas de educação e família do YouTube, que veio ao Rio para participar do encontro.

‘Você escreve muito’

“Professor, você escreve bem, mas escreve muito. Faz um vídeo aí!”. Ivys Urquiza ouvia conselhos desse tipo com frequência de seus alunos virtuais e presenciais. Sua carreira na internet começou em 2011, quando ele resolveu criar um blog para falar sobre o Enem:

— Eu já estava familiarizado com o novo modelo proposto para o exame e virei referência para os candidatos. Quando você pesquisava “Física” e “Enem” no Google, o meu site era o primeiro a aparecer.

Alguns anos depois, seguindo a dica de “faça vídeos, não textos”, Ivys lançou o canal Física Total, que hoje conta com nada menos que 13 milhões de visualizações. Seu maior sucesso é um vídeo sobre vetores e operações vetoriais:

— Há públicos diferentes que assistem às aulas a distância. Os alunos em véspera de prova, por exemplo, recorrem aos vídeos curtos, que têm de três a cinco minutos. Mas as aulas mais completas também têm boa procura. A mais assistida do meu canal dura 37 minutos.

Além da diferença entre os que querem algo mais imediato e os que se preparam para provas como o Enem, há também a regionalização.

— Depois de algum tempo percebi que a maior parte do meu público era do interior. Acredito que o pessoal das capitais tem um suporte presencial maior — analisa o professor Carlos André, à frente do canal Química do Sucesso.

Em meio a uma maioria de professores homens na internet, Carina Fragozo, do English in Brazil, atualmente conta com 1 milhão de seguidores no YouTube.

— Há mesmo mais canais de homens. É curioso porque, na educação básica, a maioria dos professores é mulher... Acho que isso acontece porque meninos são encorajados a lidar com tecnologia desde cedo e têm mais facilidade em entrar nesse universo. E talvez as mulheres tenham mais receio de se expor — diz.

Carina deu aulas presenciais por dez anos em cursos e escolas e hoje, após ter concluído o doutorado, dedica-se exclusivamente ao canal:

— Dou palestras, escrevi um livro que entrou na lista de mais vendidos da Amazon, faço publicidade para apps de idiomas nos quais confio. Os ganhos vêm da monetização dos vídeos, mas também da visibilidade que o canal traz.